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Crédito: Instagram /@nvsfot
por George Lucas
Terra do frevo, do maracatu, do baião, do movimento mangue, da ciranda… e do rap. Até para os padrões do ufanismo pernambucano é um evidente exagero afirmar que Pernambuco é a terra do rap ou do hip-hop, gênero que não tem lugar na pauta dos palcos das festas promovidas pelo poder público nem merece atenção das gravadoras. Mas o fato é que os MCs do estado começam a encontrar caminhos e espaços no cenário do gênero. É o caso de Brenu e Mago de Tarso, que serão apresentados aos leitores da Marco Zero nos próximos parágrafos.
Em carreira solo e com estilos diferentes, os dois artistas estão começam a se destacar com uma estética de rap própria, mesclando o gênero com outras culturas de Pernambuco, como o brega e o piseiro, e fazendo referência a grandes personalidades da música do estado. O bairrismo das composições exalta também o Nordeste, e além de chamar a atenção do público local, chegou a outras regiões.
Influenciado pela arte de Racionais MCs que ouvia quando criança em seu bairro, Jardim São Paulo, Breno Campos, o Brenu, de 22 anos, fugiu da trajetória convencional que a sociedade propõe para um jovem e que ele havia começado a trilhar: deixou o curso de Ciências Contábeis em uma universidade pública, largou o emprego de jovem aprendiz em uma obra e investiu na sua carreira de rapper.
“Depois de uma oração muito forte que eu tive, dentro da obra, me gerou muita certeza sobre música. Depois disso, eu já estava fazendo um dinheirinho com plataformas digitais”, conta Brenu, que também contou com a ajuda de um ex-professor de inglês que o empregou por um tempo como editor de vídeos. O MC também venceu a desconfiança dos pais, antes reticentes com sua carreira.
Sem o investimento de um empresário ou gravadora, Brenu aprendeu a ser multifuncional, editando os próprios vídeos, mixando e masterizando as faixas em seu estúdio, o Subsolo. Em uma conversa online com o produtor e MC IannGuxtavo, nasceu o hit Tempestade, remix de um funk que mesclou o Jersey Club, subgênero do trap, com o brega.
“Tinham vários beats no canal dele de Jersey Club com Bob Marley, Mc Rodolfinho. Tudo. Cheguei pra ele e mandei Tempestade”, explica Brenu sobre a parceria com Ian, que se tornou seu amigo pessoal, apesar de morar distante, em Minas Gerais. A música, a princípio, quase não saiu por conta de algumas inseguranças do MC. Mas, próximo ao carnaval, enfim foi lançada.
“A música demorou a andar. A divulgação dela veio por causa da persistência, soltando conteúdo no TikTok e Instagram. No que eu fiz um reels cantando, acertei”, relata. O sucesso de Tempestade abriu caminho para outras faixas que mesclavam subgêneros do trap, como o próprio Jersey Club e o Detroit, com o brega. As faixas Flow Recife, Bregoso e Barbie Freestyle foram lançadas, repercutindo bastante.
A mistura do rap com culturas essencialmente pernambucanas chegou ao público local, antes consumidor apenas de artistas de rap do eixo Rio-São Paulo e não de MCs pernambucanos. Outro MC bairrista, Mago de Tarso, também embarcou na mistura de ritmos, indo além e colocando bastante costumes locais, como gírias, nas suas letras.
Ian Siqueira, o Mago de Tarso, tem 25 anos, é estudante de Geologia e reside no bairro de Cajueiro Seco, em Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife. Ele sempre colocou seu local de origem em suas músicas, mas em 2023 adicionou aos seus escritos a revolta. “Eu não só exalto a cultura do Recife e de Pernambuco no geral, mas também tento tirar um sarro com o pessoal do Sudeste. Um lance meio de revolta mesmo, porque a gente sempre foi muito ‘tirado’, muito motivo de chacota”, explica.
Mago de Tarso ainda não consegue viver 100% de sua arte. Com a ajuda de sua esposa, conseguiu aumentar a sequência de seus lançamentos e teve assim em 2023 o seu melhor ano até aqui. Ele foi pai cedo e por isso precisa administrar a vida de artista com outras atribuições. “Já trabalhei em várias coisas, então sempre tentei conciliar família, trampo, faculdade e rap. Por isso era muito difícil eu ter uma constância nos meus lançamentos. Não tinha grana pra tá investindo”, conta.
Brenu e Mago dividiram muitos feats (colab entre dois ou mais MCs), o que fortaleceu ainda mais esse movimento de um rap com a estética 100% pernambucana. As faixas Magia, Nordestino Mesmo, Comprando uma Peça e Carolina Freestyle atingiram centenas de milhares de visualizações em plataformas musicais, contando com letras que falam sobre vivências dos bairros da região, locais populares, costumes típicos e bastante crítica ao cenário nacional excludente, que abraça apenas artistas do Sudeste.
O som de maior destaque, no entanto, partiu de um convite de Anderson Neiff, MC de brega e fenômeno das redes, que também enxergou a capacidade de sucesso da junção desses subgêneros do trap à música pernambucana. Neiff convidou Brenu, Mago e o MC CZT, MC e produtor pernambucano, para participarem de Que Base, obra produzida pelo também pernambucano THB. O lançamento ultrapassou mais de 750 mil visualizações no YouTube. Diversas páginas de blogs da comunidade brega divulgaram o som, o que atraiu popularidade para o rap local.
“É nítido que a forma que a gente vem trabalhando, que a gente vem conquistando e onde a gente vem chegando e furando bolha é sim uma revolução na parada. Pós-pandemia, a cena de Recife ficou meio morna. Ter um artista ali conseguindo coisas acaba motivando outros artistas. Motiva artistas, o público esquenta”, diz Brenu.
A junção de gêneros fez várias comunidades musicais conversarem, do brega-funk a até mesmo o movimento manguebeat, idealizado por Chico Science, referência para Brenu e Mago de Tarso. “Eu acho importante a gente resgatar as referências do nosso estado, tipo Reginaldo Rossi, Chico Science, Luiz Gonzaga”, destaca Mago.
O destaque e bons números nas plataformas de música vêm de muita criatividade. Em Pernambuco existe pouco investimento, tanto do setor privado quanto do público, à cultura hip hop, o que exige dos artistas formas diferentes para divulgarem suas músicas e trabalho intenso. Faltam gravadoras e estúdios estruturados na cena local. Nesse caso, as redes sociais suprem a carência de um suporte financeiro da indústria da música e ajudam na divulgação, realizada de forma orgânica, como contam os Mcs.
“O pessoal ainda vive muito naquela ilusão de lançar uma música e cruzar os dedos para estourar, e não é assim, tá ligado? Não é assim. Você tem que trabalhar muito, você tem que estar criando conteúdo, tem que estar alimentando as redes sociais. Vários vídeos no reels, no TikTok, no story”, diz Mago de Tarso, que já chegou a gravar mais de 90 vídeos paras redes em um único mês para divulgar sua música Nordestino Mesmo. O hit alcançou grandes influenciadores, como Whindersson Nunes, que compartilhou a música para seus 60 milhões de seguidores nas redes.
“Tem que ser inteligente, porque não adianta ser talentoso pra caramba e não ter a inteligência de fazer sua música andar. Eu comecei a desenvolver a minha carreira artística quando eu ativei o lado da inteligência e parei de focar só em estar dentro do estúdio desenvolvendo o meu talento”, conta Brenu, que também sente a falta de eventos públicos e gratuitos de rap patrocinados pelas prefeituras e Governo do Estado, como acontece com outros gêneros musicais.
O plano dos MCs agora é colocar seus novos projetos em execução, aumentando ainda mais seus números e fortalecendo, assim, a cena local. Brenu prepara seu álbum, “Escama Trap”, que, segundo ele, passará pelas mãos de muita gente talentosa. “O primeiro passo vai ser Escama Trap. Eu fiz pensando nesse primeiro público que tô conquistando. Quero que eles ouçam e com o passar dos anos seja um álbum lembrado por eles e consequentemente vá atrair o público de Pernambuco. Vai sair um drop de camisas, videoclipe. Tô a oito meses fomentando isso”, detalha o MC.
Já Mago de Tarso também deve apostar em um projeto próprio, ainda falando sobre o estado, em seu álbum O Som do Litoral, que deve abordar uma história ficcional. “O álbum tá bem massa mesmo. Vai falar de um menino que mora no litoral do Recife, mas na periferia, e uma menina que mora na orla. São vivências bem diferentes mesmo morando no mesmo lugar”, fala Mago, explicando que seu projeto deve fazer um verdadeiro passeio por locais tradicionais do Recife. A obra também deve abordar temas como preconceito com o Nordeste, contando com a participação de CT, ex-1Kilo, Diomedes Chinaski, o próprio Brenu e um coletivo de MCs angolanos, o Wild Gang.
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