Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Crédito: Camilla Campos
por Jorge Cavalcanti*
A comunicadora recifense Karina Santos, 30 anos, é a mais nova integrante da lista de personalidades perseguidas pela extrema-direita no País. Ela passa a fazer parte do grupo que tem nomes como o do padre Júlio Lancellotti, a primeira-dama Janja, a vereadora de Niterói Benny Briolly e o deputado do Paraná Renato Freitas. Em comum, todas essas personalidades receberam mensagens de bolsonaristas com ofensas e ameaças de morte por redes sociais, e-mail ou telefonema. E precisaram adotar medidas de precaução e segurança. Nos casos mais graves, escolta 24 horas e a necessidade de deixar o Brasil por um período.
Karina começou a receber centenas de mensagens no dia 4 de janeiro, depois que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro compartilhou no Instagram, para sua base de 6,5 milhões de seguidores, o print do perfil e a marcação da comunicadora, com a frase “como uma boa comunista-caviar, ama um dinheirinho”.
Desde então, a rotina da recifense que produz conteúdo para as redes mudou bruscamente. Ela procurou a polícia para formalizar queixa. O boletim de ocorrência foi registrado na Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) na segunda-feira, no dia que os ataques golpistas de 8 de janeiro completaram um ano.
As mensagens enviadas a Karina têm cunho de violência, instigação ao suicídio, misoginia e xenofobia. Muitas são impublicáveis. “Em breve, você vai pro lugar que merece: o inferno”, “só podia ser da esquerda maldita, vai chegar a vez da vala”, “quero um Adélio na sua vida” e “comedora de farinha, teu Nordeste está na miséria” são algumas delas.
O grau de preocupação de Karina aumentou quando passou a receber mensagens que faziam referência também ao seu filho, uma criança de cinco anos. Na saída da delegacia onde registrou queixa, ao lado da advogada, ela gravou e postou um vídeo. “Estou aqui para dizer a vocês: internet não é terra sem lei”.
Karina é filiada ao Partido dos Trabalhadores e pode ser candidata a vereadora pela legenda. Nas redes sociais, utiliza no perfil uma foto abraçada ao presidente Lula e se descreve como “terrivelmente petista”. A frase é uma adaptação da declaração de Jair Bolsonaro, quando presidente, de que iria indicar um nome “terrivelmente evangélico” ao Supremo Tribunal Federal, que depois veio a ser o então advogado-geral da União, André Mendonça.
A comunicadora recifense afirma que trabalha conteúdos políticos com humor e deboche. Karina tem hoje uma base de 214 mil seguidores no Instagram . No dia 1º de janeiro, ela postou um meme de uma fotomontagem que circula nas redes sociais de Jair e Michelle Bolsonaro detidos numa delegacia de polícia, com a frase “que tudo se realize no ano que vai nascer”.
Por meio de uma pré-candidata do PL a vereadora de Salvador, a postagem chegou ao conhecimento da ex-primeira-dama, que não gostou e decidiu expor a pernambucana. Foi o sinal verde para a tropa digital bolsonarista abrir fogo. Desde então, a vida da comunicadora virou uma bagunça. “Eu precisei parar a minha vida para lidar com isso. Tentei me conectar com o assunto do 8 de janeiro e voltar a produzir, sendo que não pude comparecer ao ato porque passei a manhã na delegacia”, relembrou.
Para se contrapor à onda de ataques instigada por Michelle Bolsonaro, um movimento de solidariedade a Karina Santos também surgiu nas redes sociais. Manifestaram-se figuras públicas do PT, como os senadores Teresa Leitão e Humberto Costa, a deputada Rosa Amorim e os vereadores Liana Cirne e Vinicius Castello, e do PSOL, a exemplo do vereador Ivan Moraes e a deputada Dani Portela. Os sindicatos dos urbanitários e metroviários também se posicionaram.
A mensagem de apoio mais inusitada, porém, foi enviada no privado a Karina pela apresentadora Xuxa Meneghel. “Eu estou contigo e sua família. Sinto muito. Espero que você não perca a força e a fé. Beijos em você e receba meu carinho”.
A reportagem da Marco Zero também conversou com a vereadora Benny Briolly (PSOL-RJ). Ela contou um pouco do que é ser mulher, negra, trans e defensora dos direitos humanos na casa legislativa de uma cidade do Rio de Janeiro que pode ser considerada um dos núcleos do bolsonarismo. Foi em Niterói, por exemplo, que Bolsonaro assistiu ao desfile de 7 de setembro no ano passado. Na ocasião, alguns carros blindados das Forças Armadas soltaram muita fumaça e precisaram ser empurrados, proporcionando cenas hilárias.
MZ – Há medidas de segurança que precisam ser adotadas por pessoas ou equipes que lidam, na linha de frente, com grupos de extrema-direita?
Benny – Eu já sofria ameaças antes de tomar posse na Câmara Municipal de Niterói. Quando o meu corpo adentrou esse espaço, inúmeros ataques foram feitos através das redes socais, como “desejo que a metralhadora do Ronnie Lessa te atinja”. Já recebi também um e-mail que citava o meu endereço e exigia a minha renúncia. Por questão de segurança, mudei de endereço e precisei andar com escolta 24 horas do meu dia. Por conta dessas e outras ameaças, tive que deixar o país por um período. É inegável que esse afastamento cerceia o meu direito político. De certa forma, me garantiu segurança, mas prejudicou o exercício do cargo para o qual fui eleita. Estar na linha de frente como um corpo que trai os pactos coloniais e ameaça a estrutura da extrema-direita nos destina a alvos de violência e, até mesmo, de assassinato.
Que elementos você identifica nesse método da extrema-direita?
Essa tática de perseguição deixa nítido o histórico da política do fascismo, de uma cultura racista, misógina e transfóbica. Escancara também o quão dispostos estão para chegar à manutenção do poder. Materializam esta manutenção quando utilizam do autoritarismo para promoção da censura e precariedade na educação, na cultura e na política institucional. A população começa a se polarizar, surgindo assim uma vulnerabilidade. Daí, começam a movimentar uma política que molda uma estética e linguagem em prol de princípios morais, a partir do conservadorismo. Surgem as contratações de agências para promoção de fake news. Após esse movimento, a extrema-direita incentiva uma parcela da comunidade a atacar ativistas, parlamentares e artistas considerados referência, tendo como caraterística o ódio e o crime. Isso tem um impacto na saúde mental e física das figuras atacadas, seus parentes e amigos.
Do ponto de vista legislativo, o que é possível avançar nesse tema da violência por meio das redes sociais?
É necessário compreender que a falta de regulação dessas plataformas é uma ameaça à democracia. Não é sobre cerceamento da liberdade de expressão. É sobre combater crimes. Afinal, será mesmo algo inviolável utilizar as redes sociais para retroalimentar ódio e fomentar perseguição? A internet ganhou centralidade e esse conceito da neutralidade não pode mais prevalecer. É do modelo de negócios dessas empresas maximizar lucros com o vale-tudo. Os antagonismos, os preconceitos, os ódios são funcionais para isso. Não é apenas o indivíduo que deve ser responsabilizado, mas também a plataforma que lucra com esses comportamentos. Do ponto de vista legislativo, é bastante relevante a proposição, por exemplo, do PL 2.630/2020 (chamado de PL das fake news), que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã
É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.