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Ossos humanos, louças e cerâmicas são encontrados em reforma do Mosteiro de São Bento, em Olinda

Raíssa Ebrahim / 30/07/2025
A imagem aérea mostra o Mosteiro de São Bento de Olinda, em Pernambuco, visto de frente e ao alto. O conjunto arquitetônico tem estilo colonial, com paredes brancas e telhado de telhas cerâmicas. À esquerda está o edifício do mosteiro, longo e retangular, e ao centro a igreja, com fachada ornamentada e uma torre com sino à direita. Em frente ao prédio, há um pátio de pedra com canteiros e uma área em obras: escavações arqueológicas estão em andamento, com valas abertas, montes de terra e um contêiner azul usado como apoio. Ao redor, há vegetação abundante, incluindo coqueiros e árvores frondosas. Ao fundo, vê-se o mar e parte da costa urbana de Olinda, compondo uma paisagem histórica e natural integrada.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Fragmentos de ossos humanos — incluindo parte de um crânio — e de animal, além de vidros, louças, cerâmicas e metais foram encontrados durante as obras da parte externa da restauração do Mosteiro de São Bento, em Olinda, na Região Metropolitana do Recife. Por enquanto, foram identificados, na área onde funciona o estacionamento do mosteiro, 43 fragmentos ósseos, sendo 42 de humanos e um bovino, alguns associados a sepultamentos antigos. Mas esse número pode ser bem maior. 

Para conseguir traçar algum perfil dos achados e dizer a quem pertenciam, seria necessário que uma escavação arqueológica identificasse mais indivíduos e mais material, como aconteceu, em 2022, na Comunidade do Pilar, no Bairro do Recife. Com mais de 100 ossadas humanas e mais de 40 mil fragmentos de objetos diversos, o local é considerado o maior achado arqueológico urbano do Brasil, segundo a prefeitura da capital.

Quem irá decidir se o Mosteiro de São Bento passará ou não por uma escavação arqueológica é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que ainda não se manifestou sobre o assunto. Em nota à Marco Zero, a instituição afirmou, na semana passada, que, até aquele momento, não havia sido ainda oficialmente informado pela empresa de arqueologia responsável pelas escavações sobre eventuais achados no local.

“Tão logo o relatório arqueológico seja protocolado, a equipe técnica do Iphan procederá à sua análise”, disse a nota. A reportagem apurou que o relatório foi protocolado nesta segunda-feira, 28 de julho.

Segundo a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), responsável pelas obras e notificada sobre os achados, os itens encontrados serão acondicionados no Laboratório de Arqueologia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

Com os dados atuais, ainda não é possível extrair muitas informações. Por enquanto, já se sabe quais ossos são do lado esquerdo ou direito do corpo e que não há restos mortais de crianças.

Como antigamente não existiam cemitérios como os que conhecemos hoje, os sepultamentos eram realizados no entorno das igrejas — quem tinha mais condições financeiras era levado para ser sepultado no interior dos templos. Essa prática se deu até meados de 1835, período em que o Cemitério de Nossa Senhora do Guadalupe foi construído.

A reforma do Mosteiro de São Bento foi anunciada em outubro do ano passado. As obras visam restaurar os bens artísticos e integrados da igreja do mosteiro, além de consolidar e estabilizar suas fundações. Realizada pelo Governo de Pernambuco por meio da Fundarpe, a restauração conta com um investimento de R$ 15,3 milhões disponibilizados pelo Iphan por meio do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC).

Imagem aérea mostra um sítio de escavação arqueológica em um terreno parcialmente calçado com pedras. No centro da imagem, há uma grande vala escavada no solo, com formato alongado e irregular, revelando camadas de terra. À esquerda e à direita da escavação, há montes de terra e materiais de construção. Um barracão azul-claro com telhado de zinco está localizado no canto superior direito da imagem. Há também plantas e flores ao redor do espaço, indicando que o local escavado antes era um jardim ou pátio. Alguns materiais estão cobertos por lonas e redes de proteção, sugerindo cuidados com a preservação

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
A imagem mostra a fachada do Mosteiro de São Bento de Olinda, em Pernambuco, em um dia ensolarado, com céu azul e poucas nuvens. O edifício histórico tem arquitetura colonial, com paredes brancas, detalhes em pedra escura e um telhado de barro. No centro, destaca-se a igreja com uma torre à direita e uma fachada ricamente ornamentada, incluindo uma grande cruz no topo. À frente do mosteiro, há uma área cercada onde ocorrem escavações arqueológicas. No canteiro, vê-se um contêiner azul, lonas, placas informativas e banners com logotipos de instituições ligadas ao projeto de pesquisa e preservação. Ao redor, há árvores e vegetação típica do clima tropical.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

A obra de restauração inclui intervenções na nave, sacristia, coro e na capela-mor. Além disso, as capelas do Santíssimo e abacial, e a sala capitular do Mosteiro de São Bento também serão restauradas. Na obra civil, serão realizados serviços de drenagem e consolidação das fundações, subcobertura e implantação do sistema de prevenção e combate a incêndio.

A edificação é a segunda instalação beneditina em terras brasileiras. Construído a partir de 1586, o mosteiro foi reconstruído a partir de 1654, no estilo Barroco. O mosteiro foi tombado pelo Iphan em 1938. O edifício é parte essencial da herança histórica de Olinda, reconhecida como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Unesco, em 1982.

Relatório recomenda intervenções

O relatório arqueológico, que é público, foi feito entre maio e junho deste ano pela empresa LB Arqueologia, contratada pela Multiset, a licitada responsável por tocar as obras civis do mosteiro. A MZ tentou contato com a Multiset, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

No documento, a LB Arqueologia afirma que todo o material encontrado foi devidamente acondicionado, higienizado, catalogado e analisado. Ainda de acordo com o relatório, a empresa recomenda que sejam feitas futuras intervenções devido ao alto potencial arqueológico do loca, evitando assim mais perdas de contexto arqueológico e danos aos remanescentes ósseos e outros vestígios

O Iphan pode decidir, por exemplo, realizar uma prospecção arqueológica, uma mudança de traçado do projeto para que o patrimônio arqueológico continue no mesmo local ou que a engenharia use outras tecnologias menos invasivas.

Um homem, usando máscara, óculos e luvas de látex, trabalha cuidadosamente com uma ferramenta fina sobre um pequeno osso. Ele está sentado à mesa de um laboratório, concentrado na tarefa de limpeza ou análise do material. Sobre a mesa clara, há vários fragmentos de ossos humanos, incluindo pelo menos quatro calotas cranianas (parte superior do crânio), dispostas sobre sacos plásticos transparentes. O ambiente tem paredes em tom rosa claro. No canto superior esquerdo da imagem, há o logotipo “LB Arqueologia”, sugerindo que se trata de um trabalho científico ou arqueológico com restos mortais antigos. No canto inferior direito, aparece uma sequência de números e letras, possivelmente uma referência de localização ou catalogação.

Crédito: Relatório LB Arqueologia
Em um fundo preto, há um pequeno osso claro, possivelmente uma falange (osso do dedo), posicionado horizontalmente no centro da imagem. Sobre o osso, está escrita a identificação TSD-M1 com tinta escura. Abaixo dele, há uma escala métrica com quadrados pretos e brancos alternados, usada para indicar o tamanho real do objeto. No canto superior esquerdo, há um logotipo com fundo marrom e os dizeres “LB Arqueologia”. A imagem tem aparência técnica e científica, indicando que o osso foi catalogado para fins de estudo arqueológico.

Crédito: Relatório LB Arqueologia

Os vestígios ósseos foram encontrados a uma profundidade entre 1,10 e 1,20 metro, em uma camada de sedimento mais escuro, com presença de conchas e fragmentos de cerâmica. Possivelmente as pessoas sepultadas no pátio externo do mosteiro não estavam ligadas diretamente à ordem beneditina, uma vez que monges e religiosos geralmente eram enterrados no claustro ou pátio interno.

Em nota enviada na semana passada, a Fundarpe informou que “o acompanhamento arqueológico está portariado junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e seguindo as devidas normativas que tratam do Patrimônio arqueológico”. Disse ainda que “no momento, esses achados arqueológicos estão em análise, com relatório sendo produzido, e em breve estará disponibilizado para consulta pública”.

“A Fundarpe esclarece que a obra civil no Mosteiro de São Bento não está paralisada, tendo sido suspenso apenas o serviço de execução de dreno profundo das áreas externas, em decorrência do período de chuvas, com previsão de ser retomado já no mês de agosto deste ano”, concluiu a nota.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornais de bairro do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com