Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Prefeitura corre para privatizar gestão de parques do Recife e deixa perguntas sem respostas em audiência

Maria Carolina Santos / 30/11/2022

Parque da Jaqueira, zona norte do Recife. Crédito: Luciano Ferreira/PCR

Os parques da Jaqueira, Santana, Dona Lindu e da Macaxeira em breve não serão mais geridos pela prefeitura do Recife. No que chama de uma concessão por três décadas, o prefeito João Campos (PSB) vai repassar os quatro espaços – todos juntos ou em pares – para uma empresa privada. É um tema espinhoso, que envolve quatro dos parques mais bem localizados da cidade, em bairros nobres. E mudanças que podem ser profundas nesses espaços públicos.

A concessão dos parques foi aprovada pela Câmara de Vereadores em agosto de 2021, dentro do pacotão de parcerias público-privadas que é o carro-chefe da gestão João Campos. A Lei nº 18.824 teve trâmites rápidos e pode mudar radicalmente as atribuições da prefeitura em várias áreas, passando de gestora a fiscalizadora.

Na manhã desta terça-feira (30), aconteceu a única audiência pública para discutir a concessão dos quatro parques. A audiência deixou claro que há uma diferença entre o que a prefeitura quer – buscar uma “eficiência de gestão” – e a finalidade de um parque público, em uma cidade tão desigual como o Recife. Ainda que rechace a palavra “privatização”, a parceria público-privada é de longo prazo, 30 anos, e dá brechas para que não haja nem pagamento direto e total para a prefeitura.

Quem chamou atenção para esse ponto foi a codeputada Carol Vergolino (Psol). Ela notou que o item sete da sugestão de edital indica que a empresa concessionária pode destinar 75% do valor que iria para a prefeitura para um projeto socioambiental. Funcionaria assim: a empresa faz um projeto, a prefeitura aprova, e a empresa executa com o dinheiro que pagaria à administração municipal.

Quando foi responder a esse ponto, o secretário-executivo de Parcerias Estratégicas, Thiago Barros Ribeiro, praticamente falou que a gestão pública é demorada e ineficiente. “O que vai estar lá na outorga significa um valor a ser pago para a prefeitura. Esse valor percorre um amplo caminho até virar um investimento. O que vai acontecer é que a concessionária faz esse projeto, apresenta para o município previamente o que vai fazer e quanto vai custar, nós avaliamos aquilo e aprovamos ou não. É para sair da burocracia da gestão pública”, disse.

A população em geral pode contribuir com sugestões para o edital de concessões pelo site: https://desenvolvimentoeconomico.recife.pe.gov.br/consulta-publica-parques-urbanos. A audiência pública de ontem foi a única programada para o processo. O secretário-executivo afirmou que as sugestões dos cidadãos serão todas lidas e consideradas. Mas aqui vale um adendo: não há obrigação legal alguma para que a prefeitura incorpore qualquer sugestão. No caso da primeira concessão de longo prazo de João Campos, para mobiliário urbano em 108 locais, a principal (e quase a única) reivindicação da sociedade civil foi a retirada das câmeras de reconhecimento facial. A prefeitura ouviu, é verdade. Mas o edital foi aprovado e executado do jeito que a prefeitura quis, com as câmeras, que são banidas em vários países. Para os parques, nada garante que a prefeitura vai incluir as sugestões da população.

No site, é tudo muito confuso. A prefeitura não disponibilizou nenhum resumo do que muda com as concessões. Juntando tudo, são mais de 500 páginas para leitura. As sugestões também são feitas em uma planilha de Excel, o que dificulta ainda mais. A prefeitura, porém, disponibilizou também um e-mail para receber as sugestões:consulta.parques@recife.pe.gov.br.

Parques como espaços para o consumo

Os estudos para a concessão dos parques foram conduzidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao custo de R$ 2,4 milhões – que, diz a prefeitura, será pago pelas empresas vencedoras da licitação. Esses estudos identificaram “vocações” para que esses parques gerem lucros para as empresas. O da Jaqueira seria o de um polo gastronômico. Do parque Santana, esportes. No dona Lindu a sugestão é de um aquário (ou ocenário, como chamam). Para a Macaxeira, uma “estufa digital”, que seria, nas palavras da prefeitura, um “equipamento que conjugaria características de planetário e de uma arena voltada à prática de e-games e de outras atividades socioeducativas”.

Durante toda a audiência, o secretário-executivo Thiago Ribeiro insistia em citar dados e fazer comparações entre o Parque da Jaqueira e o Ibirapuera, em São Paulo. Não poderiam ser mais distantes. A Jaqueira tem apenas sete hectares, boa parte deles tomada por árvores e vegetação. Outra boa parte com pista de cooper, uma capela, academia da cidade e brinquedos para crianças de várias idades. O Ibirapuera tem uma área mais de 20 vezes maior: são 158 hectares.

Por várias vezes, o secretário falou da tal vocação da Jaqueira para um “pólo gourmet”. Não precisa ir muito à Jaqueira para saber que a construção de qualquer coisa ali significa o corte de árvores ou a retirada de vegetação. Questionado, ele despistou falando quenão há previsão de corte de árvores. Mas, se por um acaso for necessário, seriam compensadas em outro lugar.

Ainda que essa nova área gourmet seja construída em uma área de grama, significa retirar espaço das centenas de famílias que vão ao parque no fim de semana. A Jaqueira fica lotada nos domingos. É piquenique, é aniversário de criança e de adulto, é ensaio de fotos. São jovens fazendo coreografias dos últimos sucessos do Kpop ou das divas do pop. Casais deitados nos bancos. Crianças, adolescentes, adultos e idosos ocupando cada metro do parque para contemplar a natureza, conversar, passear, praticar esportes. 

A pressão por consumo que há ali é por uma água de coco. Uma garrafinha de água mineral a R$ 2 ou R$ 3. Pipoca, balas, doces. Tudo muito simples. As famílias levam seus próprios almoços e lanches em isopores e tupperwares. Nas festinhas, tudo é levado de casa: bolos, salgadinhos, refrigerante. É assim há décadas.

A professora do departamento de Ciência Florestal da Universidade Rural de Pernambuco Isabelle Meunier disse na audiência que sentiu falta de uma leitura do que seriam as áreas verdes do Recife. “Há um equívoco no edital, um erro básico. Recife não é a segunda cidade com a maior área verde do Brasil. Belo Horizonte, por exemplo, tem 70 parques, quase mil hectares. Recife tem poucos parques, muito pequenos, muito impermeabilizados. Parque urbano é categoria de área verde e o mais importante neles são as áreas verdes. Para que as pessoas usufruam disso é preciso suporte, sim, mas não precisa de espaço gourmet. Área verde é o contrário de consumo. É um espaço também para educação ambiental, vivenciar o local, o que o meio ambiente fornece”, afirmou

Um dos pontos em que a prefeitura mais tem batido é de que não haverá cobrança de ingresso para o que existe hoje. A empresa que assumir os parques não vai poder cobrar pela academia da cidade, ou pela pista de cooper, ou pelos brinquedos que hoje existem. Para a advogada Luana Varejão, que integra a equipe do vereador Ivan Moraes (Psol), isso não significa que não vai haver um distanciamento e uma segregação do público da periferia.

Ela questionou se aniversários e piqueniques vão continuar acontecendo quando o parque tiver um “pólo gastronômico gourmet”, garrafinha de água a R$ 7 ou um carrossel com entrada a R$ 30. O edital não prevê a regulamentação dos preços. Esse ponto era uma emenda de Ivan Moraes ao projeto de lei enviado pela prefeitura, mas ficou de fora da aprovação na Câmara de Vereadores. “A prefeitura está vendendo um ativo valioso para a cidade, para a população. Tenho certeza que existe benefícios para as empresas. Mas vai ter para a cidade do Recife? Para a população? A prefeitura precisa demonstrar melhor os benefícios que a cidade vai ter”, afirmou Varejão. 

Outro ponto levantado sobre a não gratuidade de atrações e novos equipamentos foi feita por Rodrigo Ataide. “Quando trabalhamos com experiências de lazer temos que levar em consideração que há novos gostos e desejos. E é por isso que as políticas públicas mudam. Não podemos dizer que só permanece gratuito o que já existe. As necessidades e problemas mudam e precisam ser revistas. Isso interfere não só no lazer comunitário, mas na saúde pública e isso é muito grave”, afirmou.

Um tema que mostrou como a prefeitura precisa se preparar muito mais para essas concessões é quando se falou sobre o cumprimento dos contratos. A prefeitura vai atuar como fiscalizadora das empresas, mas o único mecanismo que foi falado por Thiago Ribeiro é uma pesquisa de opinião. Se não tiver uma boa porcentagem de retornos positivos, a prefeitura pode aplicar uma multa. Mas não há detalhamento de como seria feita essa pesquisa, nem por quem. Na audiência, foi pedido que fossem criados conselhos para fiscalizar os parques.

A Prefeitura do Recife espera que os quatro parques atraiam R$ 550 milhões de investimentos nos 30 anos de concessão. Por ano, também deve receber R$ 820 mil de “aluguel”: é desse dinheiro que as empresas poderão pegar 75% e fazer seus projetos, caso aprovados pela prefeitura.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com