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Retrocessos do governo Temer sob o crivo da OEA

Samarone Lima / 06/12/2016

No dia 10 de outubro, 16 grandes redes e articulações da sociedade brasileira, que atuam nas áreas de Direitos Humanos, Saúde, Educação, Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão, encaminharam uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão consultivo da Organização dos Estados Americanos (OEA), solicitando uma “audiência temática” para denunciar os retrocessos na garantia de direitos humanos no Brasil. O documento, com 22 páginas, traça um panorama devastador sobre o que vem acontecendo nestas áreas, especialmente após a chegada do ex-vice-presidente, Michel Temer, à presidência.

O pedido foi analisado pela OEA e aceito. A audiência será hoje, às 14h, durante o 159º “período de sessões”, na Cidade do Panamá.

É possível acompanhá-la ao vivo pelo site da OEA (http://www.oas.org/es/centro_noticias/webcast_agenda.asp).

A Marco Zero Conteúdo leu o documento e conversou com alguns integrantes das redes que fizeram a petição.

Na essência, as diversas redes que assinaram o documento conseguiram fazer com que os graves retrocessos fossem colocados na agenda de um organismo multilateral. “Como o pedido foi julgado e aceito, o governo brasileiro vai ser exposto. Poderá ser chamado para se explicar formalmente”, explica o cientista político, professor universitário e defensor dos Direitos Humanos Manoel Moraes, de 42 anos.

A sessão temática de hoje tem um procedimento básico. Quem solicitou vai ter tempo para detalhar os retrocessos, mostrar dados, levar material que possa ajudar a Comissão a ter uma visão mais ampla sobre tudo o que está acontecendo de retrocesso em várias áreas no Brasil. Imagens em vídeo e fotos de violência policial contra manifestantes serão exibidas.

Se as informações e dados tiverem relevância e fundamento, o governo brasileiro pode passar por um “constrangimento internacional” na próxima Assembleia da OEA. Os países-membro podem se manifestar e criar um “procedimento”. Neste caso, será designado um integrante da OEA para acompanhar os casos citados.

O uso indiscriminado de spray de pimenta foi apontado como um dos abusos policiais mais frequentes nas manifestações contra o governo Temer

O uso indiscriminado de spray de pimenta foi apontado como um dos abusos policiais mais frequentes nas manifestações contra o governo Temer

Veja alguns trechos da petição

Protestos

“A polícia utiliza a força de modo excessivo e desnecessário contra manifestantes, incluindo o uso indiscriminado de balas de borracha, gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Um grande número de policiais foi visto removendo a sua identificação durante os protestos e recusando-se a identificar-se quando perguntado”.

Segundo as entidades, essa é uma forma de dificultar qualquer tipo de investigação e responsabilização.

“Houve milhares de detenções arbitrárias e as práticas de detenção para averiguação foram constantemente utilizadas”

Retrocessos no direito à saúde

“A PEC 241/16 prevê também que não haverá aumento real do que é investido nos direitos sociais, nas políticas públicas e na Seguridade Social por 20 anos. Como a população brasileira crescerá 9% e dobrará sua população idosa em 20 anos, de acordo com as previsões do IBGE, estima-se que nessa nova realidade, mesmo mantido o atual padrão tecnológico e o rol dos serviços, já seria necessário para os próximos 20 anos, ao contrário de congelamento, um incremento de 37% nos gastos com atenção à saúde”.

“Se a PEC 241/16 estivesse em vigor entre 2013 e 2015, a Saúde teria sofrido uma perda acumulada de R$ 136 bilhões, a preços de outubro de 2015”.

“Numa projeção do que ocorrerá entre 2017 e 2023, o SUS sofrerá uma perda acumulada de R$ 433 bilhões”.

Retrocessos no direito à educação

“A proposta (PEC 241/16) coloca em risco o cumprimento do Plano Nacional de Educação. De acordo com as metas do Plano, o Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi), mecanismo criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, deveria ser implementado desde julho de 2016. O CAQi prevê o investimento de R$ 37 bilhões a mais na educação, assegurando valorização dos profissionais da educação e escolas com um padrão mínimo de qualidade”.

Retrocessos e violações no campo da liberdade de expressão

Se de um lado o tema do “corte de gastos” é repetido diariamente, o governo tem sido generoso com as maiores empresas de comunicação do país. É o que aponta a petição das entidades junto à OEA.

O volume de recursos publicitários pagos nos últimos meses já é cerca de 50% maior que o registrado em 2015.

“Os pagamentos federais à Folha/UOL, nos meses de maio a agosto de 2016, foram 78% maiores que no mesmo ano anterior. Já a editora Abril, que publica a revista Veja, teve um crescimento de 624% de repasses federais no período”.

Retrocesso no campo das políticas públicas

Segundo a petição, houve um “desmonte da estrutura institucional” voltada à promoção dos direitos humanos, “extinguindo instituições e espaços de participação da sociedade civil, e paralisando, por meio do corte de recursos, as políticas públicas até o final do ano”.

A Medida Provisória 726, de 12 de maio de 2016, extinguiu:

O Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos (as competências foram transferidas para o novo Ministério da Justiça e Cidadania);

O antigo Ministério de Direitos Humanos passou a figurar como mera secretaria, dentro do Ministério da Justiça, “deixando de ter autonomia e orçamento próprio”.

A portaria 611, de 11 de junho de 2016, suspendeu, por 90 dias, a “celebração de contratos, convênios e instrumentos congêneres, a nomeação de servidores, a autorização para repasses de quaisquer valores não contratados, a realização de despesas com diárias e passagens e a realização de eventos, no âmbito do Ministério da Justiça e Cidadania”.

A portaria 611 foi prorrogada em 5 de setembro (com uma nova portaria, de número 795) até 31 de dezembro de 2016.

“Através desta portaria, recursos já aprovados pela Lei Orçamentária Anual de 2016 não poderão ser executados”, informa a petição. Alguns dos programas impactados pela medida:

Provita (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas);

PPCAAM (Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados);

PPDDH (Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos). Como os programas nacionais são implementados a partir de convênios com entidades estaduais, o corte dos recursos federais tem um impacto muito maior. “Em alguns casos, inviabiliza a execução dentro dos estados”, informa a petição.

Veja a petição na íntegra:
 

AUTOR
Foto Samarone Lima
Samarone Lima

Samarone Lima, jornalista e escritor, publicou livros-reportagens e de poesia, entre eles "O aquário desenterrado" (2013), Prêmio Alphonsus de Guimarães da Fundação Biblioteca Nacional e da Bienal do Livro de Brasília, em 2014. Em 2023, seu primeiro livro, "Zé", foi adaptado para o cinema.