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Conteúdo verificado: Post no Twitter com declarações atribuídas a médico do Canadá sobre a pandemia ser uma farsa, os testes RT-PCR não serem confiáveis e o distanciamento social ser inútil porque a Covid é espalhada por aerossóis.
Não é verdade que a pandemia seja uma farsa, o distanciamento social, inútil e que os testes PCRs não sejam confiáveis, como afirma o perfil MarleneFFL no Twitter. A postagem usa declarações inverídicas feitas pelo médico canadense Roger Hodkinson e publicadas em um site chamado Day News.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, a pandemia de Coronavirus matou mais de um milhão e meio de pessoas no mundo. A OMS recomenda que as pessoas continuem com o distanciamento social, a utilização de máscaras e as medidas de saúde necessárias para evitar mais mortes e contaminações. Essas medidas são as únicas formas de evitar o coronavírus até a chegada da vacina.
A OMS reconheceu que em alguns casos há transmissão por aerossóis, que são partículas bem menores que ao invés de se dissiparem, ficam no ar como “fumaça”. No entanto, a transmissão de aerossóis se dá em situações específicas. Portanto, é preciso manter todos os cuidados de higiene e distanciamento social.
O Comprova consultou especialistas que trabalham no enfrentamento da Covid-19 e nos testes que detectam a presença de coronavírus. O teste RT-PCR é o teste molecular que procura no organismo a presença de Sars-Cov 2 (o agente causador da Covid). Porém, os testes não são os únicos recursos para diagnosticar a doença e fazem parte de um arcabouço de métodos ignorados na publicação. Além disso, dizer que a pandemia é uma farsa é ignorar o sofrimento de milhões de famílias que perderam pessoas e que ainda precisam continuar com as medidas de proteção.
Primeiramente, pesquisamos verificações que o Comprova já fez sobre declarações falsas e enganosas sobre a pandemia. Fizemos uma busca sobre Roger Hodkinson no site do Western Medical, e a biografia publicada lá diz que ele é formado na Universidade de Cambridge e foi professor da Universidade de Alberta, no Canadá. Enviamos email para essas duas instituições e somente a Universidade de Alberta respondeu. Encontramos um registro desse médico no estado de Alberta, Canadá.
Conversamos por telefone com duas especialistas. A professora de Medicina da Universidade de Pernambuco (UPE) e pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães/Fiocruz, Ana Maria de Brito, que tem pós-doutorado em epidemiologia na Universidade de Berkeley, Califórnia, EUA (2011/2012), e a médica Marta Silva, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (UFG). Entramos em contato com o site Day News, onde o conteúdo foi originalmente postado no Brasil, mas até o momento não houve resposta aos questionamentos enviados para o e-mail informado na página de “contato” do site.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de Dezembro de 2020.
Os primeiros casos de Covid-19 foram registrados no mês de janeiro, na China. Até o dia 14 de dezembro de 2020, segundo a OMS, 1.608.648 pessoas morreram por Covid no mundo. Em junho, o FMI afirmou que os países gastaram US$ 10 trilhões para conter as consequências econômicas da pandemia. Um monitoramento do Tesouro Nacional mostra que a União gastou R$ 508,4 bilhões no combate à doença até o momento.
Em verificação publicada em 7 de agosto de 2020, o Comprova já tratava das evidências científicas “indicando que o uso de máscaras reduz a quantidade de partículas virais que pessoas infectadas com a covid-19 expelem ao falar, espirrar ou tossir”. O Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) indica em seu site 19 artigos que foram publicados em revistas científicas atestando a efetividade das máscaras como parte da estratégia para controlar a pandemia.
As declarações do médico canadense são de um áudio gravado em uma conferência na cidade de Edmonton, em Alberta, Canadá. O YouTube retirou esse áudio do ar, mas outro vídeo no Youtube comprova a existência desse médico e suas declarações.
Medidas de segurança ainda são as únicas formas de prevenção contra a Covid-19, ao contrário do que afirma o médico. O novo coronavírus tem alta taxa de contágio. No dia 15 de dezembro, cada 100 pessoas contaminadas transmitiam o vírus para outras 113, portanto, a taxa é de 1,13. Esse número representa o avanço da doença que é transmitida pelo ar e pelo contato de superfícies contaminadas. Por isso, o uso de máscaras e o distanciamento social são necessários para evitar mais mortes e contaminações, e são recomendados pelas principais instituições científicas e de saúde, como a OMS, o Conselho Nacional de Saúde e a Fiocruz. “Dizer que a pandemia é uma farsa é um crime contra a humanidade”. É o que afirma a médica do Hospital das Clínicas da UFG, Marta Silva, que trabalha no monitoramento dos casos em Goiás. Para Marta, negar a existência do vírus é negar a morte de milhões de pessoas e, consequentemente, o sofrimento de muitas famílias que choram pelo seus mortos.
“Excesso de mortalidade” é um conceito usado em epidemiologia e saúde pública que se refere ao número de mortes por todas as causas durante uma crise além do que se espera em condições normais. No caso da pandemia, é necessário saber como os números de mortes totais se comparam ao número médio de mortes no mesmo período nos anos anteriores.
Vários estudos já foram publicados no mundo comprovando o excesso de mortalidade registrado em 2020. Esses estudos usaram apenas os dados da primeira onda da covid-19 na Europa e Estados Unidos, ou seja, sem contar sequer os mortos da chamada segunda onda, ainda em evolução. Em verificação de 27 de outubro, o Projeto Comprova citou três desses estudos disponíveis no banco de dados Our World in Data, mantido pela Universidade de Oxford com outros parceiros da comunidade científica internacional.
No Brasil, o excesso de mortalidade está em 24%, de acordo com os dados do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), que indica 185 mil mortes a mais do que as 784.205 que eram projetadas inicialmente para 2020, caso não houvesse a pandemia.
A professora e pesquisadora Ana Maria de Brito detalhou como funcionam os testes RT-PCR e apontou erros e imprecisões nas falas atribuídas a Roger Hodkinson.
Segundo ela, esse teste é “considerado o padrão ouro para diagnosticar a covid-19 por identificar a presença do material genético do vírus na amostra de secreção respiratória [colhida no nariz e na garganta por meio do swab, semelhante a um cotonete]”. “O ideal é que seja feito na primeira semana de sintomas, de preferência não ultrapassando o 12º dia. É que nesse período a quantidade de vírus [carga viral] está mais elevada, o que permite detectar o RNA do SARS-CoV-2 na amostra analisada”, explica. O RNA, ou ácido ribonucleico, é uma molécula responsável pela síntese de proteínas das células do corpo. Sua principal função, portanto, é a produção de proteínas.
Segundo a pesquisadora, se feito na janela de tempo correta, o exame tem alto grau de confiabilidade, acima de 90%, e dificilmente apresenta um resultado falso positivo. Porém, há possibilidade de apresentar resultados falsos negativos, não o contrário, como afirma o canadense”. Assim, como o RT-PCR amplifica a quantidade do material genético do vírus em uma amostra de secreção, quanto maior for a carga viral mais preciso será o resultado.
A primeira imprecisão de Hodkinson seria a afirmação que os diagnósticos estão sendo feitos apenas pela testagem. “O diagnóstico de qualquer doença não é feito apenas pelos testes diagnósticos. Eles são mais uma ferramenta que os médicos utilizam e que se somam ao exame clínico com a constatação da presença de sintomas e exames de imagem. Os médicos sabem que quase nenhum teste diagnóstico é perfeito e todos podem apresentar erros”, informou Ana Brito.
No Brasil, por exemplo, exames laboratoriais não são pré-requisito para confirmar diagnóstico de covid-19 desde junho.
Roger G. Hodkinson é médico registrado no estado de Alberta, no Canadá. É CEO do Western Medical Assessments, uma empresa de consultoria médica, e aparece em um vídeo no YouTube apresentando os serviços prestados pela empresa.
Uma checagem realizada pela Associated Press investigou a afirmação de Hodkinson de que a “covid-19 é a maior farsa já perpetrada contra um público desavisado”. Nessa mesma checagem, o Royal College of Physicians and Surgeons of Canada, instituição criada pelo parlamento que regula a educação médica do país, respondeu à equipe de checagem dizendo que ele, apesar de ser patologista desde 1976, não exerce e nunca exerceu nenhum cargo na instituição.
Em nota publicada no dia 20 de novembro, o Royal College informou que apoia todas as medidas de segurança contra a Covid-19, incluindo o distanciamento social e o uso das máscaras e higienização das mãos.
Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos relacionados às políticas públicas do governo federal e à pandemia do novo coronavírus. Com a pandemia da covid-19, torna-se urgente o combate a informações que servem apenas para desorientar a população. A postagem no site Day News chegou a ter 20 mil interações, segundo a plataforma de monitoramento CrowdTangle. E no twitter o post teve 2,2 mil curtidas. Dizer que a pandemia é uma farsa, ou que a utilização de máscaras e o distanciamento social é inútil é relativizar as centenas de mortes que ocorreram, e ignorar as diversas comprovações científicas sobre a covid-19.
O Comprova já verificou outros conteúdos que traziam informações falsas sobre a covid-19 e as formas de prevenção à doença, como a postagem que sugeria que o uso de máscaras poderia provocar o acúmulo de líquido nos pulmões e um tuíte onde um deputado usa dados imprecisos para colocar em dúvida a eficiência de medidas de distanciamento social.
O Globo e o Boatos.org também já fizeram checagens sobre as falas de Roger Hodkinson.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.