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Fragmentos de ossos humanos — incluindo parte de um crânio — e de animal, além de vidros, louças, cerâmicas e metais foram encontrados durante as obras da parte externa da restauração do Mosteiro de São Bento, em Olinda, na Região Metropolitana do Recife. Por enquanto, foram identificados, na área onde funciona o estacionamento do mosteiro, 43 fragmentos ósseos, sendo 42 de humanos e um bovino, alguns associados a sepultamentos antigos. Mas esse número pode ser bem maior.
Para conseguir traçar algum perfil dos achados e dizer a quem pertenciam, seria necessário que uma escavação arqueológica identificasse mais indivíduos e mais material, como aconteceu, em 2022, na Comunidade do Pilar, no Bairro do Recife. Com mais de 100 ossadas humanas e mais de 40 mil fragmentos de objetos diversos, o local é considerado o maior achado arqueológico urbano do Brasil, segundo a prefeitura da capital.
Quem irá decidir se o Mosteiro de São Bento passará ou não por uma escavação arqueológica é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que ainda não se manifestou sobre o assunto. Em nota à Marco Zero, a instituição afirmou, na semana passada, que, até aquele momento, não havia sido ainda oficialmente informado pela empresa de arqueologia responsável pelas escavações sobre eventuais achados no local.
“Tão logo o relatório arqueológico seja protocolado, a equipe técnica do Iphan procederá à sua análise”, disse a nota. A reportagem apurou que o relatório foi protocolado nesta segunda-feira, 28 de julho.
Segundo a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), responsável pelas obras e notificada sobre os achados, os itens encontrados serão acondicionados no Laboratório de Arqueologia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).
Com os dados atuais, ainda não é possível extrair muitas informações. Por enquanto, já se sabe quais ossos são do lado esquerdo ou direito do corpo e que não há restos mortais de crianças.
Como antigamente não existiam cemitérios como os que conhecemos hoje, os sepultamentos eram realizados no entorno das igrejas — quem tinha mais condições financeiras era levado para ser sepultado no interior dos templos. Essa prática se deu até meados de 1835, período em que o Cemitério de Nossa Senhora do Guadalupe foi construído.
A reforma do Mosteiro de São Bento foi anunciada em outubro do ano passado. As obras visam restaurar os bens artísticos e integrados da igreja do mosteiro, além de consolidar e estabilizar suas fundações. Realizada pelo Governo de Pernambuco por meio da Fundarpe, a restauração conta com um investimento de R$ 15,3 milhões disponibilizados pelo Iphan por meio do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC).
A obra de restauração inclui intervenções na nave, sacristia, coro e na capela-mor. Além disso, as capelas do Santíssimo e abacial, e a sala capitular do Mosteiro de São Bento também serão restauradas. Na obra civil, serão realizados serviços de drenagem e consolidação das fundações, subcobertura e implantação do sistema de prevenção e combate a incêndio.
A edificação é a segunda instalação beneditina em terras brasileiras. Construído a partir de 1586, o mosteiro foi reconstruído a partir de 1654, no estilo Barroco. O mosteiro foi tombado pelo Iphan em 1938. O edifício é parte essencial da herança histórica de Olinda, reconhecida como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Unesco, em 1982.
O relatório arqueológico, que é público, foi feito entre maio e junho deste ano pela empresa LB Arqueologia, contratada pela Multiset, a licitada responsável por tocar as obras civis do mosteiro. A MZ tentou contato com a Multiset, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
No documento, a LB Arqueologia afirma que todo o material encontrado foi devidamente acondicionado, higienizado, catalogado e analisado. Ainda de acordo com o relatório, a empresa recomenda que sejam feitas futuras intervenções devido ao alto potencial arqueológico do loca, evitando assim mais perdas de contexto arqueológico e danos aos remanescentes ósseos e outros vestígios
O Iphan pode decidir, por exemplo, realizar uma prospecção arqueológica, uma mudança de traçado do projeto para que o patrimônio arqueológico continue no mesmo local ou que a engenharia use outras tecnologias menos invasivas.
Os vestígios ósseos foram encontrados a uma profundidade entre 1,10 e 1,20 metro, em uma camada de sedimento mais escuro, com presença de conchas e fragmentos de cerâmica. Possivelmente as pessoas sepultadas no pátio externo do mosteiro não estavam ligadas diretamente à ordem beneditina, uma vez que monges e religiosos geralmente eram enterrados no claustro ou pátio interno.
Em nota enviada na semana passada, a Fundarpe informou que “o acompanhamento arqueológico está portariado junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e seguindo as devidas normativas que tratam do Patrimônio arqueológico”. Disse ainda que “no momento, esses achados arqueológicos estão em análise, com relatório sendo produzido, e em breve estará disponibilizado para consulta pública”.
“A Fundarpe esclarece que a obra civil no Mosteiro de São Bento não está paralisada, tendo sido suspenso apenas o serviço de execução de dreno profundo das áreas externas, em decorrência do período de chuvas, com previsão de ser retomado já no mês de agosto deste ano”, concluiu a nota.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornais de bairro do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com