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“Se os militares querem fazer política, precisam tirar a farda”, diz Lula no Recife

Laércio Portela / 16/08/2021

Crédito: Laércio Portela/MZ Conteúdo

O ex-presidente Lula disse em entrevista coletiva no Recife que não vai procurar interlocução com as Forças Armadas para reduzir possíveis resistências à sua candidatura à presidência. Para o líder petista, a escalada do discurso autoritário de Jair Bolsonaro e as demonstrações de apoio que tem exigido dos militares são o reconhecimento da fraqueza política do presidente.

“Eu não tenho conversas com os militares. Não há porque conversar com os militares. Não há porque conversar com o Ministério Público. Não há porque conversar com a Polícia Federal. São instituições do Estado e têm funções a cumprir e têm que respeitar o regulamento e a Constituição”, afirmou para os cerca de 30 profissionais da imprensa que acompanhavam a entrevista no Hotel Atlante Plaza, Zona Sul da cidade.

Lula citou a Constituição Federal e disse que cabe às Forças Armadas garantir a soberania nacional e defender as fronteiras brasileiras de possíveis inimigos externos. “É isso que ela precisa fazer. E não se meter em política. Se quiser se meter em política, tire a farda, vire um cidadão comum e se candidate a qualquer coisa”, defendeu.

Poucas horas antes de Lula conversar com a imprensa, Bolsonaro prestigiou mais um evento das Forças Armadas, justamente o que motivou o desfile de blindados e tanques na semana passada em frente ao Palácio do Planalto e que foi visto como intimidação e pressão sobre o Congresso Nacional. Em Goiás, nesta segunda, ele acompanhou a Operação Formosa, exercício militar da Marinha que, pela primeira vez em mais de 30 anos, contou com a participação de tropas do Exército e da Aeronáutica.

Lula chamou a atenção para a extensa agenda de Bolsonaro com os militares e o loteamento de cargos no Executivo. “Quando eu ganhar (as eleições), eu vou conversar porque, aí, eu vou ser chefe deles e vou dizer o que eu penso e qual é o papel deles. A democracia não comporta o estado civil governado por quase seis mil militares que ocupam postos de confiança no governo Bolsonaro. Isso acontece não é por mérito do Bolsonaro, não. É por incompetência. Quando o cidadão é incompetente, ele tenta se escudar nas coisas que ele pensa que são fortes. De um lado, são os milicianos, ele adora a relação com essa gente. São os aposentados da polícia militar, são os aposentados das Forças Armadas. Eu sinceramente acho que o que Bolsonaro está fazendo com as Forças Armadas é um desprestígio à instituição”, afirmou.

O ex-presidente reiterou seu apoio ao projeto de lei de autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), em tramitação no Congresso, que proíbe que militares da ativa assumam cargos civis na administração pública. “Tem mais general e coronel dentro do governo do que nos quartéis… mais do que nos 23 anos de regime militar”, assinalou.

“Isso só tem porque Bolsonaro é medroso, não tem relação com a sociedade civil. A sociedade civil com que ele se relaciona são os milicianos e parece que é uma coisa de toda a família. Eu continuo respeitando as Forças Armadas, continuo acreditando na instituição e eles terão o tratamento que a Constituição impõe que eles tenham”, concluiu.

Lula no Assentamento Che Guevara

Lula visita Assentamento Che Guevara, do MST, em Moreno. Crédito: Ricardo Stuckert

Diálogo com o PSB

Pernambuco é o primeiro dos seis estados que Lula irá percorrer nas próximas duas semanas para costurar apoios no Nordeste à sua candidatura à presidência da República em 2022. Ele chegou no final da manhã do domingo, dia 15, ao Recife e se reuniu separadamente, durante a tarde, com correligionários do PT e lideranças do PCdoB e do PSOL. À noite, foi recebido no Palácio do Campo das Princesas para um jantar oferecido pelo governador Paulo Câmara e o prefeito do Recife, João Campos, do PSB.

O encontro marca a reaproximação entre o PT e o PSB pernambucanos depois de um segundo turno muito agressivo entre João Campos e Marília Arraes na disputa pela Prefeitura do Recife, em 2020, em que os socialistas exploraram o discurso do antipetismo para enfraquecer a candidatura do PT na reta final da eleição.

No jantar, Lula ressaltou a longa história de sua relação com o PSB desde a época do ex-governador Miguel Arraes e do seu neto, o ex-governador Eduardo Campos. Deixou uma porta aberta aos socialistas, dizendo que pretende aglutinar o maior leque possível de forças para resistir ao governo Bolsonaro e apresentar um projeto eleitoral em 2022, que poderia contar com a participação do PSB, entendendo que o partido de Paulo Câmara está também debatendo a possibilidade de lançar candidatura própria.

Para o senador Humberto Costa (PT), o encontro entre Lula e as lideranças do PSB em Pernambuco facilita a retomada da relação que ficou estremecida entre petistas e socialistas. “Facilita. Nós retomamos o diálogo, mas só vamos avançar sobre eleições em Pernambuco depois que houver ou não um entendimento em nível nacional. Aqui estamos prontos para várias alternativas, desde a candidatura própria do PT até o apoio à candidatura de um outro partido”.

Presidente do PT de Pernambuco, o deputado estadual Doriel Barros entende que a prioridade do partido agora é derrotar Bolsonaro. “As outras questões nós temos que dialogar. Os partidos têm suas diferenças, vamos respeitar. Não vamos ficar remexendo nas feridas do passado”.

Uma das principais apoiadoras da candidatura de Marília Arraes à Prefeitura do Recife contra o PSB, a deputada estadual Tereza Leitão faz questão de relembrar que o “comportamento de João Campos ressuscitou o antipetismo no estado, praticado sempre pela direita”. A deputada defende a receita dada por Lula: conversar, conversar e conversar.

“Lula fez o gesto. Eles (o PSB) têm que decidir. Querem de fato derrotar Bolsonaro conosco ou acham que podem derrotá-lo sozinhos? Essa é a encruzilhada, que é deles, não é nossa. Do nosso ponto de vista, qual vai ser o palanque no estado? O melhor para Lula, o mais confortável politicamente e o mais forte, eleitoralmente. As duas teses continuam existindo dentro do PT e eu acho que dentro do PSB também. Nacionalmente eles não se resolveram”.

Citando o deputado federal Tadeu Alencar (PSB), Teresa argumenta que as conversar estão apenas no início. “O importante é continuarmos construindo”. A deputada enfatiza que o PT tem dois nomes fortes para a disputa local do ano que vem, o de Humberto e o de Marília. E que, no entendimento dela, o PSB também não fechou questão. “O fato de Geraldo Julio (ex-prefeito do Recife) não ter ido para a reunião ontem é o exemplo que o PSB ainda não discutiu a aliança”.

Antes da coletiva, na manhã desta segunda, Lula esteve no acampamento Che Guevara, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), no município de Moreno, Região Metropolitana do Recife. À tarde, estavam previstas conversas com parlamentares do PP e do Republicanos e, à noite, encontro com representantes de movimentos sociais. Nesta terça pela manhã (17), ele segue para o Piauí. Estão no roteiro também Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia.

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AUTOR
Foto Laércio Portela
Laércio Portela

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República