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Pescadoras e pescadores levam desespero da fome à Assembleia Legislativa e ao Palácio do Governo

Raíssa Ebrahim / 04/12/2019

Fotos: Raíssa Ebrahim/MZ Conteúdo

“Nós não somos miseráveis, somos trabalhadoras. Nossa luta é pelo
reconhecimento, pela vida, pela sustentabilidade e pelo território. É
uma vergonha uma mulher que só fez até a quarta série vir aqui numa
plenária educar esses homens de anel nos dedos”. Os trechos da fala e as
lágrimas de Ângela Vicente, pescadora de Goiana, Região Metropolitana
do Recife, resumem a situação de desamparo de homens e mulheres das
águas. A categoria, que há décadas luta por direitos, está no limite da
fome e da espera.

Cerca de 30 mil trabalhadoras e trabalhadores locais têm visto a
única fonte de renda, fruto da tradição pesqueira, ser ameaçada enquanto
o crime socioambiental do petróleo segue impune, o governo Bolsonaro
age na lentidão com medidas insuficientes e oGoverno do Estado aposta no
jogo do empurra culpabilizando as instâncias federais.

A audiência pública “O impacto do derramamento de petróleo no meio
ambiente, saúde e na economia dos pescadores e pescadoras artesanais de
Pernambuco” lotou a Assembleia Legislativa do Estado nesta terça-feira
(3) – assista aqui
a gravação completa. A voz que ecoou foi sobretudo a das mulheres, que
muitas vezes garantem as contas pagas e a comida na mesa. Elas são as
principais vítimas do que parece um paradoxo, mas é a realidade: o
impacto social e econômico chegou mais forte onde o petróleo não chegou.

Isso porque a Medida Provisória anunciada na semana passada
pela Presidência da República contempla apenas quem reside nos
municípios diretamente atingidos, segundo a lista do Ibama, e possui o
Registro Geral da Pesca, que não é atualizado desde 2012. Em Pernambuco,
das 30 mil pessoas que trabalham com pesca artesanal, pouco mais de 4 mil terão direito,
segundo atualização federal do dia 29 de novembro. O número é menor do
que os 8 mil divulgados inicialmente, com base em relatório do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Isso significa que o
governo, em vez de ampliar o auxílio, está cortando. No Brasil inteiro,
a lista de 159 mil pescadoras e pescadores caiu para 65 mil por causa
da atualização.

Na prática, a MP que legaliza o pagamento de R$ 1.996, em duas parcelas, não beneficia mulheres pescadoras marisqueiras, ostreiros e jovens de lugares como Itapissuma, no litoral Norte, que não registrou presença do petróleo. Apesar de não ter sido atingida, a terra da caldeirada e da ostra também não tem conseguido escoar seus produtos porque ninguém quer comprar.

“Ninguém quer comprar nosso pescado, como sobreviveremos?”, questiona
a faixa do Movimento dos Pescadores. O pior é que, sem ter o que comer,
porque não há renda, as famílias que foram expostas ao petróleo
continuam se alimentando do que pescam num cenário de insegurança
alimentar sem que haja sequer um monitoramento de saúde pública
coletiva.

“Não estamos vendendo nada. Já está faltando pão na mesa e estamos
consumindo peixe, marisco e crustáceo que sabemos que estão envenenados,
mas não vamos passar fome. Não estamos aqui pedindo favor, não somos
coitadinhas nem coitadinhos. Pedimos direitos. Vamos fazer esse governo
ver que o povo unido jamais será vencido”, comentou Joana Mousinho, de
Itapissuma, representando a Articulação Nacional das Pescadoras.

Entre a pauta de reivindicação (veja a lista completa mais abaixo), ela exigiu respostas para duas perguntas essenciais: por que o governo estadual não decretou situação de emergência e por que pescadoras e pescadores não foram chamados para compor o Comitê de Crise do Litoral de Pernambuco. “Nós queremos as respostas da Secretaria de Meio Ambiente porque o que vemos aqui são os governos federal e estadual omissos”, questionou Joana.

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O jogo de empurra do Governo do Estado

O secretário estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, José
Bertotti, não compareceu à audiência porque, segundo sua assessoria de
imprensa, o convite chegou muito em cima da hora, na segunda (2) pela
manhã. Quem representou a pasta foi a secretária-executiva, Inamara
Melo. Ela alegou que a decretação de emergência foi amplamente
discutida, assim como os impactos econômicos e as repercussões da
medida, e disse que não havia segurança da chegada de recursos caso a
emergência fosse decretada. “Toda a cadeia seria impactada e quem iria
sofrer seriam os que têm menos dinheiro”, argumentou.

A defesa do executivo estadual foi dizer que cobrou a ativação do
Plano Nacional de Contingência desde o início, que vem alertando o
governo federal sobre a insuficiência do auxílio anunciado e já dialogou
com representantes no Congresso para acelerar emendas à MP. Segundo
Inamara, o Governo de Pernambuco já tem em mãos um cadastro de cerca de
11 mil pescadoras e pescadores, feito por colônias e associações. A fala
de Inamara foi duramente criticada, inclusive com o argumento, por
parte de pescadoras e pescadores, deque o lobby do turismo falou mais
alto.

“Independente se o governo vai ou não decretar situação de emergência para afetar a economia pesqueira, ela já está afetada, ela estagnou, está bloqueada e afetada diretamente pelo vazamento do petróleo”, explicou o professor e pesquisador do Departamento de Sociologia da UFPE Cristiano Ramalho. “A economia parou em muitos municípios, então não é uma justificativa plausível do ponto de vista científico”, retrucou. Cristiano apresentou números que comprovam a situação, com base num estudo realizado entre 24 de outubro e 16 de novembro.

Os dados mostram que a economia pesqueira parou, em áreas atingidas
ou não, especialmente para produtos como marisco, sururu, ostra e
caranguejo. O impacto foi de, no mínimo, 90% no período levantado.
Famílias deixaram de ir para a maré e até produtos pescados em alto mar
sofreram impacto de mais de 70%. Nem a venda do salmão, importado do
Chile, escapou, teve queda entre 50% e 60%.

Recentemente uma pesquisa feita na Ilha de Deus, um dos 10 territórios pesqueiros do Recife, mostrou que somente lá a pesca movimenta por ano R$ 2,4 milhões. “Se isso não é um dado importante para a economia, então eu não sei o que é importante. Ninguém vai para Porto de Galinhas comer uma picanha ou para Itapissuma comer um churrasco. A economia da pesca move outros setores, incluindo hotelaria, turismo e comércio informal”, ironizou Rodrigo Lima, biólogo da Ação Comunitária Caranguejo Uçá, da Ilha de Deus.

Pescadoras e pescadores exigem respostas concretas

Mobilizado em busca de respostas concretas, o movimento pesqueiro
marchou até o Palácio do Campo das Princesas ao final da audiência para
entregar a pauta de reivindicações e ser atendido na busca de soluções. O
mandato coletivo das Juntas (Psol), que preside a Comissão de Direitos
Humanos da Alepe junto com uma comissão de pescadoras e pescadores foram
recebidas pelo secretário-executivo da Casa Civil, Eduardo Figueiredo, o
assessor da pasta Antônio Limeira e o secretário-executivo de
Desenvolvimento Agrário, Diego Pessoa.

Numa reunião difícil e sem avanços, em que a postura estadual seguiu responsabilizando o Governo Federal, foram entregues a relatoria e as pautas da categoria. Uma nova reunião ficou agendada para o dia 12 de dezembro na esperança de que o governo apresente respostas concretas para cada item pedido.

Confira a pauta completa:

Decretar situação de emergência com base nos riscos ambientais, econômicos e à saúde ocupacional e à segurança alimentar de centenas de pescadores e pescadoras artesanais do Pernambuco, bem como dos consumidores do pescado;

Adotar medidas urgentes no âmbito da saúde dos pescadores e marisqueiras, além de voluntários e crianças que entraram em contato com o Petróleo;

Adotar medidas de monitoramento e ações de reparação dos impactos socioambientais;

Mensurar, a partir das competências estabelecidas para o Comitê Gestor da Pesca Artesanal – CGPesca – SEMAS/PE, os impactos econômicos do incidente de derramamento de Petróleo na cadeia produtiva da pesca artesanal do estado de Pernambuco;

Mensurar ainda, em nível de CGPesca, os impactos socioeconômicos nas atividades de comercialização de pescados das comunidade pesqueiras nos municípios que não receberam diretamente o petróleo;

Estabelecer benefício emergencial ante a situação de vulnerabilidade econômica vivenciada pelos pescadores e pescadoras artesanais após o derramamento de petróleo, especialmente as mulheres pescadoras e os/as jovens que tem na pesca sua principal atividade produtiva, posto que grande parte destes não são beneficiários da recente medida adotada pelo Governo Federal através da MP 908/2019;

Criar e garantir funcionamento do Comitê Permanente de Monitoramento e Ações Estratégica para enfrentamento dos riscos decorrentes do Derramamento de Petróleo no Estado do Pernambuco;

Garantir a participação dos pescadores e pescadoras artesanais no Comitê de Crise do Litoral do Pernambuco para a questão do derramamento do petróleo, bem como em todos os Comitês que tratem da questão no âmbito do Estado do Pernambuco.

Resultado da análise do pescado

O Governo de Pernambuco, por meio do secretário de Desenvolvimento
Agrário, Dilson Peixoto, divulgou nesta terça (3) os primeiros
resultados das análises de pescados e frutos do mar feitas numa parceria
com a UFRPE e a PUC Rio. Duas espécies de peixes apresentaram níveis de
toxicidade equivalente em benzo[a]pireno superiores aos determinados
pela Anvisa: uma amostra de xaréu e uma amostra de sapuruna, ambas
coletadas nas proximidades da Ilha de Itamaracá.

Até o momento, foram analisadas 55 amostras das 94 enviadas
contemplando 13 espécies de peixes, duas espécies de camarão, além de
mariscos, ostras e sururus. Os peixes vieram de cinco localidades do
litoral do estado: Cabo de Santo Agostinho, Canal de Santa Cruz, Ilha de
Itamaracá, Sirinhaém e Tamandaré.

Na avaliação do agente pastoral Severino Santos Bill, é preciso ainda
aguardar o restante das análises de outros tipos de peixes, de siris e
caranguejos. As duas espécies de peixes reprovadas são de baixo poder
comercial e andam em grandes cardumes. Além disso, a maior parte dos
peixes divulgados nessa primeira leva são de hábitos em mar aberto, e
não em áreas estuarinas e de recifes, a exemplo do budião, muito
consumido por comunidades pesqueiras entre Sirinhaém e São José da Coroa
Grande.

Segundo a professora do Departamento de Biologia da UFRPE, Karine Magalhães, que vem coordenando a equipe técnica do grupo de trabalho, serão realizadas novas coletas nas proximidades da Ilha de Itamaracá, local onde foram pescadas as espécies reprovadas. “Como essas áreas apresentavam manchas visíveis de óleo na época da coleta, essa contaminação pode ter sido pontual. Nesse caso, a indicação é voltar a essas localidades, coletar novas amostras para realizar novas análises e avaliar a evolução do quadro”, destacou em nota enviada pela secretaria.

Atualização

A Secretaria deDesenvolvimento Agrário enviou uma nota de
esclarecimento nesta quarta (4) em quediznão haver “qualquer relação
entre a declaração de estado de emergência e o pagamento de auxílios
pecuniários aos pescadores e pescadoras prejudicados pela crise do
óleo”. Como exemplo, citaos Estados da Bahia e de Sergipe, onde o
estado de emergência foi decretado, mas a situação dos pescadores é a
mesmade Pernambuco.

Confira a nota na íntegra:

A Secretaria de Desenvolvimento Agrário de Estado esclarece que
não há qualquer relação entre a declaração de estado de emergência e o
pagamento de auxílios pecuniários aos pescadores e pescadoras
prejudicados pela crise do óleo. Tanto que nos Estados da Bahia e
Sergipe, onde o estado de emergência foi decretado, a situação dos
pescadores é a mesma que em Pernambuco.

Segundo a legislação vigente, toda a regulamentação da atividade
pesqueira é atribuição exclusiva da União e, em casos de acidente, o
que rege as ações emergenciais a serem adotadas é o Plano Nacional de
Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas (PNC), cujo
acionamento é, igualmente, de responsabilidade exclusiva do Governo
Federal.

Entre as ações previstas no PNC, estão desde ações de controle e
mitigação dos danos ao Meio Ambiente ao pagamento de auxílios aos
pescadores, segundo descritos nos parágrafos primeiro e segundo do
Artigo 27 do PNC:

“§ 1º Os custos referentes à requisição dos bens e serviços a que
se refere o caput, apurados pelo Coordenador Operacional, serão
ressarcidos integralmente pelo poluidor.”

“§ 2º Enquanto não identificado o poluidor, os custos relativos
às atividades de resposta e mitigação serão cobertos pelo Poder
Executivo Federal.”

Mesmo com o Plano Nacional de Contingência determinando a
responsabilidade objetiva do Governo Federal, o Governo de Pernambuco
vem trabalhando desde o início dessa crise para minimizar os efeitos do
desastre ambiental que atingiu o Estado, assumindo ações importantes
como:

1 – A destinação adequada das mais de quatro toneladas de óleo recolhidas nas praias

2 – Sobrevoos diários para localização das manchas de óleo

3 – Utilização de embarcações para recolhimento do óleo ainda em alto-mar

4 – Distribuição de EPIs e apoio às Defesas Civis municipais

5 – Análise da qualidade da água das praias atingidas

6 – Análise da segurança alimentar dos pescados do nosso litoral

7 – Criação de um edital, no valor de R$ 2,4 milhões, para
financiar estudos a respeito dos efeitos da contaminação do óleo a
curto, médio e longo prazos

8 – Solicitação formal ao Ministério da Agricultura para ações de amparo aos pescadores prejudicados

9 – Apoio à ação parlamentar para que o cadastro dos beneficiados pelo Auxílio Emergencial Pecuniário seja ampliado

10 – Instalação de barreiras na entrada dos estuários e rios para impedir a entrada das manchas de óleo

Além da participação nas ações na força-tarefa federal para
acompanhamento e monitoramento da crise provocada pelo derramamento de
óleo

A Marco Zero Conteúdo ouviu o Conselho Pastoral dos
Pescadorespara saber qual a avaliação que fazem sobre a nota. Severino
Bill contesta dizendo que“o secretário esqueceu da existência da
Politica Estadual da Pesca Artesanal (Lei 15590/2015),
quando o estado toma para si a responsabilidade de fazer a gestão,
promovendo o ordenamento, o fomento e a fiscalização da pesca artesanal,
com o objetivo de alcançar, de forma sustentável, o desenvolvimento
socioeconômico, cultural e profissional dos que a exercem, de suas
comunidades tradicionais, bem como a conservação e a recuperação dos
ecossistemas aquáticos”. E questiona: “Onde fica o papel do Estado neste
momento atual, diante da política estadual da pesca artesanal versus o
derramamento de petróleo?”

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com