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PE é o único estado que não informa idade das vítimas de violência sexual

Giovanna Carneiro / 21/08/2024
A imagem mostra uma cena de protesto à noite. Há várias pessoas segurando cartazes, com um cartaz em primeiro plano que é mais visível que os outros. Este cartaz tem uma mensagem escrita em português: “Não toleraremos estupradores.” A iluminação é fraca e os rostos das pessoas não estão claramente visíveis. A presença de vários cartazes sugere que esta é uma manifestação por uma causa social, especificamente contra a violência sexual.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

O Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, divulgado no dia 13 de agosto pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), revelou que, nos últimos três anos, 164.199 crianças e adolescentes foram vítimas de estupro no país. Como o documento reúne dados enviados pelas secretarias estaduais de Segurança e/ou Defesa Social, também expôs deficiências dos bancos de dados dos estados.

E uma informação que consta no levantamento chama atenção para Pernambuco: nos anos de 2021 e 2022 o estado não repassou os dados de idade das vítimas de violência sexual, o que impediu que o estado fosse incorporado no total nacional e no cálculo da variação dos anos 2021 a 2023, realizado pelo levantamento.

Entre as recomendações que o Panorama apresenta para prevenir os atos de violência contra crianças e adolescentes estão a melhoria nos registros dos casos, investimento em monitoramento e na geração de evidências.

“É necessário avançar no registro de informações sobre os casos, de forma que seja possível melhorar a compreensão da relação entre autores e vítimas e a compreensão da presença de outros marcadores, como a deficiência. Também é preciso avançar no monitoramento ágil e constante das informações, de forma que seja possível identificar mudanças de tendências e investir em intervenções de forma mais ágil”, indica o documento conjunto do Unicef e do FBSP.

A coordenadora do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), Deila Martins, fala sobre a dificuldade em ter acesso aos dados sobre violência sexual em Pernambuco, sobretudo no que diz respeito a idade das vítima: “Tem uma aba no site da SDS [Secretaria de Defesa Social] com dados de crimes violentos, letais e intencionais e outros crimes, que é uma aba chamadaviolência doméstica e familiar contra a mulher‘. Nessa aba, a gente encontra nos crimes relacionados, os crimes sexuais, mas apenas na categoria de estupro. E nessa categoria, afirma que, só neste ano, houve mil 1.415 vítimas e quase 70% delas eram crianças e adolescentes. Então, nos dados mais gerais sobre abuso sexual, Pernambuco traz apenas um recorte relacionado ao estupro. E nesse recorte, a gente consegue observar a idade da vítima apenas nessa categoria de estupro. A outra categoria relacionada nessa aba, que está disponível pela SDS, é a violência doméstica e familiar, e nela a gente não consegue observar, dos dados disponíveis, se é uma situação de abuso, se tem algo relacionado à exploração sexual”.

“A gente precisa de transparência, não só na categorização dos crimes relacionados às questões sexuais, mas também de idade, de gênero, de raça e cor das vítimas. Além disso, não é fácil acessar esses dados, porque eles estão dentro de uma aba relacionada aos crimes contra as mulheres, então você precisa entrar nessa aba entendendo que violência doméstica não necessariamente é só a violência sexual e parece ser um dado que está só relacionado a mulheres adultas, que traz apenas um pequeno recorte sobre criança e adolescente”, concluiu Martins.

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Segundo dados da SDS-PE, de janeiro a julho de 2024, 1.415 pessoas foram vítimas de estupro. Dos casos, 257 aconteceram na capital, 360 na Região Metropolitana e 798 no interior.

Entramos em contato com a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco para ter acesso a dados mais detalhados sobre as vítimas de violência sexual no estado e questionamos o motivo das informações de idade simples não serem compartilhadas com a Unicef, mas até o fechamento desta reportagem não obtivemos retorno.

No site da SDS-PE é possível ter acesso a uma planilha com microdados da violência doméstica, com dados de 2015 a 2024. No documento, as violências são divididas e contabilizadas dentro das seguintes categorias: lesão corporal; dano; ameaça, calúnia; injúria; vias de fatos; difamação; perturbação do sossego; perseguição; estupro; constrangimento ilegal; e outros crimes. Na planilha, constam ainda o município, a data do crime, o sexo da vítima e uma estimativa de idade da mesma, que é enquadrada no intervalo mais próximos da idade cronológica da vítima. O mesmo ocorre na planilha com microdados das vítimas de estupro.

Ainda de acordo com os dados do site da secretaria, em 2023, 52.090 mulheres foram vítimas de violência doméstica e familiar. Em 2022, foram 44.431 vítimas, e em 2021, 41.573. Ou seja, há um aumento frequente na série dos últimos anos, que acompanha uma tendência de crescimento nacional, como mostra o panorama nacional elaborado pela Unicef.

A tabela mostra a taxa de estupros de crianças e adolescentes no Brasil, dividida por estados e faixas etárias, entre 2022 e 2023. Cada linha representa um estado brasileiro e cada coluna, uma faixa etária (0 a 4 anos, 5 a 9 anos, 10 a 14 anos, e 15 a 19 anos). Os números indicam a quantidade de casos registrados em cada faixa etária por estado. Há uma nota indicando que algumas informações podem não estar disponíveis.

Percentual de vítimas de estupro por idade, taxa por 100 mil habitantes na faixa etária

Crédito: Unicef / FBSP


Para Natália Cordeiro, educadora do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, ter acesso aos dados que não são disponibilizados pelo Governo de Pernambuco é fundamental para traçar estratégias que protejam as crianças e adolescentes. “Nos últimos anos nós vimos o fundamentalismo crescendo muito. Essa conjuntura pode dizer muito sobre esse aumento de violência doméstica e familiar porque quando o fundamentalismo se enraíza com tanta força acarreta em ocupação dessas pessoas conservadoras nos mecanismos de proteção de crianças e adolescentes, como os Conselhos Tutelares. Estamos em um contexto onde vemos uma contraofensiva do fundamentalismo sobre as pautas feministas de luta pela proteção de meninas e mulheres”, explicou.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.