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A Praça da República estava completamente cercada por grades no início da noite desta quarta-feira (19). Atrás delas, vinte seguranças guardavam a entrada principal do Palácio do Campo das Princesas para evitar o contato dos manifestantes com o governador Paulo Câmara (PSB) e outras autoridades. Mas nada disso impediu a realização do protesto contra a escalada da violência em Pernambuco, que tirou a vida de 1.522 homens e mulheres nos primeiros três meses deste ano. Um triste recorde nacional.
Cerca de 200 pessoas participaram do evento. Entre elas, Suely e Wilson Araújo, pais da fisioterapeuta Tássia Mirella Sena de Araújo, 28 anos, barbaramente assassinada pelo vizinho Edvan Luiz da Silva na quarta-feira (5). Um crime de feminicídio que expôs a violência de gênero em Pernambuco. Nos primeiros três meses de 2017 foram registrados 497 estupros em todo o estado.
Também estava lá o advogado Ronaldo Jordão. Ele representa a família do jovem Edvaldo da Silva Alves, 21 anos, que faleceu em decorrência de um tiro de bala de borracha desferido à queima-roupa por um policial militar durante manifestação pacífica em Itambé, no dia 17 de março. Edvaldo lutou 25 dias pela vida na UTI, mas não resistiu ao ferimento.
O ato de DESCONFORTO – uma alusão à declaração do governador Paulo Câmara de que a situação está “desconfortável” em Pernambuco com o aumento da violência – fez ecoar em torno do Palácio do Campo das Princesas uma nova versão do Hino de Pernambuco (PERNAMBUCO MORTAL, MORTAL) na voz do artista e cantor Carlos Ferrera, enquanto um grupo de voluntários citava os nomes e contava um pouco da história de algumas das pessoas assassinadas nos últimos três meses.
Um dos momentos mais emocionantes do ato aconteceu quando Isaar França cantou a música A CARNE MAIS BARATA DO MERCADO É A CARNE NEGRA, dançada pelo coletivo de arte negra Carne. Antes do ato, a advogada Liana Cirne Lins, uma das organizadoras do protesto, protocolou na Chefia da Casa Civil do Governo do Estado o Manifesto pela Vida e Pela Segurança Pública. O documento, lido pela advogada durante o ato, afirma que estamos “vivendo uma crise de segurança pública que não tem precedentes”. Lembra o avanço dos assaltos a ônibus no Grande Recife, a precariedade das condições de trabalho e salário das polícias Militar e Civil, mas também o histórico de violência dessas polícias que agem “com seletividade, configurando o chamado racismo institucional”, conclamando que elas passem a fazer parte da solução e não mais do problema.
Lembra também a violência de gênero, como aquela sofrida por Mirella. “Com tantos feminicídios e estupros, o combate à violência não pode ignorar a violência contra a mulher. Uma política de prevenção a essa violência tem que integrar estratégias bem definidas de enfrentamento do machismo”.
O Manifesto pede ao governador mais eficiência no combate aos crimes contra a vida e mais abertura ao diálogo com a sociedade em busca de soluções compartilhadas. “ Respostas melhores. Eficazes. E, especialmente, respostas discutidas, debatidas e formuladas com a participação da sociedade civil e especialistas em fóruns apropriados, e não soluções de maquiagem feitas a portas fechadas em algum gabinete”.
O ato de DESCONFORTO terminou com dezenas de pessoas, em silêncio, deitadas no asfalto com velas e cruzes nas mãos em memória das 1.522 vítimas de assassinatos em Pernambuco em 2017. Todas sob o olhar atento dos 20 seguranças de terno preto que faziam a guarda do Palácio do Campo das Princesas, totalmente cercado por grades.
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República