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Crédito: Ascom/Alepe
por Lívia Batista e Paulo Malvezzi, publicada originalmente pela Agência Diadorim e Gênero e Número
A ascensão do bolsonarismo nos últimos quatro anos resultou em um aumento significativo de ataques à população LGBTQIA+, impulsionados sobretudo por parlamentares apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De janeiro 2019 a junho de 2022, por exemplo, deputados estaduais de todo o Brasil apresentaram aproximadamente 120 projetos de lei que afetam negativamente esse grupo. No entanto, mesmo diante desse cenário hostil, um movimento progressista tem resistido e se manifestado nos plenários do Brasil.
Em um espécie de contra-ataque aos colegas conservadores, desde 2019, deputados estaduais apresentaram 209 projetos de lei em defesa de direitos da população LGBTQIA+. Quase um por semana ou quase quatro por mês. O número é de um levantamento inédito realizado pela Diadorim, com base em dados das assembleias legislativas dos 26 estados e do Distrito Federal. A pesquisa registrou dados de 1º de janeiro de 2019 a 5 de junho de 2023 e o resultado é publicado nesta série de reportagem da agência.
Dessas 209 leis pró-LGBTQIA+ apresentadas, 25 já foram aprovadas. A primeira delas, de autoria do deputado distrital Fábio Félix (PSOL-DF) — proposto em 26 de fevereiro de 2019 e aprovado em 25 de junho daquele mesmo ano —, instituiu conteúdos dirigidos à população LGBT na programação do Dia de Prevenção ao Suicídio do Distrito Federal. A lei foi sancionada em 8 de agosto de 2019 pelo governador Ibaneis Rocha (MDB).
O projeto aprovado mais recentemente foi no Acre, proposto em julho de 2022 e aprovado no mês seguinte, é de autoria de Neném Almeida (à época, Podemos; hoje sem partido). Ele proíbe que cargos de livre nomeação e exoneração sejam ocupados por pessoas que tenham sido condenadas pelos crimes de raça, cor, homofobia ou violência doméstica e familiar contra a mulher.
A maior parte dos projetos aprovados — seis, ao todo — é voltada à instituição de datas celebrativas ou de enfrentamento à LGBTfobia. Há também quatro leis que estabelecem penalidades administrativas para pessoas e estabelecimentos em casos de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Os projetos se assemelham à lei de São Paulo, em vigor desde 2001, que prevê advertências, multas e até cassação de alvará de funcionamento em caso de crimes deste tipo.
A implementação de mecanismos de coleta de dados, a formulação de políticas públicas, medidas simbólicas (como nomear unidade de saúde em homenagem a militantes ou pessoas LGBTQIA+) e a garantia do uso de nome social acumulam cada um três leis aprovadas. Neste último caso, há uma lei pioneira do Distrito Federal, também do psolista Fábio Félix, que garante o respeito ao uso do nome social nas lápides e atestados de óbito de travestis, mulheres transexuais, homens transexuais e demais pessoas trans.
Houve também dois projetos de criação de conselhos estaduais, além de uma única lei aprovada na área de esporte, no Amapá, apresentada pela deputada estadual Cristina Almeida (PSB), que instituiu infrações administrativas por atos de racismo e LGBTfobia nos equipamentos esportivos.
Para o antropólogo Lucas Bulgarelli, o perfil de leis aprovadas na legislatura anterior, de 2019 a 2022, reflete uma estratégia parlamentar de evitar confronto com conservadores ao abordar temas relacionados à população LGBTQIA+. Ele é pesquisador-diretor do Instituto Matizes, ONG que trabalha na pesquisa e educação sobre equidade, diversidade, inclusão e direitos humanos.
“Esses projetos de lei voltados à criação de datas, à criação de medidas simbólicas, são bem paradigmáticos, no sentido de que algumas assembleias legislativas têm dificuldade em conseguir emplacar projetos que toquem em temas mais sensíveis à população LGBTQIA+”, explica.
Dos 209 projetos de leis pró-LGBTQIA+ apresentados em cerca de quatro anos e meio, 44 foram arquivados — entre eles, seis tratavam de punições administrativas em casos de LGBTfobia e outros seis de enfrentamento à violência.
No Rio de Janeiro, por exemplo, arquivaram-se dois PLs que tratavam da violência contra lésbicas, gays, bissexuais, trangêneros e intersexo. Justamente o estado que aparece com frequência entre os cinco mais violentos para a população LGBTQIA+ — em 2022, compôs o quinteto tanto no dossiê de assassinatos publicado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) quanto no relatório do Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+ no Brasil.
O alto número de arquivamento de projetos de lei nessas áreas, acredita Bulgarelli, mostra “uma certa dificuldade que a gente ainda encontra em relação ao respeito à decisão do Supremo Tribunal que criminalizou LGBTfobia”, em 2019.
Há dois anos, o Matizes realizou uma pesquisa na qual constatou 34 barreiras que impedem isso. “São gargalos de várias ordens: tanto gargalos mais estruturais, como também gargalos que retomam procedimentos administrativos”, lembra o antropólogo. Há dificuldade, por exemplo, de padronização de boletins de ocorrência e das informações das secretarias de segurança pública em relação à violência contra a população LGBTQIA+.
Outros 140 leis pró-LGBTQIA+ apresentadas ainda estão em tramitação nas assembleias do país. Eles aguardam apreciação e possíveis modificações.
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