Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
O Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, divulgado no dia 13 de agosto pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), revelou que, nos últimos três anos, 164.199 crianças e adolescentes foram vítimas de estupro no país. Como o documento reúne dados enviados pelas secretarias estaduais de Segurança e/ou Defesa Social, também expôs deficiências dos bancos de dados dos estados.
E uma informação que consta no levantamento chama atenção para Pernambuco: nos anos de 2021 e 2022 o estado não repassou os dados de idade das vítimas de violência sexual, o que impediu que o estado fosse incorporado no total nacional e no cálculo da variação dos anos 2021 a 2023, realizado pelo levantamento.
Entre as recomendações que o Panorama apresenta para prevenir os atos de violência contra crianças e adolescentes estão a melhoria nos registros dos casos, investimento em monitoramento e na geração de evidências.
“É necessário avançar no registro de informações sobre os casos, de forma que seja possível melhorar a compreensão da relação entre autores e vítimas e a compreensão da presença de outros marcadores, como a deficiência. Também é preciso avançar no monitoramento ágil e constante das informações, de forma que seja possível identificar mudanças de tendências e investir em intervenções de forma mais ágil”, indica o documento conjunto do Unicef e do FBSP.
A coordenadora do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), Deila Martins, fala sobre a dificuldade em ter acesso aos dados sobre violência sexual em Pernambuco, sobretudo no que diz respeito a idade das vítima: “Tem uma aba no site da SDS [Secretaria de Defesa Social] com dados de crimes violentos, letais e intencionais e outros crimes, que é uma aba chamada ‘violência doméstica e familiar contra a mulher‘. Nessa aba, a gente encontra nos crimes relacionados, os crimes sexuais, mas apenas na categoria de estupro. E nessa categoria, afirma que, só neste ano, houve mil 1.415 vítimas e quase 70% delas eram crianças e adolescentes. Então, nos dados mais gerais sobre abuso sexual, Pernambuco traz apenas um recorte relacionado ao estupro. E nesse recorte, a gente consegue observar a idade da vítima apenas nessa categoria de estupro. A outra categoria relacionada nessa aba, que está disponível pela SDS, é a violência doméstica e familiar, e nela a gente não consegue observar, dos dados disponíveis, se é uma situação de abuso, se tem algo relacionado à exploração sexual”.
“A gente precisa de transparência, não só na categorização dos crimes relacionados às questões sexuais, mas também de idade, de gênero, de raça e cor das vítimas. Além disso, não é fácil acessar esses dados, porque eles estão dentro de uma aba relacionada aos crimes contra as mulheres, então você precisa entrar nessa aba entendendo que violência doméstica não necessariamente é só a violência sexual e parece ser um dado que está só relacionado a mulheres adultas, que traz apenas um pequeno recorte sobre criança e adolescente”, concluiu Martins.
Segundo dados da SDS-PE, de janeiro a julho de 2024, 1.415 pessoas foram vítimas de estupro. Dos casos, 257 aconteceram na capital, 360 na Região Metropolitana e 798 no interior.
Entramos em contato com a Secretaria de Defesa Social de Pernambuco para ter acesso a dados mais detalhados sobre as vítimas de violência sexual no estado e questionamos o motivo das informações de idade simples não serem compartilhadas com a Unicef, mas até o fechamento desta reportagem não obtivemos retorno.
No site da SDS-PE é possível ter acesso a uma planilha com microdados da violência doméstica, com dados de 2015 a 2024. No documento, as violências são divididas e contabilizadas dentro das seguintes categorias: lesão corporal; dano; ameaça, calúnia; injúria; vias de fatos; difamação; perturbação do sossego; perseguição; estupro; constrangimento ilegal; e outros crimes. Na planilha, constam ainda o município, a data do crime, o sexo da vítima e uma estimativa de idade da mesma, que é enquadrada no intervalo mais próximos da idade cronológica da vítima. O mesmo ocorre na planilha com microdados das vítimas de estupro.
Ainda de acordo com os dados do site da secretaria, em 2023, 52.090 mulheres foram vítimas de violência doméstica e familiar. Em 2022, foram 44.431 vítimas, e em 2021, 41.573. Ou seja, há um aumento frequente na série dos últimos anos, que acompanha uma tendência de crescimento nacional, como mostra o panorama nacional elaborado pela Unicef.
Para Natália Cordeiro, educadora do SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, ter acesso aos dados que não são disponibilizados pelo Governo de Pernambuco é fundamental para traçar estratégias que protejam as crianças e adolescentes. “Nos últimos anos nós vimos o fundamentalismo crescendo muito. Essa conjuntura pode dizer muito sobre esse aumento de violência doméstica e familiar porque quando o fundamentalismo se enraíza com tanta força acarreta em ocupação dessas pessoas conservadoras nos mecanismos de proteção de crianças e adolescentes, como os Conselhos Tutelares. Estamos em um contexto onde vemos uma contraofensiva do fundamentalismo sobre as pautas feministas de luta pela proteção de meninas e mulheres”, explicou.
Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.