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crédito: Arnaldo Sete / Marco Zero
Cultivo, extração, embalagem e comercialização. A Marco Zero vai te levar, nesta reportagem, para conhecer todos os detalhes da produção do óleo medicinal de cannabis – (nome científico do gênero de plantas mais conhecidas como maconha) dentro de um laboratório especializado. Quem abriu as portas para a gente foi a Aliança Medicinal, uma das quatro associações do Brasil com autorização na Justiça para este fim, a única em Pernambuco.
O laboratório da Aliança Medicinal, uma entidade sem fins lucrativos criada em 2020, fica em Olinda, na Região Metropolitana do Recife. Seguindo todas as exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que é o órgão federal regulador, a associação distribui para todo o país, pelos Correios, e conta com apoio jurídico para assegurar o direito ao uso pelos associados.
A história da Aliança começou com a luta da presidente, Hélida Lacerda, que conseguiu na Justiça autorização para plantio da cannabis e produção do óleo para ajudar no tratamento do filho, que chegou a sofrer 80 convulsões por dia. A produção individual começou na garagem de casa, após várias parcerias, expandiu-se, beneficiando mais gente.
No imóvel da associação em Olinda, de mil metros quadrados, sendo 20 m² de área produtiva, estão instalados cinco contêineres, onde é feito o cultivo da planta — para cada contêiner, uma fase de desenvolvimento, do berçário à floração. Além disso, no local existem um laboratório de extração, uma área de diluição e envase e o escritório administrativo.
A Aliança tem aproximadamente 3 mil associados e conta com aproximadamente 30 colaboradores, entre médicos prescritores parceiros, farmacêuticos, comunicação, logística e manutenção. Essas pessoas atuam para levar o óleo de cannabis a pacientes que têm, por exemplo, Parkinson, Alzheimer, epilepsia, dores crônicas, insônia, depressão e ansiedade.
Em agosto, os desembargadores da 5ª turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF_5) confirmou a decisão liminar para que a associação siga cultivando, fabricando e dispensando o óleo medicinal (saiba mais sobre a decisão no final da matéria).
Confira o vídeo que mostra todas as etapas do processo produtivo da Aliança Medicinal:
O processo de produção do óleo medicinal de cannabis começa com o cultivo das mudas dentro do contêiner que funciona como “berçário”. Cada muda tem seu vaso e é cultivada em terra com nutrientes adequados, em um ambiente com luminosidade e temperatura controladas. Quando começam a crescer e “tomar corpo”, são transplantadas para outro ambiente, o contêiner de desenvolvimento.
Nele, acontece a primeira de duas fases de desenvolvimento, que é crescimento vegetativo da planta, para que a planta estruture-se e consiga chegar à segunda etapa, a de floração (ou fase reprodutiva), já em outro contêiner.
Nessa etapa, as plantas estão já bem grandes. Todas elas são fêmeas, as únicas que produzem os insumos para o óleo. É nas flores que estão os fitocanabinóides. Existem mais de 100 tipos de fitocanabinóides catalogados, os mais conhecidos são CBD (canabidiol) e THC (tetrahidrocanabinol), moléculas responsáveis pelas propriedades terapêuticas da maconha.
“O intuito, nos contêineres, é simular o ambiente natural da planta em sua melhor condição”, explica Ricardo Hazin, engenheiro agrônomo e diretor executivo da Aliança Medicinal. Para isso, além do sistema de iluminação, há sistemas de ventilação, refrigeração e exaustão adaptados para cada fase. Esse cultivo indoor (dentro de contêineres) foi idealizado e desenvolvido por Ricardo.
Segundo ele, o maior propósito da Aliança Medicinal é conseguir, através da cannabis, ajudar a quebrar o monopólio da indústria farmacêutica oferecendo alternativas para quem precisa.
“O sistema de exaustão é necessário para que as plantas não morram ‘asfixiadas’ por oxigênio no ambiente fechado. Isso porque elas captam o gás carbônico do ambiente e expiram o oxigênio. Então os exaustores fazem essa troca do ar, colocando o O2 para fora e o CO2 para dentro”, detalha o diretor.
O que vemos como luzes amarelas são, na verdade, luzes de espectro vermelho, o mais adequado para o desenvolvimento das flores. A nutrição, por sua vez, é feita por irrigação através de canos num sistema semi-hidropônico (técnica de plantio sem solo, onde as raízes recebem uma solução nutritiva balanceada que contém água e todos os nutrientes essenciais).
É nas flores desenvolvidas que se encontram os tricomas, semelhantes a “cristais”, numa comparação simples. Os tricomas contêm glândulas secretoras que produzem uma resina. É dela que vem o sabor, o aroma e os compostos como canabinoides, flavonoides e terpenos, as matérias-primas do medicamento. Essa resina, pegajosa, exala um cheiro agradável que toma conta do contêiner.
“Com as plantas nesse estágio, elas estarão prontas para serem colhidas uma semana depois, segundo o nosso calendário”, calcula Ricardo.
As flores já secas e embaladas a vácuo são depois reunidas num cesto de inox especial para imersão numa extratora, no álcool a 90%, a uma temperatura de -30º C. Essa solução de álcool com tricomas passa então por um processo de filtragem e destilação num rotaevaporador de modo que, ao final, reste somente o extrato concentrado.
Tudo isso acontece num sistema fechado e automatizado, para que se consiga manter os flavonoides, terpenos e fitocanabinoides do extrato. O resíduo das flores, após esse processo, é reunido e coletado por uma empresa de incineração.
O extrato segue daí para a diluição de acordo com a proporção que se deseja, ideal para cada paciente segundo a prescrição médica. O óleo resultante pode ter diferentes concentrações, ser de CDB, THC ou misto, quando reúne os dois. Por fim, o óleo é envasado e segue para comercialização.
Em julgamento realizado em agosto, a 5ª Turma do TRF-5 confirmou, por unanimidade, a decisão liminar da desembargadora Joana Carolina Lins Pereira, proferida em março, mantendo a autorização para a Associação Aliança Medicinal cultivar, fabricar e dispensar o óleo medicinal da planta da maconha.
Votaram a favor do trabalho desenvolvido pela Aliança, além da própria relatora, o desembargador Franciso Alves dos Santos Júnior e a desembargadora Cibele Benevides Guedes da Fonseca.
“Com esta decisão, a Aliança terá mais tranquilidade para desenvolver seu trabalho, já que a desembargadora havia concedido a liminar sozinha. Agora, como os outros desembargadores concordaram com ela, é um reconhecimento da seriedade, boa-fé e estrutura da associação”, avaliou o advogado da Aliança, Rafael Asfora, em comunicado à imprensa.
Na avaliação de Ricardo Hazin, o judiciário brasileiro está “mais empático” com a necessidade das pessoas que precisam do óleo medicinal, e vem tentando construir um caminho para que elas consigam, de fato, ter acesso a essas ferramentas de melhoria na sua qualidade de vida. “A vida e a ciência venceram mais uma vez”, lembrou.
Ricardo explica que o sistema endocanabinoide é diferente para cada indivíduo. Por isso o canabinoide que será usado e a dosagem do óleo precisam ser ideais para cada pessoa. Daí a importância da prescrição e do acompanhamento médico. Para comprar o óleo produzido pela Aliança Medicinal, é preciso ser associado. No site, é possível obter todas as informações. A associação também indica uma lista de médicos prescritores.
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Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com