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Crédito: Divulgação
por Jorge Cavalcanti*
Está em curso um conflito violento num cartão postal de Pernambuco, no litoral sul do estado, e um dos destinos turísticos mais procurados do Brasil. De um lado, a família Fragoso, que alega ser proprietária de 70% dos terrenos do Pontal de Maracaípe, uma área de mangue e ponto de encontro do rio Maracaípe com o mar. Do outro, ambulantes, barraqueiros e nativos, que reivindicam condições de trabalho na praia.
A recente construção de um muro feito de troncos de coqueiro na faixa de areia, demarcando o que o empresário João Vita Fragoso de Medeiros argumenta ser os limites da sua propriedade, foi o estopim do embate, numa relação historicamente marcada por momentos de discussões, e que agora vive um novo capítulo. O clima é de tensão e medo.
Na quarta-feira, 24 de maio, homens e máquinas trabalharam para abrir valas, transportar e fixar os troncos entrincheirados. Um dia depois, trabalhadores e moradores de Ipojuca interditaram a via que dá acesso rodoviário ao Pontal de Maracaípe, exigindo a retirada do muro, que, na maré alta, estaria impedindo a travessia para o trecho mais próximo ao rio e o transporte de barracas e carrinhos pela areia fofa.
A Guarda Municipal e a Polícia Militar intervieram, com repressão do Gati (Grupo de Apoio Tático Itinerante). Um barraqueiro foi ferido na cabeça.
Ainda na quinta-feira (25), à noite, um incêndio provocado destruiu duas barracas localizadas no pontal. Em entrevista ao Bom dia Pernambuco, da Globo, Rafaela Carla da Silva contou que perdeu tudo o que tinha de material de trabalho, num prejuízo de mais de R$ 30 mil, após ter investido em cadeiras, mesa e guarda-sóis. Ela registrou boletim de ocorrência.
À emissora, o empresário João Fragoso negou envolvimento com o incêndio. Ressaltou que possui, inclusive, autorização da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) para a obra de construção do muro. A reportagem da Marco Zero Conteúdo entrou em contato com ele solicitando uma entrevista por telefone. Recebeu como resposta a mensagem: “Estou me recuperando de uma cirurgia, mas posso lhe receber em minha casa, em Aldeia.”
Outra manifestação foi feita depois pelos barraqueiros, para buscar a abertura de uma mesa de negociação com mediação da prefeitura de Ipojuca. Na segunda-feira (29), o secretário Erivelto Lacerda, de Meio Ambiente e Controle Urbano de Ipojuca, recebeu um grupo para reunião. Ao final, a assessoria divulgou nota em que diz que está “ciente de que a questão foge de sua competência, tendo em vista tratar-se de propriedade privada, cuja discussão se encontra judicializada”.
Num vídeo postado no perfil do Instagram do Haras Maracaípe, empreendimento da família, Marcílio Fragoso Filho, irmão mais novo de João Fragoso, diz que seu pai, já falecido, tornou-se dono de terras na década de 1970. “Nós somos detentores de uma base de 70% de Maracaípe, com posse mansa pacífica e papel, escrituras que denominam, num país capitalista, quem é dono é quem não é”, diz ele.
O termo “posse mansa pacífica” designa uma das exigências para o usucapião de um bem, quando alguém utiliza uma área sem que ninguém reclame judicialmente a propriedade por um período determinado. “O Pontal de Maracaípe tem dono, sim. Os mais velhos sabem dizer, com certeza, que o Pontal de Maracaípe era de meu pai, Marcílio Fragoso”, afirma ele.
Noutro vídeo, postado no Facebook em abril do ano passado, Marcílio Filho aparece discutindo com um barraqueiro que faz a gravação para mostrar o terreno demarcado por cerca de arame farpado. Em determinado momento, Marcílio puxa da cintura um revólver e o exibe ao barraqueiro Carlos Roberto da Silva, conhecido como Betinho. “Vem aqui para dentro”, diz ele. “Ameaça eu aqui fora. Isso aqui vai para a rede social”, responde Betinho.
No meio do conflito entre família Fragoso e barraqueiros e ambulantes está a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), que, de fato, autorizou a obra. Depois da interdição da via que dá acesso ao Pontal de Maracaípe, o órgão enviou equipe para vistoriar o local. “A fiscalização apontou que não houve supressão de restinga, como também a obra de contenção marítima está em conformidade com autorização emitida pela Diretoria de Licenciamento Ambiental, com validade até julho de 2023.”
Acontece que o Ministério Público de Pernambuco começou a acompanhar o caso depois das manifestações. O promotor Eduardo Leal dos Santos enviou à CPRH ofício requisitando informações detalhadas sobre “os estudos realizados, as condicionantes estabelecidas e as medidas de mitigação adotadas para minimizar os impactos ambientais”. O promotor destacou que é importante considerar aspectos como a “delimitação da faixa de servidão ambiental, que é a área de proteção permanente junto à costa”. A agência ainda não respondeu ao MPPE.
Chama-se Marcílio Fragoso de Medeiros a PE-09, que liga Porto de Galinhas e Maracaípe. O projeto de lei que batizou assim a estrada foi aprovado pela Assembleia Legislativa em 2009, por proposição do deputado Alberto Feitosa (PL). Além de influência em Maracaípe, a família Fragoso circulou com desenvoltura também no governo Bolsonaro, com o empresário João Fragoso ocupando o cargo de gerente jurídico na Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo). Nos bastidores, fala-se que ele se dedicou a buscar atrair para a área onde possui terras empreendimentos de grupos estrangeiros.
Outra atividade conhecida da família na região é a criação de cavalos da raça mangalarga marchador. O valor de um bom exemplar da espécie pode passar dos R$ 10 milhões. Em agosto de 2020, João Fragoso doou dois animais à então primeira-dama Michelle Bolsonaro, que os repassou ao projeto Pátria Voluntária, tocado por ela para atender crianças.
*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã.
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