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Pesquisa expõe a rotina de violência em Tururu

Mariama Correia / 28/01/2020

Crédito: Coletivo Tururu

As cenas de violência fazem parte das memórias de infância do educador social Carmerindo João Lira Neto, 33 anos. O som dos tiros, as imagens de gente armada correndo pela rua, a escola fechada por conflitos entre bandidos e a polícia. “Aos 12 anos, já não me assustava”, conta. “Hoje, adulto, penso como isso era sério. Metade dos meus amigos não estão mais vivos”, completa.

A violência presente no cotidiano de muitas comunidades periféricas deixa marcas psicológicas que se acumulam ano após ano em quem vive essas experiências. Uma pesquisa do Coletivo Força Tururu – grupo que trabalha com comunicação popular e comunitária no município de Paulista -, buscou medir os impactos dessa violência acumulada na vida das pessoas, seja pela ausência do estado, pelas guerras do tráfico, pela repressão da polícia ou por situações vividas dentro de casa.

Foram ouvidos 71 moradores da comunidade de Tururu, que fica município de Paulista, onde foram registrados 127 homicídios no ano passado segundo a secretaria de Defesa Social de Pernambuco (SDS-PE) e onde a Força Nacional passou a atuar desde agosto do ano passado.

Mais de 50% dos entrevistados disseram que tiveram problemas de relacionamento e/ou medo de sair na rua por consequência dos traumas adquiridos em situações de violência. Quase 92% já presenciaram algum tipo de violência na comunidade, e aproximadamente 70% viram de perto tiroteios e assassinatos.

Atos de violência policial já foram presenciados por 35% dos entrevistados. As operações policiais na comunidade são frequentes, segundo a pesquisa, inclusive, no passado, o uso de helicópteros da Polícia Militar era comum. Entretanto, muitas vezes isso não é interpretado como abuso de autoridade policial pelos moradores. Essa naturalização pode acontecer porque o abuso da força policial é recorrente. “Quem mora na periferia está em contato com situações, como violência policial, desde que nasce”, explica André Fidélis, integrante do Coletivo Força Tururu. Ele diz, inclusive, que a comunidade avalia positivamente a presença dos agentes da Força Nacional.

Crédito: Coletivo Tururu

Os integrantes do coletivo acreditam que a comunicação é uma ferramenta poderosa para reverter a realidade da comunidade. A partir dos dados colhidos na pesquisa, aplicada no ano passado, eles estão desenvolvendo uma série de ações. No ano passado, Fidélis, junto com Carmerindo, que também é do Coletivo Tururu, e outros integrantes lançaram uma campanha chamada “Uma só vida”. A primeira atividade foi a própria pesquisa, uma escuta mais mais aprofundada dos moradores.

“Além da criminalidade e da repressão policial, percebemos nas entrevistas que a violência também se manifesta nas casas das pessoas: 46,5% dos entrevistados em Tururu disseram que sofreram ou presenciaram violências domésticas enquanto ainda eram crianças. A maior parte dos relatos é de violência contra a mulher”, detalha Fidélis.

A religião (26,8%) e a família (29,6%) foram apontadas como os meios mais procurados pelos participantes para enfrentar danos psicológicos e emocionais decorrentes de violências sofridas ou vistas. Mais de 66% dos entrevistados acham que investimentos do governo em moradia, saúde, lazer, educação e emprego são as melhores formas de reverter o quadro de violência nas ruas e nas comunidades.

Dentro da campanha “Uma só vida”, o Coletivo Força Tururu realizou processos formativos em comunicação que beneficiaram 17 jovens e adultos. Dez adolescentes da comunidade produziram banners sobre prevenção da violência doméstica, que foram espalhados por Tururu. Este ano já foi realizada uma exposição de fotos executadas pelos integrantes do coletivo na comunidade, no domingo, dia 26. As imagens refletem a questão da violência com o tema : “Uma só vida – Do medo ao enfrentamento.”

“Nossa intenção é que a exposição seja itinerante, com fotos realizadas pelos moradores de outras comunidades”, adianta André Fidélis. Um próximo passo do projeto será consolidar os dados colhidos a partir da escuta da comunidade em um projeto de lei com propostas para mudar a realidade de violência das periferias. “A gente está querendo mostrar que essas dores acumuladas podem ser refletidas de outra forma, que não seja violenta. Nós do coletivo, por exemplo, estamos refletindo esse sofrimento criando um movimento de mudança dentro da comunidade”, argumenta. 

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).