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Polícia investiga origem de uísque adulterado por metanol e quatro casos suspeitos em Pernambuco

Maria Carolina Santos / 01/10/2025
A foto mostra uma coletiva de imprensa em uma sala clara e simples. No centro, atrás de uma mesa de mármore, estão duas pessoas sentadas. À esquerda, um homem de barba, cabelo curto e óculos de grau. Ele veste terno preto, camisa branca e gravata escura. Ao lado dele, à direita, está uma mulher de cabelos curtos, castanhos claros. Ela usa óculos, veste roupa clara (blusa e calça brancas) e sandálias. Um crachá azul está pendurado em seu pescoço. Sobre a mesa, há microfones de imprensa, celulares e um caderno. Atrás deles, a parede tem logotipos do SUS e da Secretaria de Saúde de Pernambuco. À direita, três pessoas em pé observam e registram a coletiva com celulares.

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Apesar de oficialmente o Governo do Estado trabalhar com três casos suspeitos, mais uma pessoa pode ter consumido bebida envenenada com metanol em Pernambuco. Além das duas mortes notificadas à Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), uma terceira pessoa que estava bebendo com as outras vítimas teria sido levada para uma unidade de saúde em Lajedo, no agreste do estado, e falecido antes mesmo de ser levada para o Hospital Regional Mestre Vitalino, em Caruaru, onde as outras três vítimas foram atendidas – apenas um homem sobreviveu, perdendo a visão.

A informação foi repassada no final da manhã desta quarta-feira (1º de outubro) pelo delegado de Lajedo, Cledinaldo Orico, na sede da SES-PE, no Recife. “Nós fomos informados sobre a existência de outra pessoa que veio a falecer. Então, seriam três mortos, mas o hospital não notificou e pode ser que tenha havido alguma confusão nos depoimentos. Nós não sabemos ainda”, afirmou. De acordo com o delegado, as mortes ocorreram no início de setembro e a delegacia começou a investigar o caso rapidamente, inclusive com vítimas ainda hospitalizadas.

O Hospital Mestre Vitalino, no entanto, só notificou a SES-PE na tarde de ontem sobre a suspeita de intoxicação por metanol. De acordo com o delegado, amostras da bebida foram recolhidas na investigação no começo de setembro, mas o resultado ainda não ficou pronto e deve ser divulgado “em breve”.

“A esposa de uma das vítimas nos procurou e nos apresentou algumas garrafas de uísque, supostamente corrompidas. Então nós, de imediato, procedemos à oitiva dessa senhora enquanto o marido dela estava em estado grave no hospital, em Caruaru. De imediato, já requisitamos também a realização da perícia, tanto nos corpos dos atendidos, quanto também na bebida. Temos uma suspeita grande (sobre a intoxicação por metanol), mas ainda não temos certeza, porque a certeza depende da perícia técnica”, afirmou o delegado. “O esposo da mulher que procurou a delegacia veio a óbito. Ela também nos deu a notícia de outro homem que morreu, que até então não se suspeitava ter sido por intoxicação, mas que por conta da sequência de internamentos, gerou essa coincidência e foram feitas essas conexões”, disse, sobre a possível terceira morte suspeita.

Uma das linhas de investigação seguidas pela polícia aponta que uma das vítimas teria comprado uma quantidade de garrafas de uísque em um caminhão. “Ele teria comprado para revender, mas também consumiu com os amigos antes de um festival de rock em Lajedo. Uma linha informa que ele adquiriu isso de um caminhão na cidade de Belo Jardim, mas há a possibilidade dessa informação não ser verídica, então estamos checando”, disse o delegado, que não quis informar que outras linhas de investigação também estão sendo apuradas. Uma das vítimas era moradora da cidade de João Alfredo, distante quase 150 quilômetros de Lajedo.

Dessas pessoas que beberam a bebida, as duas que tiveram a morte notificada ontem à SES-PE foram dois homens, um de 30 anos e outro de 43 anos. O sobrevivente foi um cunhado de uma das vítimas, de 32 anos, que perdeu a visão dos dois olhos. A prefeitura de Lajedo também teria informado a morte de um homem de 25 anos, mas esta ainda não notificada oficialmente à SES-PE.

Para não atrapalhar as investigações, a polícia não informou a quantidade de garrafas compradas pela vítima, nem se já identificou o vendedor ou o local de onde o caminhão pegou as bebidas. O rótulo da bebida adulterada também não foi divulgado. O caminhão apontado pelo comprador teria como origem o estado de São Paulo.

“Nós também comunicamos aos outros órgãos policiais e à cadeia hierárquica, a fim de sabermos se no estado de Pernambuco há outros indivíduos também vitimados pela ingestão dessas substâncias, bem como também oficiamos à polícia de São Paulo para ver se há um elo comum entre as mortes ocorridas em São Paulo e os casos aqui em Pernambuco. As investigações estão apenas no início e a nossa preocupação é evitar que novas vítimas surjam”, disse Orico, afirmando que a Polícia Federal também já começou diligências em Pernambuco.

“Por ora, não temos ainda confirmação que se trata de uma mesma cadeia de fornecimento, com penetração em vários estados. Mesmo assim, a Polícia Federal, muito prudentemente, já se antecipou e já iniciou as suas investigações”, afirmou.

Diretora geral da Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa), Karla Baêta afirmou que só no final da tarde de ontem o hospital notificou a SES-PE sobre a possibilidade de duas mortes terem sido causadas por metanol. “Se não tem a notificação, não tem como a gente saber. Então, desde ontem, estamos nesse trabalho de iniciar a investigação epidemiológica sanitária, que é diferente da investigação policial”, disse.

“É uma perda de oportunidade um caso ter acontecido no início de setembro e a gente só ter ciência agora, quase no início de outubro. Quase 30 dias de lacuna. É perda de oportunidade, mas a gente só tem como saber se é notificado”, lamentou a diretora. “Por isso que eu faço realmente uma chamada para os profissionais de saúde, hospitais, rede pública ou privada, para que notifiquem, para que nos cientifiquem dessas ocorrências, para que possamos atuar oportunamente”.

Atendimento de casos suspeitos deve ser rápido

Os sintomas nas seis horas após o consumo de metanol não diferem dos de uma ressaca: letargia, sonolência, dor abdominal, ânsia de vômito, náusea, dor de cabeça. “O problema é que a partir das seis horas começa a aumentar o número de sintomas neurológicos e visuais. Ou seja, a pessoa já começa a ficar com hipotensão, já começa a também ter distúrbios de visão. É um alerta muito forte para procurar a unidade de saúde e relatar na anamnese (nas perguntas da consulta médica) o consumo da bebida. Isso é muito importante, porque facilita tanto para quem vai procurar a unidade de saúde, quanto para os profissionais que estejam alertas com relação a esses sintomas”, informou a diretora da Apevisa.

Atenção à origem das bebidas

A Apevisa está desde ontem atuando em três linhas: “uma primeira linha é realmente organizar com as vigilâncias sanitárias dos municípios o comércio de bebida alcoólica. Estamos em contato com a superintendência do Ministério da Agricultura aqui no estado de Pernambuco, que é responsável pelo registro das bebidas alcoólicas e o que deve acontecer é uma operação conjunta, entre a Apevisa, Ministério Público, Ministério da Agricultura, Delegacia do Consumidor e o Procon”, afirmou Karla Baêta.

Uma outra linha de atuação é junto aos serviços de saúde. “Os profissionais de saúde têm que estar em alerta para a detecção e tratamento oportuno para que a gente não tenha novos óbitos. Isso é de extrema importância. Nesse momento, que é um alerta nacional, sintomas que são compatíveis com intoxicação, que seria sintoma de embriaguez mais acentuado, já direcionam a necessidade de que as pessoas procurem a unidade de saúde e façam relato de que bebida foi consumida e onde foi adquirida, para que facilite o nosso trabalho”, afirmou.

Outro trabalho é junto aos consumidores e comerciantes. A diretora da Apevisa recomenda que as pessoas comprem bebidas alcoólicas apenas lacradas, com os selos do Ministério da Agricultura e em lugares confiáveis. Um ponto de atenção são as bebidas vendidas nas praias, como drinks, que já chegam ao consumidor nos copos. “É um trabalho junto aos comerciantes, para que comprem as bebidas apenas de fornecedores idôneos. Bebidas que estejam dentro da legalidade, tanto do ponto de vista do Ministério da Agricultura, quanto da vigilância sanitária”, afirmou.

Karla Baêta, da Apevisa, afirmou que atraso na notificação foi “oportunidade perdida”

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org