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Foto: Débora Britto / MZConteúdo
Em 2020, as eleições municipais no estado de Pernambuco têm mais mulheres negras concorrendo aos cargos do legislativo do que há quatro anos. No pleito atual, 668 mulheres pretas e 3.329 pardas estão na disputa e representam, respectivamente, 10% e 49,86% das candidaturas de mulheres no estado.
Os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que o maior aumento se deu entre as mulheres que se autodeclaram pretas: em 2016, foram 440, cerca de 7,34% das mulheres naquela eleição. Entre as pardas, no pleito municipal anterior elas eram 2.893, 48,28% do total de candidatas.
A maioria da população brasileira é de mulheres e, nas eleições de 2018, foi eleita a maior bancada feminina da história no Congresso Nacional, com 84 integrantes. Mesmo assim, esse número representou apenas 15% das cadeiras. Desse percentual, 2% são ocupadas por mulheres negras. Nos municípios não é diferente.
Em 2016, segundo levantamento da Gênero e Número a partir de dados do TSE, as mulheres negras eleitas no país somadas representavam 5%. As pretas mal chegavam a 1% das vereadoras eleitas.
É importante destacar que, de acordo com o TSE, as mulheres podem declarar a cor de acordo com a metodologia do IBGE – portanto, podem optar por se autodeclarar pretas e pardas. É a soma de pretas e pardas que corresponde à estatísticas de negras.
Esse aumento pode ter vários significados. Nenhum deles, no entanto, está distante de uma articulação maior e anterior de movimentos negros e de mulheres negras. Após o assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, em março de 2018, a presença de negras nos espaços de poder se tornou uma pauta da política nacional. Desde as últimas eleições, a ausência das minorias políticas é um tema que não só mobiliza eleitores, como provoca a sociedade a discutir o racismo estrutural e institucional.
Para a ativista Ingrid Farias, a maior presença de negras nas candidaturas e, ela espera, eleitas, é reflexo da maior organização para ocupar o poder por grupos e movimentos negros no Brasil. Ela chama esse processo de “mudanças da estética política” brasileira. “Temos nos últimos seis anos o fortalecimento da estética negra brasileira. O debate, por exemplo, da identidade racial no Brasil foi muito feito a partir da transição capilar de mulheres. Foi e tem sido fundamental para localizar essas mulheres numa cultura de se reconheceram, olharem para suas trajetórias, reconhecerem seus antepassados. Isso fortaleceu e fez com que muitas mulheres, como eu também, que se consideravam pardas e não se viam negras, se entendessem como negras. Eu vi isso acontecer com várias companheiras politizadas, feministas, mas que simplesmente não entendiam como o apagamento da identidade racial agia, mesmo dentro de espaços políticos”, explica.
Para ela, desde 2014, com a inserção de mais mulheres negras na política e a grande visibilidade que os mandatos delas tiveram, uma chave virou na percepção de eleitores e eleitoras. Primeiro, que mulheres negras podem ser eleitas para cargos políticos e, em segundo lugar, que é preciso ter mais delas nesses locais. “Tem um mapa de organizações negras no Brasil. Há milhares de organizações negras a mais do que 2014. As pessoas se perceberam negras e que ser negra tem um significado”, diz.
Em 2020, dentre diversas ações, duas iniciativas da sociedade civil organizada propõem dialogar com a sociedade sobre a importância de eleger pessoas negras, especialmente mulheres, com foco no Nordeste. A campanha Eu Voto em Negra e o Enegrecer a Política nasceram com essa missão.
Ingrid Farias faz parte do Enegrecer a Política, movimento que pretende influenciar o contexto das eleições chamando atenção para a desigualdade de representação de pessoas negras na polícia institucional. Além disso, pretendem lançar um dossiê que fala sobre a participação de pessoas negras nas eleições de 2016. A iniciativa já está organizando um encontro nacional de candidaturas negras e tem realizado debates nas periferias sobre eleições.
Com foco na eleição de mulheres negras, a campanha Eu Voto Negra atua em Pernambuco e no Nordeste, e se dedica a fortalecer as candidaturas de mulheres que não vieram das tradicionais famílias de políticos nordestinos. Os desafios para elas são inúmeros, desde o financiamento de campanha até o dia do voto nas urnas. Mas Rosa Marques, socióloga e integrante da Rede de Mulheres Negras, acredita que há um avanço na população negra que, agora, compreende melhor a necessidade de ter representantes comprometidos com suas pautas.”A gente sabe que o IBGE já afirma em suas pesquisas que a população negra é de 56,2%, enquanto a população branca de 47,7%, mas até hoje quem se encontra nos processos de representatividade nesse país, seja na câmara de vereadores, seja no Senado e Câmara de Deputados são homens brancos, de classe média alta, de famílias historicamente oligárquicas”, argumenta.
Ela critica o modo como, em Pernambuco, essa mesma lógica se repete e reproduz. “É como aqui em Pernambuco, onde famílias têm o parlamento, a vereança como profissão, como carreira porque é algo que passa de pai para filho. Às vezes, o menino tem 5 anos, mas está sendo pensado para assumir a próxima eleição, seja qual for o cargo, independente da sua experiência, do que ele fez para sua cidade. Mais importante é seguir a carreira porque se manter no poder ajuda a controlar a economia do país. São essas criaturas que definem quem deve e quem não deve estar em condições de existência, a grosso modo”.
Segundo Rosa analisa, o aumento de candidaturas de pessoas negras é tanto um avanço como algo que acende um alerta. “É um avanço porque a população negra acordou e sabe que é preciso falar por elas mesmas. Para mim é positivo, mas ao mesmo tempo é inquietante porque essas pessoas negras que estão candidatas atualmente não vão ter os mesmos recursos que pessoas brancas têm, não vão ter o mesmo apoio do partido que as pessoas brancas recebem, não vão ter condições financeiras para colocar sua campanha na rua”, afirma.
Apesar disso, outras estratégias existem e estão muito próximas do que as mulheres negras candidatas já fazem, afirma Rosa. “Elas vão fazer o que sempre fizeram nas suas comunidades, dialogar tete a tete. E que bom que não tem o que oferecer em troca do seu voto, algo que é uma prática equivocada que nós temos aqui”, diz. A construção da política de uma forma diferente da praticada por partidos e oligarquias é o forte das candidaturas de mulheres negras.
A campanha é realizada pela Rede de Mulheres Negras, Casa da Mulher do Nordeste, Centro das Mulheres do Cabo, Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste e faz parte do projeto Mulheres Negras e Democracia, que teve início em 2019 e mapeou cerca de 80 pré-candidatas negras de dezenas de municípios do Nordeste. Além disso, o projeto realizou formações para qualificar as campanhas das pré-candidatas.
Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.