Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52
Crédito: @charleshfotografia/Somos todos Muribeca
Na Muribeca, em Jaboatão dos Guararapes, os alagamentos eram raros. Há um mês, as mais de cinco mil famílias que moram no bairro viram a água invadir suas casas. Muitos perderam tudo, com a água chegando até o teto. De lá pra cá, a ajuda que receberam da prefeitura não foi a esperada.
Luíza – nome fictício da moradora de Jaboatão, que é funcionária pública e teme represálias – conta que sua mãe perdeu tudo. A água no conjunto Brasil Novo chegou até o teto. “A última enchente que entrou água foi em 2005, mas nada se compara ao que aconteceu agora. Dessa vez, entrou em toda casa e perdemos tudo. Minha mãe, de mais de 70 anos, ficou 12 horas em cima da laje, esperando pelo resgate do Corpo dos Bombeiros. E teve sorte. Alguns vizinhos ficaram 24 horas ilhados”, conta.
Mesmo tendo perdido todos os móveis, roupas, documentos e eletrodomésticos, a mãe de Luiza não recebeu nenhuma assistência da prefeitura de Jaboatão. “Nada, nada Todo dia fica alguém em casa para ver se a prefeitura vai lá, fazer o cadastro”, conta Luíza. “Quem ajudou foram as doações da população, das ongs”, diz. Também faz mais de um mês que a idosa, diabética e hipertensa, não recebe as visitas dos agentes de saúde. Quando a água baixou, o lixo e entulhos ficaram dias amontoados pelas ruas. Luiza também conta que faz mais de um mês que a mãe não recebe as visitas dos agentes de saúde.
Hoje, quando completou um mês do fatídico 28 de maio, em que dezenas de pessoas morreram em deslizamentos na Região Metropolitana do Recife, moradores de Jaboatão dos Guararapes fizeram um protesto pedindo medidas mais consistentes, como a dragagem de canais e do rio Jaboatão, além de mudanças nas construções de fábricas, que obstruem o escoamento das águas.
Governado por Luiz Medeiros, do PL, — mesmo partido de Bolsonaro e do ex-prefeito Anderson Ferreira, que renunciou para concorrer ao Governo do Estado — Jaboatão dos Guararapes foi o município que mais registrou mortes após as chuvas: foram 64 óbitos. Passado um mês da tragédia, ainda há sete abrigos ativos, com 488 pessoas, segundo a prefeitura do município. Logo após as cheias, 23 escolas passaram a funcionar como abrigos, chegando a receber 1.225 pessoas. Os moradores da Muribeca reclamam que os abrigos disponibilizados ficam distantes: no conjunto Marcos Freire, a quatro quilômetros de lá, ou ainda mais longe, em Muribeca Velha, a 15 quilômetros de distância.
A liberação dos auxílios em dinheiro segue em ritmo lento. O valor de R$ 1,5 mil prometido pela prefeitura para as famílias atingidas só foi liberado até agora para 59 pessoas. De acordo com Jaboatão, as famílias que passaram nos abrigos já estão cadastradas para receber o benefício, enquanto outros 239 moradores estão com documentação ou inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) pendentes.
A liberação do auxílio do governo do Estado, no mesmo valor, é ainda mais lento. Ninguém recebeu ainda. São as prefeituras que estão responsáveis por fazer o cadastramento. Na Muribeca, por exemplo, são apenas nove agentes de saúde que estão batendo de casa em casa e tirando fotos para fazer o cadastro. “Na minha quadra, por exemplo, ninguém passou ainda”, afirma Marcelo Trindade, diretor executivo da ong Somos Todos Muribeca. “Deveriam ter aberto uma seleção emergencial ou chamado pessoas de outros órgãos”, diz.
Pela Muribeca, a ajuda chegou para poucas pessoas e de forma inconstante. “Não foi a prefeitura, não foi Governo do Estado, quem fez a maior parte das ações e doações. Foram os movimentos, a população. Muita gente fez doações”, conta Marcelo, que ainda está realizando a entrega de mantimentos no bairro.
Hoje, depois do protesto, a prefeitura chamou os moradores para conversar e fazer reuniões. “Mas essas reuniões localizadas não dão resultado. Precisamos de ações no macro. Muitas empresas se instalaram na Muribeca em locais que eram bolsões de água, que era para onde a água da chuva corria. Esses aterros, com licença da prefeitura e do estado, foram os responsáveis pelos alagamentos aqui, além do lixo nos canais”, denuncia Marcelo.
Em nota, a prefeitura de Jaboatão afirma que foram distribuídos 10.765 cestas básicas, 2.166 colchões, 3.785 kits de higiene e 35.371 garrafas e copos de água mineral. “Já foram investidos R$ 10,270 milhões em ações de resposta imediata, de maio para cá. Só de entulhos e lixo de ruas, rios, galerias e canaletas removemos 29 mil toneladas, além das ações de tapa-buracos, recapeamento, colocação de lonas, iluminação, podas”, diz a nota.
Sobre a lentidão no cadastramento estadual, a prefeitura afirma que “agentes de saúde e endemia estão indo de casa em casa, onde registram os danos com fotos e colhem os dados dos moradores, que precisam ser inscritos no CadÚnico e atender aos demais critérios do governo, como terem os imóveis atingidos total ou parcialmente. Os recursos ainda serão liberados pelo Estado”.
Além de Jaboatão dos Guararapes, a Marco Zero solicitou às prefeituras do Recife, Olinda e Camaragibe, os municípios com mais mortos após os deslizamentos, quais ações haviam sido feitas nestes 30 dias. Apenas Jaboatão e a prefeitura do Recife responderam à reportagem.
Em nota, a prefeitura do Recife afirma que beneficiou cerca de 9,5 mil famílias com os auxílios Municipal e Estadual (AME), no valor de R$ 2.500, em parcela única. Mais de 32 mil famílias foram cadastradas, num total de R$ 23, 6 milhões. Assim como em Jaboatão dos Guararapes, o auxilio moradia passou a ser de R$ 300.
A nota também afirma que a Prefeitura do Recife solicitou ao Governo Federal a liberação de R$ 300 milhões para execução de obras de contenção de encostas, requalificação de escadaria, construção de muros de arrimo, dentre outras benfeitorias. “A gestão municipal também reivindicou o repasse de R$ 74 milhões remanescentes de um convênio celebrado entre a Prefeitura do Recife com a União, desde 2012, via o PAC Encosta, que totalizava R$ 150 milhões. Além disso, a Prefeitura reforçou o pleito de R$ 200 milhões para a construção de unidades habitacionais”, diz a nota.
Uma questão importante!
Colocar em prática um projeto jornalístico ousado custa caro. Precisamos do apoio das nossas leitoras e leitores para realizar tudo que planejamos com um mínimo de tranquilidade. Doe para a Marco Zero. É muito fácil. Você pode acessar nossa página de doação ou, se preferir, usar nosso PIX (CNPJ: 28.660.021/0001-52). Apoie o jornalismo que está do seu lado.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org