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Religiosos progressistas rompem o silêncio e articulam frente em defesa do Estado laico

Mariama Correia / 22/01/2020

O avanço dos evangélicos na política brasileira tem sido protagonizado pelos pastores e bispos neopentecostais, uma das vertentes da fé protestante. As atenções estão voltadas para lideranças que defendem pautas conservadoras, embora o campo evangélico seja diversificado e existam igrejas com um perfil progressista que, até agora, pouco fizeram para resistir à ascensão de grupos mais radicais. Isso pode estar começando a mudar.

Igrejas evangélicas abrigaram celebrações pelo Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, na terça-feira, dia 21, em pelo menos 15 estados brasileiros, vinculado a data à defesa do Estado laico. Mais intensa em São Paulo, de onde partiu a iniciativa, o evento foi puxado pela Frente Inter-Religiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz, com participação de 11 denominações religiosas. Em Pernambuco, a primeira edição do evento no Recife foi coordenada pela Catedral Anglicana do Bom Samaritano, em Boa Viagem, com a participação de membros de várias religiões. 

Católicos, evangélicos, judeus e pessoas sem religião declarada sentaram lado a lado durante a programação. Foi um momento simbólico, embora o público tenha sido modesto, aproximadamente 50 pessoas. “A voz que grita de forma intolerante é alta, mas nós não fazemos parte dessa voz. Queremos soar como uma voz dissonante”, declarou um dos coordenadores do evento, o anglicano e pesquisador da Fundaj (Fundação Joaquim Nabuco) Joanildo Burity.

Burity acredita que a celebração pode ser um embrião de um movimento maior. “Queremos que tenha uma continuidade, com novas programações no futuro”, considerou. “ Diante da polarização política que estamos vivendo, a tendência é que igrejas mais progressistas se tornem mais atuantes na resistência aos grupos radicais”, considerou o pastor José Marcos da Silva, da Igreja Batista de Coqueiral, congregação que tem 95 anos. 

Os evangélicos progressistas estão articulando frentes de oposição aos setores mais conservadores da igreja, disse o pastor José Marcos. Um exemplo é a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, um movimento nacional, do qual ele faz parte. O grupo foi formado após o golpe contra Dilma Rousseff. “Nossa principal bandeira é a formação evangélica. Temos uma escola de fé e política, não com a intenção de formar políticos, mas de fazer as pessoas entenderem o mundo político”, explicou, sem descartar que a frente pode lançar candidatos no futuro. 

Vozes dissonantes

A celebração pelo Dia de Combate à Intolerância Religiosa no Recife seguiu uma liturgia semelhante a de um culto anglicano, com certas adaptações. Não foi conduzida por pastores, mas por Joenildo Burity, que é membro da igreja. Teve leitura da Bíblia, orações e músicas, incluindo “Monte Castelo”, da banda Legião Urbana que, apesar de não ser religiosa, faz referências a passagens do livro sagrado dos cristãos. 

Um manifesto evangélico contra a intolerância religiosa, assinado por várias igrejas, foi lido. Um trecho diz: “Repelimos absolutamente que a tradição evangélica seja sequestrada por esses tipos de conduta imoral e criminosa, que ferem frontalmente o ensino de Jesus, de quem somos discípulos e discípulas”.

O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é comemorado em 21 de janeiro em memória à Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santo, conhecida como Mãe Gilda. Ela teve sem templo depredado por fundamentalistas religiosos e faleceu pouco tempo depois, vítima de um infarto.

Pessoas de outras religiões foram estimuladas a dar depoimentos durante a celebração. “É lamentável vermos um membro do governo imitando um nazista”, criticou André Liberman, do movimento de judeus progressistas e da organização judaica LGBT internacional, se referindo ao vídeo onde Gustavo Alvim, ex-secretário da Cultura do governo Bolsonaro, cita Joseph Goebbles, ministro da propaganda de Hitler. “Todos somos deus manifesto”, considerou Gustavo Albuquerque, cientista da religião e líder de danças da paz universal. 

Evangélicos e católicos progressistas também se manifestaram. “Deus está na face do oprimido, do mais fraco”, considerou Jackson Augusto do movimento negro evangélico. Foi perceptível a ausência de representantes de religiões de matriz africana. “Pode ter acontecido pela concorrência com a edição especial da Terça Negra em razão do 21 de janeiro”, comentou Jackson. Burity garantiu que membros de várias religiões foram convidados, incluindo as de matrizes africanas. “Não é algo obrigatório, é um convite”, argumentou, dizendo que espera uma maior adesão de outros grupos religiosos no futuro. 

A celebração foi encerrada com abraços entre os participantes.

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).