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Crédito: Wikimedia Commons/Romerito Pontes
´por Adriana Amâncio*
Quase quatro anos depois do segundo maior desastre industrial do século, milhares de famílias de Minas Gerais impactadas ainda têm de consumir água contaminada pelo rompimento da barragem de Brumadinho. Além de matar 270 pessoas, sem contar outras 46 ainda desaparecidas, vários desaparecidos, os 12 milhões de m³ de rejeitos contaminaram o rio Paraopeba, principal fonte de sobrevivência da população de, pelo menos, 35 municípios.
Hoje, a água potável para essas famílias é distribuída pela mineradora Vale S.A (antiga Companhia Vale do Rio Doce) ou pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). No entanto,como o acesso a essas águas é irregular, muitas famílias têm usado o contaminado Paraopeba para tomar banho, criar animais, lavar roupas, louças e pescar.
Logo após o rompimento da barragem, a Vale se comprometeu a distribuir água e ração animal para a população atingida. No entanto, para serem considerados elegíveis a receber água, as famílias teriam que, antes do rompimento, fazer captação direto da água do rio Paraopeba, independente da distância, ou possuir poços artesianos até 100 metros da margem do rio. Na prática, esse critério não tem sido aplicado para todos os atingidos, segundo relatos dos moradores.
A pescadora Eliana Marques, que mora na comunidade rural Cachoeira do Choro, em Curvelo, a 171 quilômetros de Belo Horizonte, por exemplo, afirma que “antes do rompimento, captava água do rio para criar animais e plantar. Logo após o rompimento ela passou a receber a água, mas alguns meses depois, em dezembro de 2021, o fornecimento foi interrompido.”
Hoje, a pescadora conta apenas com água da Copasa, que, segundo ela, cujo fornecimento é interrompido frequentemente. No fim de outubro, foram seis dias seguidos sem uma gota nas torneiras, conta. “Sempre falta água, a desculpa é a bomba. Eu precisei usar a água do rio, mesmo contaminada, para lavar louças, roupas e limpar a casa. É o jeito!”
Análises do Instituto Guaicuy, uma das organizações elencadas para assessorar os atingidos, detectaram substâncias como manganês e alumínio em proporções até seis vezes acima dos níveis permitidos. Com base nesses dados, o Instituto Mineiro de Gestão de Águas (Igam) proibiu o uso da água do rio para qualquer finalidade.
A contaminação também atingiu os peixes. De acordo com outra pesquisa do Guaicuy, há a presença de arsênio, bário, chumbo, mercúrio e outras substâncias em níveis acima do permitido. Foram analisadas 396 amostras, sendo 228 do filé e 168 do fígado. No filé dos peixes, as alterações foram encontradas em três de cada dez amostras. No fígado o resultado é mais preocupante: nove de cada dez amostras estavam alteradas. O consumo do peixe permanece não recomendado pelas autoridades de saúde do estado.
De acordo com o Coordenador de Análises Ambientais do Instituto Guaicuy, Bernardo Beirão, mensurar o impacto do contato com a água contaminada na saúde está condicionada a uma série de condições. “Depende da forma como a pessoa consome, quais elementos, a quantidade de vezes, se tem alguma predisposição no corpo da pessoa. Alguns desses elementos são importantes para o funcionamento do organismo, mas se forem consumidos acima do permitido, podem causar intoxicação. O fato é que há uma resolução que determina os níveis permitidos, que foram ultrapassados em todas essas analises”, afirma.
A pescadora Elizabeth de Fátima Cordeiro, conhecida como Betinha, mora no assentamento Queima Fogo, área rural de Pompeu, outro município atingido pelo desastre ambiental, a 174 quilômetros da capital mineira. No local, segundo ela, vivem cerca de 50 famílias, todas sem acesso à água potável da Vale. As únicas fontes de água disponíveis são algumas cisternas e poços com pouca vazão e água contaminada.
“No início do rompimento, a Vale veio e fez um acordo com a comunidade e a prefeitura que ia por água em todas as casas. Nós temos três poços furados, já temos bomba nos poços, tem água, tem energia, mas não chega água nas nossas casas. Tem três anos a gente bebe água ruim, vive mal. Dia 30 de julho eles deram uma entrevista dizendo que ia por água e nada. Com pouca água e sem qualidade, não conseguimos plantar e nem criar animal. A prefeitura fornece alguma ajuda, mas tem que ir lá lutar pra trazer”, explica a agricultora”, afirma.
As análises nas águas subterrâneas também constataram contaminação. De 122 amostras de águas analisadas na área IV (que inclui os municípios de Curvelo e Pompeu), 58, o equivalente a 46% do total, estavam com alterações em relação aos níveis permitidos pela resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que tratam do tema, como as de número 396 e 420.
Na análise, o Instituto Guaicuy considera importante que “a Vale forneça as medidas emergenciais independente da distância de 100 metros, pois as pesquisas não levaram em conta a questão espacial”, diz um trecho da nota. “A Vale criou um critério para distribuição de água e não cumpre. Há comunidades que usam água de poços a menos de 100 metros, mas não recebem. Essas famílias tinham uma relação histórica com o rio e, hoje, não têm acesso a itens básicos como água e alimento. Elas precisam de ajuda. A Vale precisa garantir a distribuição de água para essas famílias”, conclui Bernardo.
A nossa reportagem consultou a Vale sobre os critérios para distribuição de água potável. Por e-mail, a empresa respondeu que “são elegíveis as famílias que faziam captação de água diretamente no rio Paraopeba, independentemente da distância do rio, além daquelas que tinham poços artesianos ou cisternas até 100 metros da margem do rio Paraopeba.”
O texto ainda afirma que “todos os moradores elegíveis de Curvelo e outros 15 municípios impactados recebem, desde 2019, água mineral e água potável nas quantidades que necessitam.” Por fim, a assessoria assegurou que “as definições da área de abrangência e desses critérios foram baseadas em nota técnica do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).” A empresa não esclareceu os casos nos quais moradores alegam estarem enquadrados nos critérios e, ainda assim, não terem acesso à água emergencial, apesar desse esclarecimento ter sido solicitado.
*Jornalista, mora em Recife, tem 12 anos de atuação na cobertura de pautas nas áreas de direitos humanos, meio ambiente e gênero.
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