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Crédito: Luan Matheus Santana/Ocorre Diário
por Luan Matheus Santana e Sarah F. Santos, publicada originalmente no Ocorre Diário
O Ocorre Diário fez um levantamento entre os 27 estados brasileiros acerca da presença de escolas indígenas. Em todo o território nacional, apenas o Piauí ainda não possui esse formato de escola na sua rede estadual de educação. Na pesquisa identificamos a presença de pelo menos uma unidade escolar em cada estado voltada especificamente para os povos indígenas.
Na última terça-feira (29), representações indígenas de diversas etnias presentes no estado ocuparam a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e cobram uma resposta frente a esse atraso na política educacional indígena. O secretário, Washington Bandeira, assumiu compromisso público com a construção da primeira escola indígena do estado.
Os números tabulados neste levantamento apontam e comprovam a existência dessas unidades em todos os estados brasileiros, a exceção, do Piauí. Todavia, em alguns deles, como Bahia, Maranhão e Rio Grande do Norte, não foi possível localizar dados mais atualizados, entre 2022 e 2023. Os dados, assim, não são parâmetro para afirmar a quantidade exata de escolas e estudantes indígenas no país, todavia, comprovam o atraso que o Piauí está em relação a Educação Escolar Indígena.
Entre os estados com escolas indígenas, Pernambuco apresentou o maior número de estudantes indígenas matriculados e Sergipe, o menor. Mesmo os estados com o menor percentual de pessoas autodeclaradas indígenas no país (Sergipe e Distrito Federal), de acordo com Censo 2022 do IBGE, há presença de uma escola indígena.
A Educação Escolar indígena é uma modalidade da educação básica que garante aos indígenas, suas comunidades e povos a recuperação de suas memórias históricas, reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências, bem como o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos.
No dia 17 de Agosto, a Secretaria de Assistência Social (Sasc) e Seduc assinaram compromisso para Implantação das primeiras Escolas Indígenas no Estado. De acordo com os órgãos, até o final do ano estão previstas a inauguração de duas escolas no Estado, sendo uma em Teresina, para atender os povos Guajajaras e Waraos, e outra em Lagoa de São Francisco, para os povos Tabajara e Tapuio, em Nazaré, distante 271 quilômetros da capital.
No Piauí, de acordo com a Seduc, existem 122 escolas da Rede Estadual ofertando educação a 217 estudantes indígenas. São escolas regulares, portanto, sem adequação para o modelo de Educação Escolar Indígena Diferenciada. Estão presentes nessas escolas estudantes dos povos indígenas Guajajara e Warao, Guegue do Sangue, Caboclo Akroá Gamella, Kariri, Tabajara, Tabajara Alongá, Tabajara YPY e Tapuio.
Há mais de 20 anos, o governo do estado do Piauí está sob o comando de Wellington Dias (ele exerceu o cargo entre entre 2003 e 2010. Foi novamente eleito em 2014 e reeleito em 2018. Deixou o governo em 2022 para se candidatar a senador da república). Conhecido no meio político como “Índio”, o ex-governador, que carrega na pele os traços físicos dos povos indígenas, foi incapaz de avançar em uma política de reparação.
Sávio Tabajara, liderança indígena do Povo Tabajara Longá, afirma que as promessas foram muitas, mas sem soluções concretas. “Essa conversa que vai ser implementado, nós ouvimos muitas vezes. O estado do Piauí, por muitas vezes, diz ter esse compromisso em governos progressistas. Mas, lamentavelmente não fez, e pra nós, é uma decepção muito grande. Esse movimento não é de hoje. São muitas lutas que fazemos e não somos atendidos, não somos escutados”, reivindica.
Enquanto o estado não operava no que diz respeito à questão indígena, nos territórios, os povos avançaram em seu processo de auto organização. Nos últimos 10 anos, a população autodeclarada indígena no estado cresceu 144%, passando para 7.198 pessoas, de acordo com o Censo 2022, do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O IBGE apontou ainda 157 municípios com população indígena, o que representa agora 70,08% dos municípios do estado.
Segundo Sávio Tabajara, o estado do Piauí firmou um compromisso em 2016, diante de outros povos indígenas e estados da federação, de implementar educação escolar indígena e não o fez. O indígena afirma que o movimento indígena no Piauí vem lutando há muito anos e não são atendidos e sua preocupação também é com as futuras gerações. “Minha filha tem 3 anos e vai começar a estudar. Ela vai precisar se deslocar 10 quilômetros em um ônibus em péssimas condições para estudar, porque nós não temos educação dentro da nossa comunidade”, afirma.
A situação se repete nas 57 famílias da comunidade onde o Pajé Vitor, do povo Tabajara Ypi. “Nossa comunidade vive sofrendo. Quando chega o inverno, as crianças pequenas saem da comunidade Canto da Várzea para a localidade Pequi. São 8 km. As estradas ficam alagadas, tem local que fica quase um metro de água. Porque dentro da nossa localidade o colégio foi desativado”, afirma o pajé.
Entre os jovens, a situação é a mesma. Eles precisam se deslocar para o centro de Piripiri. Segundo o Pajé Vitor, “tem período que passa de 8 a 10 dias que não tem transporte”.
Professor e doutor em educação, Edson Kayapó tem sido uma voz ativa na construção das políticas públicas para a educação indíegna em todo o país. No Piauí, durante mobilização indígena no início desta semana, ele ressaltou a importância da escuta no processo de construção das escolas indígenas e dos currículos escolares.
“Escuta nos territórios é um dos princípios fundamentais de todo o projeto relacionado às políticas públicas para os povos indígenas. Há uma discussão nacional avançada no sentido de trabalhar a educação indigena escolar diferenciada. Uma educação que dialoga com nossas línguas, tradições, hábitos, formas próprias de organização política e nossas próprias pedagogias, dialogando com ciência, por assim dizer. É necessário pensar em um currículo diferenciado e os indígenas precisam estar como protagonistas desse processo”, elenca.
Apesar disso, no Piauí, esse processo ainda não aconteceu como devia. Pelo menos é o que acredita Sávio Tabajara. “A Seduc já foi nas 27 comunidades indígenas no estado do Piauí? Nós temos 27 comunidades indígenas. A Seduc tem ouvir os indígenas aqui, mas ela tem que ir pra base, conversar com as pessoas. A política pública de educação escolar indigena tem que ser construída a partir de lá. Porque para nós é diferente. O currículo está sendo montado, mas quem tá montando o currículo? Os profissionais têm ciência suficiente para fazer isso?”, questiona Sávio ao secretário, durante a ocupação realizada na última terça-feira (28).
Na última terça-feira (29) também aconteceu, em Teresina, uma audiência pública, proposta pelo deputado Franzé Silva (PT), com o objetivo de debater acerca da luta pela demarcação das terras, educação e saúde indígena. O evento reuniu diversas etnias indígenas, de diferentes territórios do Piauí, para dialogar com o poder legislativo, executivo e sociedade civil acerca das reivindicações dos povos indígenas.
Na Assembleia Legislativa, mesmo com a baixa frequência dos deputados, foi apresentado uma proposta e um compromisso público de criação de uma comissão, incluindo parlamentares, técnicos, entre outras instituições, para debater a questão indígena dentro da sua importância cultural, histórica e antropológica para o Estado.
José Wilk, jovem liderança indígena Akroá Gamela, do território laranjeiras, ressaltou a importância de pensar as políticas públicas para educação associadas à necessidade de demarcação das terras. “Sem demarcação não vai ter escola. A gente precisa fazer essa conversa com outras secretarias, para acontecer”, afirma.
Esse é o mesmo sentimento de Dan, liderança indígena Akroá Gamela. ”Foi uma necessidade para nós gamelas sempre. Estamos sofrendo dentro do agronegócio. De vários jeitos. Nossa mãe natureza, nosso cerrado morreu e nossa mãe natureza também. Nossa terra está nas mãos dos grandes do agronegócio, a nossa educação está nas mãos dos municípios”, afirma.
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