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Procurador do MPT afirma que MP da liberdade econômica não pode mudar a CLT

Mariama Correia / 19/08/2019

Márcio Amazonas, procurador do MPT (Reprodução internet)

A medida provisória (MP 881/2019), conhecida como a MP da liberdade econômica, não pode ser usada para mexer na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), avalia o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Márcio Amazonas. Aprovada pela Câmara dos Deputados, a proposta que promete simplificar o ambiente de negócios no país será discutida no Senado nesta terça-feira (20).

A intenção inicial era incentivar o livre mercado desburocratizando questões como a criação de pequenas empresas, que seriam isentas de alvará de funcionamento, por exemplo. O governo avalia que o conjunto de medidas tem potencial de gerar 3,7 milhões de empregos em dez anos. Mas o texto está sendo apelidado de “minirreforma trabalhista” por tirar direitos dos trabalhadores. A mudança mais polêmica é o fim do repouso remunerado aos domingos, que passaria a ser concedido obrigatoriamente apenas de quatro em quatro semanas. MARCO_ZERO_HORA_DE_ASSINAR_BANNER “Qualquer alteração da CLT tem que ser feita à parte”, adverte o procurador do MPT.  “Aprovem outra reforma trabalhista, não se pode pegar carona numa MP de liberdade econômica”, critica. Márcio Amazonas lembra que o MPT e entidades que defendem os direitos trabalhistas atuaram para subtrair os pontos mais controversos desde o início da sua tramitação. Originalmente, o intervalo para a folga remunerada aos domingos seria a cada sete semanas. Foi reduzido para quatro. Também foi retirado o ponto que fragilizava a fiscalização do trabalho. Os Termos de Ajuste de Conduta (TAC) para empresas que ferem direitos dos trabalhadores são firmados tanto pelo MPT, quanto pelo ministério da Economia. Com a mudança, os termos firmados pelo Governo Federal teriam precedência sobre os TACs do Ministério Público.

Para explicar, Amazonas faz uma analogia:

“Os direitos trabalhistas são como um prédio. A jornada de trabalho é um fundamento, o descanso remunerado, um andar. Mas a fiscalização do trabalho é um pilar. Se você atingir um pilar, causa uma ruptura no sistema, uma rachadura nos pilares que seguram os direitos sociais no país.” Mesmo desidratada, a MP da liberdade econômica passou para o Senado com pontos polêmicos e vários dispositivos que suprimem direitos dos trabalhadores.

Além das folgas aos domingos, o texto elimina a obrigatoriedade do registro de horários de entrada e saída do trabalho para empresas com mais de 20 funcionários. Atualmente a norma vale a partir de dez trabalhadores. Outra mudança é a carteira de trabalho eletrônica. As emissões em papel serão feitas de forma excepcional.

O texto contém dispositivos que reduzem direitos sociais, na avaliação do procurador. Márcio Amazonas avalia que, por isso, a MP da liberdade econômica fere o princípio jurídico de pertinência temática, o que inviabiliza sua tramitação. “Respeitando limites constitucionais é possível fazer mudanças nos direitos trabalhistas, mas não em uma MP que trata de outras questões”, frisa. “O que estão fazendo com a MP da liberdade econômica é o que o STF chama de contrabando legislativo, os famosos ‘jabutis’”, argumenta.

A MP da liberdade econômica é mais uma das propostas em tramitação com o potencial de mudar a realidade dos trabalhadores brasileiros, aponta o procurador. O futuro das aposentadorias deve ser definido até o final de setembro, quando o Senado votar a reforma da Previdência. Vale lembrar que em 2017, a partir da aprovação da reforma trabalhista, o ambiente de trabalho no Brasil já passou por uma transformação profunda, quando várias regras da CLT foram alteradas sob a premissa de geração de empregos. Anos depois, com o desemprego atingindo 12,8 milhões de trabalhadores no segundo trimestre deste ano (era 13,2 milhões na média de 2017), uma taxa média de aproximadamente 12%, praticamente igual ao mesmo período do ano passado, é questionável se a reforma trouxe avanços ou apenas precarizou as relações de trabalho.

Entenda algumas mudanças propostas pela MP da liberdade econômica

Com informações da Agência Brasil

Trabalho aos domingos

  • A folga semanal de 24 horas do trabalhador pode ser em outros dias da semana, desde que o empregado folgue um em cada quatro domingos.

​Carteira de trabalho eletrônica

  • Emissão de novas carteiras de Trabalho pela Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia ocorrerá “preferencialmente” em meio eletrônico, com o número do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) como identificação única do empregado. As carteiras continuarão a ser impressas em papel, apenas em caráter excepcional.

Registro de ponto

  • Registro dos horários de entrada e saída do trabalho passa a ser obrigatório somente para empresas com mais de 20 funcionários, o dobro do atual número mínimo de 10 empregados.

Alvará

  • Atividades de baixo risco, como a maioria dos pequenos comércios, não exigirão mais alvará de funcionamento.

Fim do e-Social

  • O Sistema de Escrituração Digital de Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (e-Social), que unifica o envio de dados de trabalhadores e de empregadores, será substituído por um sistema mais simples, de informações digitais de obrigações previdenciárias e trabalhistas.

Abuso regulatório

A MP cria a figura do abuso regulatório nas seguintes situações:

  • criação de reservas de mercado para favorecer um grupo econômico;
  • criação de barreiras à entrada de competidores nacionais ou estrangeiros em um mercado;
  • exigência de especificações técnicas desnecessárias para determinada atividade;
  • criação de demanda artificial ou forçada de produtos e serviços, inclusive “cartórios, registros ou cadastros”;
  • barreiras à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades não proibidas por lei federal.

Desconsideração da personalidade jurídica

  • Proibição de cobrança de bens de outra empresa do mesmo grupo econômico para saldar dívidas de uma empresa;
  • Patrimônio de sócios, associados, instituidores ou administradores de uma empresa será separado do patrimônio da empresa em caso de falência ou execução de dívidas;
  • Somente em casos de intenção clara de fraude sócios poderão ter patrimônio pessoal usado para indenizações.

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).