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Policial expulsa por denunciar abusos e pedir ajuda psicológica é absolvida pela Justiça Militar

Giovanna Carneiro / 15/04/2025
Na foto, uma mulher em uniforme militar sorri enquanto segura um buquê de flores coloridas em frente ao rosto. O buquê tem flores vermelhas, brancas e rosas. Ela usa um uniforme com insígnias e um crachá com o nome “VIRGÍNIA”. No braço, há um brasão do estado de Pernambuco. A mulher carrega uma bolsa de couro escuro no ombro. Ao fundo, há um carro da polícia e outro veículo comum, estacionados em um pátio de paralelepípedos.

Crédito: acervo pessoal

Em uma decisão histórica, a Vara da Justiça Militar de Pernambuco reconheceu que a policial militar e advogada Mirella Virgínia não cometeu nenhum crime ao publicar um vídeo em que denunciava abusos e pedia ajuda após desenvolver um quadro de adoecimento psíquico durante sua atuação na Polícia Militar. O julgamento, realizado de forma online com a participação do Ministério Público, encerra um processo que se arrastava desde 2021 e marca uma vitória simbólica e judicial para Mirella, que lutava pelo reconhecimento das violações que sofreu.

A militar foi expulsa da PMPE em setembro de 2023, dois anos após publicar um vídeo em que, visivelmente abalada e sob efeito de medicamentos, pedia ajuda à cúpula da Polícia Militar e à Corregedoria da Secretaria de Defesa Social. No vídeo de 20 minutos, gravado em setembro de 2021, Mirella detalhava o processo de adoecimento psicológico causado pelas condições de trabalho na corporação, relatando crises de ansiedade e depressão.

“Eu só pedi ajuda. Fui tratada como criminosa por expor o que estava me adoecendo. Isso não é justiça, é silenciamento”, declarou Mirella na época de sua expulsão, quando foi incluída em uma lista com policiais afastados por crimes graves, como homicídio e roubo — mesmo sem nunca ter respondido por qualquer infração penal.

Durante sua trajetória, Mirella abriu diversos protocolos na Corregedoria da Secretaria de Defesa Social denunciando abusos de poder, assédio moral, sexual e perseguições. Contudo, os processos foram ignorados ou arquivados. Em busca de reparação, ela entrou com dois recursos administrativos contestando sua expulsão — um direcionado à Secretaria de Defesa Social e outro ao Governo de Pernambuco.

Graças à pressão de organizações de direitos humanos e ao apoio do Conselho Nacional de Direitos Humanos o caso tomou outro rumo. Em outubro de 2023, a governadora Raquel Lyra anulou oficialmente a expulsão da policial e determinou sua reintegração ao quadro da PMPE. Devido ao diagnóstico de estresse pós-traumático, a policial militar foi encaminhada à reserva.

Mesmo após a reintegração, Mirella continuou em busca de justiça. Para ela, era fundamental que seu caso servisse de exemplo e alerta para a forma como a saúde mental dos profissionais da segurança pública é tratada e também para expor o abuso contra as mulheres. Agora, quase dois anos após a sua expulsão, a reparação tão almejada por Mirella finalmente aconteceu.

“A decisão foi publicada recentemente. Juridicamente estamos aguardando o trânsito em julgado, que é o momento em que não cabe mais recurso. Assim, a decisão não poderá mais ser mudada, tornando-se definitiva e gerando seus efeitos. Isso deve ocorrer nos próximos dias”, explicou Rafael Caldeira, advogado representante de Mirella.

“Nesse processo, não se falou em reparação. Ele serviu apenas para apurar se houve o cometimento de algum crime por parte de Mirella, e ficou determinado que não houve”, concluiu o advogado.

Na decisão da ação penal militar, o Conselho Permanente de Justiça absolveu Mirella Virgínia por unanimidade e reconheceu que ela não cometeu nenhuma infração penal, portanto, não deveria ter sido penalizada nem expulsa da corporação.

“Todos os juízes militares se desculparam”

Em entrevista à Marco Zero, a PM contou como foi a audiência:

“Por volta das nove horas da manhã, a gente entrou na sala de audiência onde o meu caso seria julgado por quatro juízes da Polícia Militar de Pernambuco e um juiz togado. Todos eles formavam um conselho de Justiça que iria sentenciar se o meu caso tinha sido um caso de crime militar ou se eu realmente era vítima do assédio sexual e moral que eu tinha denunciado.

Foram mais de cinco horas de debate sobre tudo e foi infinitamente emocionante para mim, porque o Ministério Público iniciou a audiência levantando a tese de que eu fui vítima do assédio sexual e moral ao longo da minha carreira, desde 2018, na Polícia. E o representante do Ministério Público afirmou para os juízes militares que eles deveriam olhar para o meu caso como um caso que não deve ser seguido, porque eu merecia uma reparação por tudo que eu sofri, porque nos autos estava comprovado que eu era vítima e que eu vinha sendo vítima há muitos anos.

E todos os juízes militares se desculparam. Foi emocionante, porque eles reconheceram que eu fui vítima e que eu não sou culpada, nunca fui culpada. Eu fui vítima de um processo administrativo e um processo judicial militar por ser vítima, por ter sofrido a violência. Os juízes militares se solidarizaram comigo e extinguiram o processo, tendo como premissa de que eu era vítima e de que eu merecia ser reparada.

Nos debates finais todos afirmaram que tudo aquilo que aconteceu comigo precisava ser resolvido para que não acontecesse com outras pessoas, outras mulheres. E assim findou, com minha honra limpa e lavada, e com um pedido do Ministério Público reforçando o comprometimento dos juízes militares em pensar numa política pública baseada no meu caso para que isso não aconteça com mais nenhuma policial militar feminina”.

AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.