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Punição aos clubes é gol contra da governadora

Marco Zero Conteúdo / 03/02/2025
A imagem mostra a governadora Raquel Lyra em uma reunião em uma sala de conferências. Há várias pessoas sentadas ao redor de uma mesa em formato de U, com Raquel Lyra ao centro, à esquerda da foto. Na mesa, há microfones, copos de água, xícaras de café e alguns papéis. Na parede ao fundo, há uma grande tela dividida em várias seções, exibindo imagens de câmeras de segurança ou monitoramento.

Crédito: Hesíodo Góes/Secom

por Ivan Moraes Filho*

Como aconteceu com todo mundo que gosta de gente ou de futebol (ou, no meu caso, as duas coisas), as imagens que circularam pelos grupos de zap no Recife neste domingo pela manhã bateram forte no meu juízo. Torcedor do Sport que sou, me feriram muito mais do que o gol do Santa Cruz que nos trouxe a derrota no clássico, que já estava perdido antes de começar.

A tragicomédia não é nova. Nem em seu roteiro, nem nos atores, nem na fotografia. Um drama que se reprisa há temporadas demais, enquanto praticamente não se veem movimentos sérios que evitem o seu acontecimento. As cenas são tão batidas e horripilantes que eu, avesso a filmes de terror, evito até assistir.

Pois, enquanto uma dúzia de pessoas foi levada ao hospital (três aparentemente continuam lá), a sequência de vacilos de quem tem a responsabilidade de cuidar da segurança pública ia ficando conhecida.

Que a Polícia Civil já havia, anteriormente, identificado pessoas marcando brigas através de mídias sociais, inclusive com relatos de confecção de armas artesanais, determinando hora e lugar para os confrontos.

Que uma das torcidas organizadas, inclusive, havia enviado um ofício às autoridades informando por onde seria feito todo o fluxo de passagem de seus associados, na intenção de facilitar o trabalho do poder público.

Que, mesmo escoltadas pela PM, as torcidas acabaram se encontrando no meio do caminho, essa, para mim, uma das cenas mais inexplicáveis de toda essa chanchada torpe.

E que só perde mesmo para o gran finale, na brilhante ideia de uma governadora que entende conveniente “punir” os dois clubes com cinco jogos de portões fechados. Ou seja, o governo vacilou em prevenir episódios de violência sobre os quais já estava informado e, como resposta “à sociedade”, entende que faz sentido punir as agremiações que se apresentavam para jogar a cerca de 5 quilômetros de onde a barbárie acontecia. Como se diz no jargão (que não é do futebol) quando se toma uma medida ineficiente apenas para afirmar que não está inerte: “jogou para a torcida”.

Que se diga: esta “responsabilização” afeta gravemente a economia do futebol e, como se direciona apenas para os estádios (onde episódios de violência são bem mais raros), não atinge o foco do problema. Será tão (ou menos) eficiente que outras medidas que já se tomaram e que tinham como foco também as arquibancadas: proibir camisas de organizadas, proibir bandeiras, proibir bandas, proibir a venda de bebidas alcoólicas. Tudo isso só não é mais incoerente que a iniciativa de se cancelar os CNPJs de algumas torcidas.

Dessa vez, vou evitar falar de questões mais profundas, que não se resolvem da noite para o dia. Masculinidade tóxica, exclusão social, autoafirmação pela violência, comportamento de manada… vamos fazer de conta que isso tudo não existe. Até porque Dona Maria, que nem de futebol gosta, tem todo o direito de querer ir comprar suas cebolas no mercado em dia de jogo sem ter que se preocupar com a cor da camisa que está vestindo.

No tempo mais curto, algumas respostas podem estar em dois termos mágicos: ação com inteligência e responsabilização individual. Porque, assim, marcar briga e ameaçar o adversário já são delitos no Brasil (artigos 137, 147 e 287 do Código Penal). Se a própria polícia sabia quem estava marcando de trocar tapa e pedrada, por que não foi buscar essa rapaziada em casa antes mesmo que tudo isso acontecesse? Por que não infiltra agentes em organizações criminosas que utilizam o futebol para que, aos poucos, possa responsabilizar os mandantes de atos violentos? Sempre vale lembrar que crimes são praticados por pessoas. E são as pessoas, cada uma com seu próprio CPF, que devem responder pelo que fazem ou deixam de fazer.

É bem verdade que o futebol, assim como todo esporte, não é “bom” ou “ruim” por essência. A mesma manifestação cultural que é alegria e comunhão, que une pessoas diversas, que pode visibilizar importantes causas sociais e que muitas vezes mobiliza gente para fazer o bem, pode sim, se mal cuidada, servir de instrumento e narrativa para justificar tudo o que não presta. Ao criminalizar torcidas inteiras e os próprios clubes, em vez de assumir as mancadas que seu governo deu, a governadora não mostra o rigor que talvez pretendesse: apenas destaca que está mal informada e despreparada para atuar nesta área. Dessa vez, a violência venceu de goleada.

*Ivan Moraes Filho é jornalista e ex-vereador do Recife pelo PSOL

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Marco Zero Conteúdo

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