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Quem frequenta a Jaqueira teme elitização do parque sob controle de empresa privada

Maria Carolina Santos / 14/12/2022
Vista aberta do parque da Jaqueira, com diversos grupos fazendo piqueniques ou sentadas sobre a grama, à sombra das árvores.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

É tarde de um domingo ensolarado no parque da Jaqueira. Nos gramados, várias famílias e grupos de amigos se reúnem, descansam, fazem festas, comemoram aniversários. Um deles é o da pequena Aniele, que celebra dois anos de idade. No piquenique, mais de uma dúzia de familiares e amigos, balões de festa, caixa térmica para levar comidas e bebidas. Não são frequentadores assíduos do parque, mas escolheram comemorar ali pela tranquilidade, a facilidade de ter um local gratuito e com bons brinquedos para as crianças, além de todo verde ao redor. Ninguém ali sabia que a prefeitura do Recife vai conceder a Jaqueira – junto dos parques da Macaxeira, Santana e Dona Lindu – para a iniciativa privada por longos 30 anos.

A Marco Zero esteve domingo, 11 de dezembro, no Parque da Jaqueira e conversou com dezenas de frequentadores sobre a concessão dos parques. Só duas pessoas sabiam da decisão da prefeitura, e foram informadas por meio da imprensa. Nenhum dos entrevistados concorda com a concessão, por diversas razões que podem ser reunidas em uma só: vai aumentar a desigualdade no Recife, que já é, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a capital mais desigual do Brasil.

No piquenique de Aniele, a moradora da Imbiribeira Denise Gomes ficou sabendo pela reportagem da Marco Zero sobre a concessão. “É como se as coisas fossem feitas no silêncio mesmo”, disse. Mesmo com a prefeitura garantindo que aquilo que existe hoje vai continuar gratuito, mas que na Jaqueira pode ser construído um “polo gastronômico”, Denise considerou a proposta problemática.

“Qualquer pessoa pode chegar aqui, jogar uma toalha na grama e deixar os filhos correndo. Se tiver um polo gastronômico, vai ficar estranho. Você se sente constrangido em sentar em uma praça de alimentação de shopping e não consumir nada. Aqui vai ser um constrangimento fazer um piquenique do lado de um restaurante, uma lanchonete. Isso faz com que só venha quem tem condições de pagar. Se tiver um brinquedo diferente com ingresso pago, a criança vai querer, cria um constrangimento em quem não pode pagar. Isso só vai separar quem tem condições de pagar e quem não tem. Vai ficar um espaço elitizado. Quem não pode, vai se afastando cada vez mais dos espaços públicos”, criticou.

O grupo lembrou da situação precária do Treze de Maio, que não está neste primeiro pacote de concessões. “Não dá mais para fazer aniversário lá, por conta da segurança. A impressão que dá é que só tem lazer hoje quem pode pagar”, criticou a moradora de Paulista Anne Caroline.

Do outro lado do parque, deitados em uma toalha na grama, com frutas e guloseimas, quatro moradores da Zona Norte aproveitavam o domingo. Estavam com sete crianças, que se divertiam nos brinquedos do parque. Algumas vieram correndo na hora de tirar a foto para esta reportagem. Ninguém sabia da concessão.

Para a dona de casa Cássia Fernanda, também não cabe espaços ou atrações pagas dentro da Jaqueira. “Vai gerar uma divisão, não gostei”, disse. Levando sempre muitas crianças para Jaqueira, como filhos, enteados e sobrinhos, Allysson Cândido diz ser impossível pagar por atrações ou entrada em novos brinquedos. “Vai valorizar o parque. Para quem tem dinheiro, é bom. Mas para gente, que traz as crianças só para brincar, vai ficar caro”.

Desempregada, Isla Patrícia, de 25 anos, não viu em canto nenhum a mudança na Jaqueira, que frequenta desde criança. “Para o pessoal de baixa renda fica complicado. A gente vem com criança. Se tiver uma sorveteria aqui as crianças vão querer sorvete. E um sorvete aqui vai custar o que? uns dez reais. Não tem como a gente pagar isso. E aí vamos pensar duas vezes antes de vir para cá e ter esse estresse”, reclamou.

Era a primeira vez na Jaqueira do grupo de Jaqueline Ferreira da Silva, moradora de Caetés I, em Abreu e Lima. Estavam já indo embora depois de um dia de brincadeiras. “Achei ótimo ficar aqui. É organizado, gostei da paisagem, as crianças gostaram dos brinquedos, são ótimos. Em Abreu e Lima não tem nada parecido”, afirmou. Com a perspectiva de atrações pagas e restaurantes no parque, ela afirmou que não faria a viagem novamente. “Com condições, eu faria. Mas sem condições, não voltaria”.

Qual o interesse?

Na casa do tatuador Leonardo da Silva Santos e da bancária Marcela de Castro, só ela sabia que a concessão irá acontecer. Soube pelo jornal. “Na reportagem não dizia qual a finalidade dessa concessão. A prefeitura diz que não vai ter cobrança para utilizar o local. Aí a gente fica querendo saber qual o interesse de uma empresa em assumir o parque”, questionou. “Por que a prefeitura não consegue manter e uma empresa vai achar isso aqui lucrativo?”

Quando ficou sabendo dos projetos de “vocação” dos parques, feito pelo BNDES, que indicam algumas atrações e/ou estabelecimentos com cobrança, Marcela achou que é uma forma de elitizar os parques. “Temos poucos espaços públicos hoje, gratuitos, que agregam toda a população. Todo parque dia de domingo é lotado. Estamos em uma situação de crise econômica e a população tem direito a lazer gratuito. As crianças vão querer consumir e isso vai afastar do espaço público os pais que não têm dinheiro. Termina elitizando”.

Ao ficar sabendo da concessão, o tatuador Leonardo questionou porque não foi feita em parques que estão mais abandonados. “Pelos parques que vão ser concedidos, a gente logo percebe uma pegada comercial agressiva”, opina.

Para o casal, não ficou claro ainda o que a população vai ganhar com a concessão dos parques. “O que se espera é que haja algumas melhorias. Fui no banheiro do Parque Santana com minha filha e estava inutilizável. Tivemos que voltar para casa. Mas são melhorias pontuais, que a própria prefeitura deveria fazer, não precisa de concessão”, afirmou. “Mas sabemos que isso é uma estratégia. Para que a população compre a ideia de privatizar, eles sucateiam antes, para que o povo ache que vai ser melhor com a iniciativa privada. É um ciclo bem conhecido”.

Marcela sugere, em oposição à concessão, que a prefeitura invista em educação e engajamento. “A prefeitura poderia fazer ações para que a população se sinta parte da coisa pública, que sinta que é deles, para que cuidem também. A população ainda não se sente dona do que é público, é como se não fosse de ninguém, então não cuidam. Vai ficando nesses espaços apenas quem não tem outra opção e esse espaços vão se acabando, entrando nesse ciclo de sucateamento e privatização”, lamenta.

No domingo, dia 11, a maior parte dos frequentadores não tinha ouvido falar das intenções da PCR. Na foto, amigos e familiares de Allysson Cândido e Isla Patrícia que foram passar a tarde no parque. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Falta de divulgação e a resposta da prefeitura

Mesmo com apenas sete hectares, a Jaqueira é casa de grupos de dança, de esportes diversos – do aikido a bicicross -, de grupos de terapia, de corrida, de ginástica, de yoga. A pequena quadra perto da entrada principal é um dos espaços disputados pelos grupos de dança. É lá que encontramos quatro mulheres que fazem parte do grupo projeto Orium, que dança kpop, o pop coreano.

Elas contam que pouco antes da pandemia começar, a guarda municipal engrossou contra os grupos de dança. Retiraram as tomadas da quadra. Tiraram a lâmpada de um quiosque que fica perto. Proibiram som. Começaram a expulsar os grupos. Os de passinho, que são de jovens da periferia, eram os mais visados. “Com essa concessão, não temos garantia nenhuma de como irão tratar os grupos. Como vai ser uma gestão privada, a gente não sabe quais serão as regras e qual vai ser nosso espaço de negociação como sociedade civil. Não sabemos o que vai ser imposto. As aulas vão poder ser mantidas? Os aniversários vão poder continuar? E os ensaios fotográficos?”, questiona Camila Mendes.

Socióloga, que já colaborou com o projeto de transparência Meu Recife, Camila era a outra frequentadora da Jaqueira que a Marco Zero entrevistou que sabia da concessão. “Um dia João Campos acordou e resolveu privatizar os parques. Não se preocupou em falar com ninguém”, reclama.

Apenas uma audiência pública foi marcada pela prefeitura do Recife para discutir a questão dos parques. Ela aconteceu no dia 29 de novembro, online, entre 10h e 12h, em um dia de semana. Mesmo com um horário e formato bem complicado, no meio de uma Copa do Mundo, houve uma enxurrada de questionamentos por parte da sociedade civil. O Secretário Executivo de Parcerias Estratégica Thiago Barros Ribeiro representou a prefeitura e não ofereceu muitas respostas.

Não haverá, segundo a prefeitura, outra audiência pública. A experiência como ativista leva Camila Mendes a afirmar que as audiências públicas não são utilizadas como espaços para realmente ouvir a população e incorporar as demandas aos editais. “É um processo de participação limitada. O falecido vereador Carlos Gueiros dizia muito: ‘Ouvir, a gente ouve. Mas não quer dizer que a gente vá fazer alguma coisa com isso’. Na audiência pública muitas vezes você vai, reclama, consta nos autos, mas o efeito é nulo. Ter audiência pública é importante, mas há outros mecanismos de escuta popular que deveriam ser feitos e não são”, afirma, dizendo que a prefeitura não procurou os grupos de dança do local.

A prefeitura claramente não se esforçou para informar os frequentadores sobre a concessão. Ainda que os gastos da prefeitura do Recife com publicidade sejam altos – no ano passado foi de mais de R$ 42 milhões – não há nada na Jaqueira que indique que o parque será concedido para a iniciativa privada por três décadas: nenhum cartaz, nenhuma faixa, banner, nada. Mesmo antes do dia 9 de dezembro, data limite para manifestação sobre a mudança, nenhuma campanha publicitária era vista no parque para que os frequentadores participassem com sugestões.

Em nota, a prefeitura também afirmou que a “Secretaria Executiva de Parcerias Estratégicas (SEPE) da Prefeitura do Recife, responsável pelo projeto de concessão de quatro parques públicos da cidade, informa que o diálogo com a população acontece de forma permanente, com o objetivo de alinhar a necessidade dos usuários com o edital apresentado.”

Moradora de Abreu e Lima, Jaqueline Ferreira levava a família pela primeira vez para a Jaqueira. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

A prefeitura também destaca a consulta popular que ficou aberta até o dia 9 de dezembro “na qual foram disponibilizados o edital completo, a minuta de contrato, documentos de referência, caderno de encargos e todo o material referente ao potencial de cada equipamento público e à estrutura econômico-financeira do projeto”. São centenas de páginas, algumas em excel. Não há, como foi apontado pela população na única audiência pública, um resumo de fácil e direto sobre o que vai mudar.

A Marco Zero questionou à prefeitura sobre como foi realizada a divulgação da consulta popular. A resposta, por nota, foi de que “a consulta pública foi publicada no Diário Oficial do Município, além dos sites da Prefeitura do Recife e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sdecti). A consulta também foi divulgada nas redes sociais da Prefeitura do Recife. Todo o material segue disponível em https://desenvolvimentoeconomico.recife.pe.gov.br/consulta-publica-parques-urbanos.”

Sempre ativo para divulgar em primeira mão notícias positivas da prefeitura, o instagram do prefeito João Campos passou em brancas nuvens pela consulta pública. Com 464 mil seguidores, o prefeito não fez nenhuma postagem no feed entre 5 de novembro e 9 de dezembro sobre o assunto, ainda que tenha publicado 107 posts neste período, tempo em que a população poderia ter enviado as sugestões para o edital de concessão.

O instagram da prefeitura, com 315 mil seguidores, menos do que o de João Campos, fez apenas um único post neste período, no dia 07 de novembro, afirmando que serão R$ 550 milhões investidos (sem citar que esse valor seria ao longo de três décadas), que vai haver “maior conservação dos parques” e que a população poderia opinar e oferecer sugestões até o dia nove de dezembro. Dos 229 comentários, a maioria esmagadora é de críticas às concessões. Nas respostas às críticas, a prefeitura convoca para a única audiência pública como um espaço para “dialogar” sobre a concessão.

É bom lembrar que as sugestões população são apenas para ajustar o edital. A concessão é um fato: o projeto de lei foi enviado pelo prefeito João Campos para a Câmara de Vereadores e aprovado em agosto do ano passado. O edital deve ser lançado já no começo de 2023.

Confira a nota completa da prefeitura:

Nota sobre concessão do Parques da Jaqueira, da Macaxeira, de Dona Lindu e de Santana

A Secretaria Executiva de Parcerias Estratégicas (SEPE) da Prefeitura do Recife, responsável pelo projeto de concessão de quatro parques públicos da cidade, informa que o diálogo com a população acontece de forma permanente, com o objetivo de alinhar a necessidade dos usuários com o edital apresentado.

Assegurando o diálogo com a população, uma consulta pública foi aberta de 5 de novembro a 9 de dezembro, na qual foram disponibilizados o edital completo, a minuta de contrato, documentos de referência, caderno de encargos e todo o material referente ao potencial de cada equipamento público e à estrutura econômico-financeira do projeto. A consulta pública foi publicada no Diario Oficial do Município, além dos sites da Prefeitura do Recife e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sdecti). A consulta também foi divulgada nas redes sociais da Prefeitura do Recife. Todo o material segue disponível em https://desenvolvimentoeconomico.recife.pe.gov.br/consulta-publica-parques-urbanos.

Além disso, também foram realizadas reuniões com representantes dos parques e de grupos que utilizam os equipamentos, como times de corrida e de bicicross, além de professores das academias da cidade, por exemplo. Representantes da sociedade civil, como associação de bairros e lideranças comunitárias que utilizam os parques participaram dos encontros, assim como os representantes das secretarias municipais de esportes e de segurança. Todo o material apresentado nesses encontros subsidiou os estudos técnicos.

Outra possibilidade de tirar dúvidas e oferecer sugestões sobre os projetos foi uma audiência pública realizada em meio virtual no dia 29 de novembro, de 10h às 12h, por meio da plataforma Google Meet.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com