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Quatro dos sete deputados que comandam a Alepe já responderam a processos por improbidade administrativa

Mariama Correia / 18/02/2019

Mesa Diretora da Alepe (Foto: Alepe)

Quatro dos sete parlamentares que vão comandar os trabalhos da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) pelos próximos dois anos já responderam a processos por improbidade administrativa. Nesta lista estão o presidente e o primeiro secretário da Mesa Diretora, eleita no começo deste ano para o biênio 2019-2020. São os dois cargos que aglutinam maior poder de decisão sobre a condução dos trabalhos e a execução do orçamento da Casa, que é de R$ 522 milhões este ano.

A primeira secretaria é responsável pela administração da Alepe. Enquanto a presidência é quem define o funcionamento legislativo. “Por exemplo, todo ato de nomeação dos gabinetes é assinado pelo presidente”, explica Yanne Teles, advogada eleitoralista e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e político.

Eleito presidente da Alepe, Eriberto Medeiros (PP) assumiu o cargo em agosto do ano passado, após a morte de Guilherme Uchôa (PSC). Ele foi reconduzido na eleição deste ano com a maioria dos votos, 42 dos 49 deputados da Casa. Pela Constituição estadual, o chefe do Poder Legislativo é o segundo na linha de sucessão do Governo do Estado.

Eriberto foi alvo de processo por improbidade administrativa quando era vereador do Recife pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC). Em 2007, uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) identificou irregularidades na apresentação de notas fiscais dos gabinetes de 26 vereadores. Na época, as denúncias ficaram conhecidas como o “escândalo das notas frias”.

Como presidente da Mesa Diretora, Eriberto Medeiros é o segundo na linha sucessória do governo

Como presidente da Mesa Diretora, Eriberto Medeiros é o segundo na linha sucessória do governo

No relatório de auditoria da contas de 2006 e 2007 da Câmara dos Vereadores, o TCE-PE encontrou repasses de notas falsas, clonadas e/ou de empresas fantasmas para justificar verbas de gabinete, conhecidas como verbas indenizatórias. Dos 26 vereadores e ex-vereadores da Câmara do Recife citados pelo Tribunal,18 responderam a ações de improbidade administrativa movidas pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) em 2014. Entre eles estava Eriberto Medeiros.

De acordo com a denúncia, cada vereador justificou, em média, 40% dos valores de verbas indenizatórias com o uso de notas inidôneas. No período auditado, Eriberto teria utilizado duas notas fiscais frias para perceber o valor total de R$ 6.239,70. Em 2015, o processo foi arquivado “considerando que o parlamentar havia renunciado ao cargo de vereador em fevereiro de 2007 e que as sanções por improbidade administrativa podem ser impostas até cinco anos após o término do exercício do mandato”.

Eriberto Medeiros assumiu o seu primeiro mandato como deputado estadual em 2007. Ele foi eleito quarto-secretário da Mesa Diretora por três vezes, antes de assumir a presidência da Casa, que era cadeira cativa do seu antecessor Guilherme Uchôa há seis mandatos consecutivos.

Na hierarquia legislativa, o primeiro secretário da Mesa Diretora tem a segunda maior função. A ele estão subordinadas várias superintendências importantes como a de planejamento e gestão, que cuida da gestão orçamentária, e a de gestão de pessoas, que remete às folhas salariais e licenças, por exemplo. Em seu quarto mandato consecutivo de deputado estadual, Clodoaldo Magalhães (PSB) também respondeu ação por improbidade administrativa.

Clodoaldo Magalhães é o segundo na hierarquia da Alepe

Clodoaldo Magalhães é o segundo na hierarquia da Alepe

Em 2016, o MPPE ajuizou ações de improbidade contra vários deputados, gestores da Empetur e de empresas. A denúncia era um suposto esquema de contratações de shows pagos com emendas parlamentares, no exercício de 2014. Os fatos foram divulgados em relatório do TCE-PE, que comprovou a destinação de mais de R$ 30 milhões para a contratação de shows, via emendas parlamentares, sendo R$ 24 milhões deste valor executados de janeiro a julho de 2014.

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As auditorias realizadas pelo de TCE, na época, destacavam a atuação dos deputados estaduais Augusto César (PTB) e João Fernando Coutinho (PROS), que, juntamente com outros parlamentares, utilizavam a Empetur para contratar indevidamente artistas para eventos em benefício próprio. Ambos não foram eleitos para esta Legislatura.

Na maioria das vezes, os deputados citados nas denúncias destinavam o recurso da emenda à Empetur, indicando o local, a empresa a ser contratada e até o valor do cachê. Assim, os administradores da Empetur apenas obedeciam às ordens dos parlamentares.

Neste contexto, o deputado Clodoaldo Magalhães teria contratado, via destinação de R$ 95 mil em emendas parlamentares, artistas como Geraldinho Lins, para um evento na fazenda particular do deputado João Fernando Coutinho e no evento  “Vaquejada dos Amigos”, no município de Água Preta. Vale lembrar que o deputado é filho de Eudo Magalhães (PSB) que já foi prefeito de Água Preta. O processo está arquivado desde maio do ano passado.

Segundo secretário da Mesa Diretora, o deputado Claudiano Ferreira Martins Filho (PP), também respondeu a processo por improbidade administrativa com envolvimento da Empetur. O processo cita o mesmo relatório de auditoria do TCE-PE que relaciona o deputado Clodoaldo Magalhães.

Claudiano Ferreira Martins Filho foi réu em processo envolvendo a Empetur

Claudiano Ferreira Martins Filho respondeu a processo por contratação de shows com emendas parlamentares

As condutas improbas teriam sido cometidas pelo deputado dentro do mesmo modus operandi de destinação de emendas parlamentares para a contratação de shows, com interferência junto à Empetur. “O deputado remetia ofícios indicando o valor disponível e já vinculando as quantias à contratação de artista por ele indicado, para eventos que também já eram pré-definidos, alegando suposta consagração artística que ensejaria a inexigibilidade (com dispensa de licitação) prevista no dispositivo acima mencionado”, diz a denúncia.

Apenas um dos ofícios encaminhados pelo deputado e rastreados pelo TCE-PE determina um valor de R$ 120 mil à empresa Luan Produções, que é produtora de artistas como Wesley Safadão. O processo também foi arquivado.

Amarelos de Canhotinho

Álvaro Porto, do PTB, eleito quarto-secretário da Mesa Diretora da Alepe e em seu segundo mandato como deputado estadual, já respondeu a processo de improbidade administrativa enquanto exercia cargo público. O Ministério Público Estadual denunciou o parlamentar, então prefeito do município de Canhotinho, no Agreste pernambucano, por pintar os prédios públicos municipais nas cores do seu partido, com predominância do amarelo.

Álvaro Porto respondeu a processo quando era prefeito de Canhotinho

Álvaro Porto respondeu a processo quando era prefeito de Canhotinho

As cores que vinculavam os equipamentos à pessoa do político “foram usadas até nos fardamentos dos alunos da rede pública municipal de educação”, diz a denúncia, que considera o exercício de 2010. A suposta violação do princípio de impessoalidade administrativa foi julgada improcedente pelo juíz Marcus Vinícius de Alencar Luz, da Vara  Única de Canhotinho.

Em 2018, Álvaro Porto foi pela segunda vez o deputado mais votado proporcionalmente em um município, Canhotinho, que também é a sua cidade natal.

Histórico familiar

A nova Mesa Diretora da Alepe ainda é composta pela primeira vice-presidente Simone Santana (PSB); pelo segundo vice-presidente Guilherme Uchôa Júnior (PSC) e pela terceira secretária Teresa Leitão (PT). Além deles há sete suplentes. A reportagem não encontrou fatos relevantes envolvendo esses parlamentares nas pesquisas realizadas no Tribunal de Contas, no Ministério Público do Estado e no Tribunal de Justiça de Pernambuco. Foi aplicada a mesma metodologia de pesquisa utilizada para os outros deputados citados na reportagem.

Vale salientar, entretanto, a permanência de grupos familiares nos espaços de poder da política pernambucana. O deputado Claudiano Ferreira Martins Filho, é filho de Claudiano Ferreira Martins, ex-prefeito de Itaíba, no Agreste pernambucano, que já foi condenado por desvios de verbas públicas. A deputada Simone Santana é esposa de Carlos Santana (PSDB), que foi prefeito de Ipojuca. Já o deputado Guilherme Uchôa Júnior é filho de Guilherme Uchôa, que foi presidente da Mesa Diretora da Alepe de 2007 até 2018, ano do seu falecimento.

“O processo de escolha dos membros da Mesa Diretora, embora haja eleição e um critério de proporcionalidade dos partidos (PSB e PP têm o maior número de deputados), é viciado. Antes mesmo da eleição, os arranjos são feitos para garantir uma perpetuação no poder”, analisa Yanne Teles, advogada eleitoralista e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e político. “Por isso, geralmente quem se elege já vem de uma família que tem políticos. Isso por vários fatores, como influência, uso da máquina”, considera.

Mesa Diretora X improbidade administrativa

Abaixo do presidente e do primeiro secretário, o restante da Mesa funciona, no fim das contas, como uma espécie de suplência, avalia a especialista Yanne Teles. Mas não deixam de ser cargos importantes, porque a Mesa também toma voto em decisões colegiadas. E é importante lembrar que, além do poder, os deputados da Mesa Diretora recebem um acréscimo na verba de gabinete. A remuneração bruta dos deputados pernambucanos é de R$ 25.322,25, segundo o site da Alepe. Sobre esse valor, ainda há o acréscimo de ajudas de custo e diárias para viagens.

Ela explica que processos de improbidade administrativa podem levar à inelegibilidade e/ou à perda de mandato, caso haja condenação. Mas, a advogada esclarece que, de acordo com o regimento interno da Alepe, não há também qualquer impedimento legal para parlamentares que têm processos desse tipo no histórico assumirem cargos na Mesa Diretora, considerando que nenhum deles foi condenado. “Se não foi julgado condenado, não configura crime”, esclarece.

Do ponto de vista moral, entretanto, a advogada lança questionamentos. “É de se esperar que um parlamentar, que tem o trabalho de fiscalizar o Poder Executivo e os recursos públicos, não esteja envolvido com esse tipo de denúncia. Como fiscalizar se você mesmo responde por um mau uso do dinheiro público?”, provoca.

A reportagem entrou em contato com os deputados que responderam a processos por improbidade administrativa. Por nota, o deputado Eriberto Medeiros informou que “há mais de 10 anos, foi feito um questionamento em um relatório do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE) sobre duas notas de compras alegando que a empresa estaria inativa. Porém, foi comprovado que, no momento da compra, a empresa estava habilitada e ativa. Esclarecido isso, o assunto foi encerrado após todos os trâmites legais e necessários.”

A chefia do gabinete do deputado estadual Álvaro Porto informou, também por nota, “que a ação foi considerada improcedente e o processo, extinto.”Os deputados Clodoaldo Magalhães e Claudiano Ferreira Martins Filho não se pronunciaram até a publicação desta matéria.

Nesta quarta-feira (20), a Assessoria do deputado Clodoaldo Magalhães enviou a nota que reproduzimos abaixo na íntegra:

Informa-se que a Ação de Improbidade administrativa, apresentada pelo Ministério Público na 2° vara da fazenda pública da comarca de Olinda (Nº 0002645-45.2016.8.17.2990), que embasou a matéria em questão, ainda não passou de seu procedimento preliminar. Dessa forma, torna-se equivocada a colocação do Deputado Clodoaldo Magalhães como réu da referida ação, uma vez que esta condição só ocorre caso o juízo entenda existentes os seus requisitos, o que não existe no caso (inclusive faltam claramente indícios contra o deputado), mantendo-se ilibada toda a trajetória política do referido parlamentar.
Em segundo lugar, as emendas parlamentares, de autoria do deputado, mencionadas pela matéria, para a contratação de shows seguiram todos os requisitos legais, exigidos à época pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), no que tange às contratações na área cultural. 

 

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).