Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Pista de bicicross da Jaqueira está com os dias contados

Gestão privada vai contruir complexo com restaurante no lugar da pista

Maria Carolina Santos / 28/02/2025
A foto mostra um grupo de 9 pessoas em uma pista de BMX, cercada por árvores verdes. Seis delas estão com bicicletas e roupas esportivas, incluindo capacetes e camisetas estampadas, algumas com a bandeira do Brasil. Dois homens sem bicicletas estão ao fundo, vestindo roupas casuais. Todos estão posando para a foto, alguns fazendo gestos com as mãos. O solo da pista é de terra batida ou asfalto escuro. O clima parece ensolarado, com sombras das árvores ao fundo.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Há mais ou menos duas semanas Gilmar Batista dos Santos, de 60 anos, foi chamado para uma reunião na Prefeitura do Recife. O convite veio pela Emlurb e, segundo ele, o que foi dito é que seria uma discussão sobre melhorias para a pista de bicicross do parque da Jaqueira, onde ele trabalha há 40 anos, desde a inauguração do parque como ele é hoje. Gilmar ficou animado para a reunião. Desde que começou o burburinho sobre a privatização da Jaqueira – uma concessão para a iniciativa privada pelos próximos 30 anos – todos que trabalham lá ficaram apreensivos com a falta de informação. Poderia ser, finalmente, um momento para boas notícias.

“Mas fui tapeado”, conta Gilmar, segurando o choro. Na reunião, ele foi informado que a pista de bicicross vai ser demolida para a construção de um restaurante.

É a primeira mudança relevante que os funcionários da Jaqueira ficaram sabendo que será feita pelo consórcio Viva Parque Brasil, empresa que, em julho de 2024, ganhou o leilão de quatro parques em bairros de classe média alta do Recife. Para ter o direito de gerir os parques da Jaqueira, de Santana e de Apipucos por três décadas, a Viva Parques desembolsou R$ 198.306,75. Para adquirir o direito pelo mesmo tempo do parque Dona Lindu, outros 140.599,91.

O grosso do dinheiro, porém, vem da obrigatoriedade de investimentos de R$ 413 milhões ao longo dos 30 anos nos quatro parques – o que inclui, veja só, investimentos em benefício do lucro da própria empresa, como o restaurante dentro da Jaqueira.

No dia do leilão, a Viva prometeu investir R$ 1 bilhão ao longo dessas três décadas, mais que o dobro previsto no contrato. A Prefeitura do Recife afirmou que gasta entre R$ 12 milhões e 15 milhões por ano com a manutenção desses quatro parques – economia que será investida em outros lugares, mas não informou onde. No dia 10 de março a empresa assume oficialmente a gestão dos parques.

Pela pista de bicicross que Gilmar cuida há tanto tempo já passaram milhares de jovens – inclusive o prefeito do Recife, João Campos (PSB). É a única pista para iniciantes no esporte e também a única que recebe competições. Foi lá que começou a carreira, por exemplo, de Pedro Queiroz, atual campeão brasileiro que disputou o Mundial no ano passado, na Austrália. Pedro já chegou a ficar entre os cinco melhores do mundo, em 2016.

Gilmar começou a cuidar da pista quando Joaquim Francisco era prefeito, na época em que o parque foi reformado e entregue na configuração atual. Passou sem cargo oficial por várias gestões, mas sempre promovendo o esporte no parque e recebendo verbas para a pista por meio de vereadores e outros parlamentares.

Quando João Campos assumiu, voltou a ser oficialmente contratado pela prefeitura como treinador. Vai para a Jaqueira todos os dias, com exceção da folga na segunda-feira. Com seus contatos, consegue também bicicletas e equipamentos de segurança para os jovens de comunidades próximas treinarem, além de dar suporte aos campeonatos. É, enfim, quem toma conta daquela pista, que há apenas dois anos foi asfaltada pela prefeitura.

“Eu tenho um trabalho social em que eu dou as aulas bike. Eu vou atrás de patrocínio. Eu vou atrás de inscrição para os alunos. Eu vou nas escolas para ver como é que os meninos estão se saindo”, conta Gilmar, que também aluga bicicletas no parque. “A turma que frequenta aqui, também ajuda a gente a comprar peça de bicicleta, passagens para competição, dinheiro para inscrição. E assim a gente vai levando”, diz.

A imagem é uma foto aérea de uma pista de bicicross ou BMX em um parque, cercada por muitas árvores. A pista é feita de asfalto e tem várias ondulações e curvas, projetadas para ciclistas ou skatistas ganharem velocidade sem precisar pedalar ou empurrar. A pista é cercada por áreas verdes com grama e árvores, e há postes de iluminação ao redor. Ao fundo, há uma área pavimentada e um pequeno muro com grafites. É um ambiente natural que proporciona um espaço recreativo ao ar livre.

Pista foi asfaltada há apenas dois anos. Crédito: Arnaldo Sete/MZ

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Nessas duas semanas desde que soube da demolição, Gilmar, que é diabético, afirma ter sido socorrido para o hospital por duas vezes. “Eu tinha expectativas. Eu estava até alegre com a mudança, achando que ia melhorar a pista. Uns funcionários da empresa chegaram aqui antes dizendo que era para fazer uma pesquisa. Perguntaram o que precisava para deixar essa pista top, ficaram vendo onde iam colocar anúncios de publicidade. Foi um baque muito grande, a minha vida é aqui”, disse.

Na reunião, Gilmar foi informado que a concessionária vai reformar a pista do parque Santana, que hoje não é tão boa quanto a da Jaqueira e fica a menos de dois quilômetros dali. Também foi prometido que ele seria contratado pela Viva Parques. “Mas não é dinheiro que eu quero. Eu digo de coração aberto: se disserem ‘não vou dar o teu salário, mas a pista vai ficar’, eu prefiro a pista. Não sou doido, mas sei que Deus vai me ajudar”, disse.

Gilmar afirma que não irá organizar nenhum protesto pela manutenção da pista. Fez um abaixo-assinado junto com um grupo de entusiastas do esporte, que foi entregue ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE). No documento, o grupo de apoio à pista de bicicross questiona a legalidade das novas construções, lembrando que o parque da Jaqueira é uma Unidade de Conservação de Paisagem e que a pista é uma área de lazer coletivo, que cumpre uma função social. O abaixo-assinado também está disponível online.

A ideia inicial do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – que fez a modelagem da concessão e o plano de negócios – era construir o restaurante próximo da igreja da Jaqueira. Mas a construção é tombada pelo Iphan e toda aquela quadra da igreja, construída no século 18, não pode ser alterada. Já no projeto que estava no edital de licitação, o restaurante seria em uma área cimentada, que pode ser usada por skatistas, mas que recebe muitos grupos de ginástica.

Na caracterização da Jaqueira que está no contrato, a pista de bicicross é descrita como um “equipamento radical com pouca aderência. Possibilidade de área de eventos”. Outro “entrave” para novas construções no parque é que há também duas grandes árvores tombadas – o baobá próximo da Rua do Futuro e a jaqueira em frente à igreja –, o que impossibilita novos prédios perto delas. Como todo o parque é uma área de conservação de paisagem, a retirada de quaisquer árvores também é restrita.

Além de “operações gastronômicas”, a Viva Parques informou à Marco Zero que a pista da Jaqueira “cederá espaço para brinquedos infantis, áreas de contemplação e uma quadra poliesportiva”. E que a retirada da pista de bicicross “atende a demanda dos frequentadores e foi fundamentada em pesquisas quantitativas e qualitativas realizadas no parque, em agosto do ano passado”. A Viva Parques não enviou a pesquisa para a MZ.

A Marco Zero entrou em contato também com a Prefeitura do Recife para saber se há participação da prefeitura na tomada de decisões importantes que alterem a estrutura do parque, entre outros questionamentos, mas ainda não obtivemos resposta. A Marco Zero também enviou as perguntas via Lei de Acesso à Informação (LAI). Essa matéria será atualizada quando recebermos alguma resposta.

Confira a nota completa da Viva Parques

Parque Santana centralizará prática de BMX

A Viva do Brasil, responsável pela gestão de quatro parques urbanos no Recife, incluindo o da Jaqueira, informa que os praticantes de BMX continuarão contando com uma área específica para a prática do esporte, localizada no Parque Santana, a apenas um quilômetro da atual (Da MZ: a depender da entrada o Parque Santana fica de 1,5km a 2km da Jaqueira). A concessionária irá dialogar com a comunidade BMX para formatar futuras parcerias.

Já a pista da Jaqueira cederá espaço para brinquedos infantis, áreas de contemplação, uma quadra poliesportiva e operações gastronômicas. A decisão atende a demanda dos frequentadores e foi fundamentada em pesquisas quantitativas e qualitativas realizadas no parque, em agosto do ano passado.

A partir desta segunda-feira, 10 de março, a Viva do Brasil assume a gestão dos parques da Jaqueira, Santana, Apipucos e Dona Lindu, com a proposta de melhorar significativamente a experiência das pessoas que frequentam esses espaços públicos. A meta da concessionária é investir em tecnologia, lazer, ampliação das áreas verdes, cultura e esportes, explorando a vocação natural de cada unidade. O acesso da população permanecerá gratuito e os parques continuam propriedade da Prefeitura do Recife e dos recifenses.

As mudanças irão acontecer ao longo dos próximos dois anos e receberão investimentos da ordem de R$ 100 milhões. Agora, na fase de transição, o foco da Viva será na zeladoria e segurança dos parques. A empresa montou uma força-tarefa para fazer os reparos mais urgentes nas quatro unidades, melhorias nos banheiros, limpeza, manutenção de brinquedos e equipamentos, entre outras ações. Na mesma linha, também está investindo na instalação de câmeras de monitoramento e contratação de segurança profissional.

Comerciantes da Jaqueira ainda sem informações

Era por volta de meio-dia da terça-feira passada (25) quando funcionários da Viva distribuíram um questionário para os comerciantes que ficam nos quiosques em frente ao parque, na rua do Futuro. Foi o primeiro contato da concessionária com os comerciantes, que ainda seguem sem respostas para a maioria de suas perguntas.

“Disseram que queriam ouvir a gente sobre a reforma dos quiosques. Que não vão cobrar nada da gente nesses dois primeiros anos, mas que, depois, vão ver como vai ficar. Não sabemos quanto vai ser, nem se a gente vai conseguir continuar aqui”, disse um comerciante, que trabalha no local há mais de 20 anos e não quis se identificar. “A prefeitura abandonou o parque nos últimos meses. Não teve nem um pisca-pisca de decoração no Natal, enquanto o parque da Tamarineira estava abarrotado de decoração. O movimento caiu muito”, reclamou. Pelo contrato, a empresa deverá readequar todos os quiosques.

A foto mostra um senhor branco de cabelos grisalhos atrás do balcão de uma pequena banca ou mercearia. Na frente dele, há diversas garrafas e latas de refrigerantes, sucos e águas, todas com preços anotados. No fundo, há prateleiras cheias de produtos como salgadinhos, doces, jornais e revistas. O ambiente tem iluminação artificial e um clima simples e acolhedor. O homem veste uma camisa bege aberta no peito e tem uma expressão tranquila, olhando para a câmera.

Geraldo Rodrigues tem uma banca de jornal na Jaqueira há 27 anos.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Um funcionário do parque afirmou, em reserva, que no ano passado a equipe de manutenção da Jaqueira teve uma redução significativa, logo após o lançamento do edital de concessão. O parque, que sempre foi muito bem cuidado pela prefeitura, foi deixado de lado. Está precisando de capinação e de pintura na pista, entre muitos outros reparos. Os furtos aumentaram para uma média de sete bicicletas levadas do parque por semana, disse outro funcionário. Havia, até há pouco tempo, apenas dois seguranças por turno. Recentemente, depois que um juiz teve sua bicicleta levada, a prefeitura voltou a colocar guardas municipais dentro do parque.

Dono de uma das poucas bancas de jornais que resistem na zona norte do Recife, Geraldo Rodrigues também não tem nenhuma informação sobre o futuro da sua banca sob a gestão da Viva Parques. “Não me entregaram nenhum questionário”, disse ele, que tem a banca Boa Forma há 27 anos. “Tenho contrato sem validade com a Prefeitura do Recife (ele não quis informar o valor do aluguel) e a conta de energia vem no meu CPF”, diz.

Para o parque, Geraldo espera que possa haver novas formas de atrair mais público. “Porque com a inauguração de vários parques por perto, caiu muito o movimento comercial, mas quero permanecer aqui na calçada. Não faz sentido, por exemplo, que essa banca vá para dentro do parque. O prefeito Roberto Magalhães baixou um decreto e mandou recuar o gradil para que o comércio ficasse fora do parque. Tem um decreto municipal sobre isso e acho que deve ser mantido”, diz.

Os ambulantes também estão apreensivos. Hoje, são 27 pessoas cadastradas que podem atuar dentro do parque, vendendo pipoca, água de coco, algodão doce. Até agora, nenhuma informação foi passada para eles sobre a nova gestão.

Há 33 anos Henrique Francisco vende sorvete no parque, principalmente durante os fins de semana. Saí de casa, no centro do Recife, e vai empurrando o carrinho até a Jaqueira. “Eu estou de mãos atadas, porque não sei como é o sistema dessa empresa, como é que vai ficar a situação da gente. Hoje em dia, quem manda é quem tem dinheiro. A prefeitura fez um cadastro pra gente ganhar o pão e não pagamos nada para ficar aqui dentro”, diz. “Se tirarem a gente de uma hora pra outra, sem nada, a gente vai ficar sem o necessário para viver”, afirma Henrique, que tira no máximo R$ 200 por dia, em um bom fim de semana.

Já Antônio Luiz da Silva vende algodão doce no parque há 30 anos. “Se for para a gente ter uma renda melhor, ganhar mais, beleza. Mas a gente sabe que muitas oportunidades são para quem já tem dinheiro, como para abrir uma loja aqui, abrir uma lanchonete. E a gente, que está na Jaqueira há 30, 40 anos, lutando desde o começo?”, questiona. “Quando tem algum evento, o prefeito João Campos bota o tênis e aparece aqui. A gente parou ele um dia e ele disse ‘não vão mexer com vocês’, mas ele nunca deu atenção pra gente. Só falou isso. Estão falando que nada muda por dois anos, mas, e depois, como vai ficar?”, questiona.

A imagem mostra uma cena de rua em um pequeno mercado ao ar livre. No centro da imagem, há um homem de camiseta bege e boné vermelho, de barriga volumosa, aparentemente comprando algo em uma barraca. A barraca está decorada com diversos produtos pendurados, como sacos de salgadinhos e outros itens embalados. À direita, há uma vitrine com pães ou salgados expostos. Acima da barraca, há um toldo azul e um guarda-sol amarelo com a inscrição COMPRE AQUI!. Ao fundo, é possível ver outras pessoas caminhando e outras barracas ou lojas.

Quiosques deverão ser reformados pela concessionária que ganhou o leilão dos parques

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org