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Pesquisa da Fiocruz encontra mais coronavírus nos terminais de ônibus do Recife do que em hospitais

Maria Carolina Santos / 30/06/2021

Crédito: Grande Recife Consórcio de Transporte

Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco (Fiocruz-PE) ratificou o que os especialistas e o senso comum já diziam: os terminais e os ônibus do Recife são um local de alto risco para a infecção pelo novo coronavírus. Para o estudo, foram colhidas ao todo 400 amostras de superfícies de vários locais e 24,2% vieram com teste positivo para o vírus, um percentual já bem alto. Nas amostras colhidas em corrimões, catracas, banheiros, caixas eletrônicos e bancos de quatro terminais de ônibus do Recife estão os maiores percentuais do estudo: quase metade das amostras (47 de 97/48,4%) deu positiva para o novo coronavírus.

Em segundo lugar com mais amostras positivas ficaram as unidades de saúde (26,8 %), com parques públicos (14,4%), mercados públicos (4,1%), praias (4,1%) e outros lugares (2,2%) na sequência. O único local em que os testes de todas as amostras deram negativo foi em um mercado público. O vírus foi encontrado com maior frequência em superfícies metálicas (46,3%) e plásticas (18,5%).

Os achados desse estudo significam, então, que é possível se infectar com o coronavírus ao tocar em superfícies? A resposta não é simples. Em todas as amostras analisadas, não foi encontrado vírus ativo. “Mas o fato de não encontrarmos vírus ativo não significa que ele não estava ativo antes, naquelas superfícies. Nessa pesquisa nós não fizemos coletas sucessivas, várias vezes ao dia. De cada local foi feita coleta uma única vez”, explica o coordenador do estudo, o pesquisador e virologista Lindomar Pena.

Por ora, as pesquisas apontam que a principal forma de contaminação pelo coronavírus é pelo ar, ao se inalar os vírus, seguida por gotículas, no contato mais próximo entre as pessoas. “Acreditamos nisso também”, diz o pesquisador. “Mas há evidências de que a transmissão do novo coronavírus acontece de forma mais eficiente quando se compartilha não apenas o ar, mas também o ambiente”, explica.

Como a Covid-19 é uma doença que pode matar, há questões éticas que impedem experiências com seres humanos para melhor compreender como ocorre a transmissão do coronavírus. Por isso, não há como dizer, categoricamente, se há ou não como se infectar ao tocar em superfícies. Também não dá para dizer que, se há vírus ativos, é possível se infectar, já que a quantidade de vírus necessária para a infecção ainda não está estabelecida.

“Uma pesquisa feita com furões mostrou que quando os animais estavam no mesmo ambiente houve mais infecções do que quando apenas compartilhavam o mesmo ar. Quando não havia contato com ambiente, a infecção também ocorria, mas de forma menos eficiente. Não temos evidência científica para afirmar que acontece a infecção por fômites (objetos ou superfícies), mas é um fator de risco a mais”, diz Pena.

O que a pesquisa mostra claramente é a quantidade de pessoas contaminadas que circulam pelos terminais e, consequentemente, nos ônibus do Recife. Se esses veículos estão lotados, sem distanciamento e, pior cenário, com janelas fechadas e pessoas sem máscara ou com uso incorreto, estabelecem o ambiente perfeito para a disseminação do vírus: ar e ambiente infectados sendo compartilhados, como no experimento com furões.

Durante a coleta do material, os pesquisadores de campo também fizeram anotações sobre o ambiente. O uso de máscaras teve alta porcentagem, de 94,7%, porém, apenas 57,3% das pessoas usavam a proteção de forma correta. No distanciamento social a adesão foi ainda menor, com apenas 26,3%. Outro dado que mostra como as medidas de mitigação estão desprezadas foi que apenas um dos locais visitados pelos pesquisadores estava com restrição de entrada.

A coleta das amostras do estudo foi feita entre os dias 02 e 25 de fevereiro, quando o Recife iniciava a subida para o segundo pico de casos e óbitos. Entre abril e junho de 2020, um estudo semelhante foi realizado em Belo Horizonte e, por lá, a positividade geral dos testes foi de 5,25%. Bem abaixo dos 24,2% do Recife. “Foi um resultado que nos deixou surpresos”, diz o pesquisador. Entre as razões para essa disparidade, o estudo sugere a diferença do clima entre as capitais e, mais provavelmente, a situação epidemiológica de quando as coletas foram realizadas em cada cidade.

Governo e empresas minimizaram riscos

A pesquisa da Fiocruz-PE é um alerta para os usuários. E um apelo para as autoridades sanitárias: para controlar a pandemia, é preciso novas regras para o transporte público, que desde o início da crise sanitária vem sendo negligenciado como um importante propagador do vírus.

Em janeiro, o secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco Pedro Eurico viralizou com um vídeo, de uma entrevista à Globo Nordeste, em que afirmava que “é preciso deixar bem claro uma questão: o ônibus, por incrível que pareça, não é o maior causador, não é um vetor importante da contaminação”, dizia ele, acrescentando que “a contaminação (acontece) pelo tempo que permanece, e as pessoas ficam pouco tempo no ônibus”.

A declaração foi dada em janeiro, duas semanas antes do início das coletas para a pesquisa da Fiocruz-PE. Antes, em agosto de 2020, o Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros no Estado de Pernambuco (Urbana-PE) divulgou gráficos que sugeriam que os ônibus eram ambientes seguros. Somente no final de maio que a Prefeitura do Recife iniciou a vacinação dos rodoviários. De acordo com o último boletim, 1.089 rodoviários já receberam a primeira dose, mas nenhum deles recebeu a segunda. Cento e dezessete receberam a dose única (vacina Janssen).

Enquanto a pandemia segue descontrolada e o percentual de vacinados com duas doses ainda é muito baixo, as medidas não-farmacológicas seguem indispensáveis. “Urge que se haja um maior controle do transporte público”, diz Pena, que enumera as ações que deveriam ser tomadas pelos gestores públicos. “Diminuir a lotação, distanciamento dos passageiros, limpeza com álcool em gel e, principalmente, o uso correto de máscaras de maior eficácia, como a N95. É mais barato para o estado e empresas prevenir, comprando essas máscaras, do que o custo de leitos de UTI e medicamentos. Prevenção é sempre mais barato e eficiente”, afirma.

O artigo da Fiocruz-PE encontra-se em preprint na plataforma Medrxiv e já foi encaminhado para revisão de pares para publicação em uma revista científica.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org