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Crédito: Ministério da Saúde/Arquivo
Descoberta no Japão no começo de janeiro, depois que turistas infectados voltaram de uma viagem ao Amazonas, a variante P1 do novo coronavírus rapidamente despertou preocupação. As mutações mais significativas que ela traz são justamente na proteína spike: a “chave” que o vírus usa para se ligar às células humanas e infectar o corpo. Isso torna a variante mais eficiente e transmissível – pois precisa de menor quantidade de vírus para iniciar a infecção. Dois meses depois de descoberta, a variante já é dominante em pelo menos seis estados brasileiros, incluindo Pernambuco, onde se se estima que 50,8% dos casos já são consequência da P1.
A variante brasileira é tão infecciosa que ainda em janeiro o epidemiologista chefe dos EUA Anthony Fauci afirmou que ela poderia se tornar a dominante no mundo. Países montaram barreiras para impedir que ela se espalhe: desde pesadas quarentenas impostas aos viajantes que passaram pelo Brasil à proibição de voos. Por aqui, porém, nada foi feito. Do Amazonas, o vírus rapidamente se espalhou por todo o país.
Pelo pouco tempo de descoberta, há várias perguntas ainda sem repostas sobre a P1. E também a P2, detectada primeiramente no Rio de Janeiro e que também é alvo de preocupação da comunidade científica.
Causa doença mais severa? Ainda não se sabe. Atinge mais os jovens? Ainda não se sabe. Tem um período de incubação mais curto? Ainda não se sabe. As vacinas têm a mesma eficiência no mundo real? Ainda não se tem certeza. Reinfecta quem já teve? provavelmente, já que três casos de reinfecção foram confirmados por sequenciamento genético no Amazonas. Mas ainda não se sabe qual a real proporção dessas reinfecções.
A maior transmissibilidade parece ser, hoje, o único consenso.
Um pré-print do Observatório Covid-19 — ou seja, uma pesquisa ainda não revisada por pares — divulgado nesta semana, aponta que a P1 é 2,5 vezes mais contagiosa. Outra pesquisa de cientistas da USP, também não revisada por pares, aponta um valor bem semelhante, de 2,2 vezes. Ambas usaram modelos matemáticos para estabelecer esses dados.
Para o pesquisador da Fiocruz-PE Gabriel Wallau, as novas variantes – chamadas de variantes de atenção ou de preocupação – não podem ser apontadas, sozinhas, pela segunda onda no Brasil. “Culpa é um negócio complicado. Como a gente tem visto para o coronavírus, as causas são multifatoriais. O grande problema é que estamos em uma pandemia com milhares de pessoas infectadas. Sem mitigações efetivas, há mais chances para mutações, ficando praticamente inevitável que essas essas novas variantes se espalhem”, diz.
Ao contrário do que aconteceu no primeiro pico da doença, se multiplicam os relatos de pessoas com menos de 40 anos em UTIs. E até alguns hospitais, como o Instituto Materno Infantil de Pernambuco (Imip), registram aumento no número de crianças internadas. O que levou a suposições de que o vírus estaria agora mais eficiente em infectar pessoas mais jovens.
Wallau acredita que isso ainda precisa ser estudado. “Vírus mais transmissíveis vão infectar mais pessoas. E mais pessoas de todas as idades, o que leva a um colapso do sistema hospitalar. A grande questão realmente é se essas novas variantes também são mais agressivas. Nós ainda não temos como cravar essa informação”, diz.
O médico Tiago Feitosa, integrante da Rede Solidária em Defesa da Vida, lembra que o Brasil já estava em um nível alto de contaminação e iniciou uma piora ainda em novembro, com o retorno das aulas presenciais e a liberação quase total das atividades econômicas. “Houve quase uma normalização da vida social também, com encontros familiares, festas. O vírus é dependente do convívio social. Quando há conversas, contatos sociais, alimentação em conjunto, principalmente em locais fechados, isso tudo favorece a propagação do vírus”, diz. “Com essa explosão de casos, o que eram casos raros, como em jovens e crianças, passam a ser comuns. Já tínhamos um vírus extremamente transmissível que agora se tornou pelo menos duas vezes ainda mais contagioso. E os jovens estão nas ruas, no trabalho, nas escolas, são os mais expostos ao novo coronavírus”, explica.
Em nota técnica, a Fiocruz afirma que “até o momento, não tem sido observada uma clara associação dessas variantes com uma evolução clínica mais grave, mas estudos adicionais estão em andamento para esclarecer aspectos relacionados com o sequenciamento genético dessas variantes, bem com sua transmissibilidade e o real impacto dessas variantes na dinâmica de ocorrência da Covid-19. “
Quanto às vacinas, as notícias preliminares são animadoras. De acordo com o Instituo Butantan, dados iniciais divulgados nesta semana apontam que a Coronavac é capaz de combater as variantes P.1 e P.2 do novo coronavírus. O estudo é realizado em parceria com o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e examina as amostras de 35 participantes vacinados na Fase 3 dos testes da Coronavac. A Astrazeneca/Oxford também afirma que a vacina deles é eficaz, citando estudos preliminares.
É nas vacinas que estão as principais esperanças para se conter a pandemia no Brasil. Mas não só. “É preciso acelerar a vacinação. Mas, nesse momento, é necessário um lockdown de pelo menos 15 dias para diminuir a propagação do vírus”, defende Feitosa.
O Brasil é responsável por metade dos sequenciamentos genéticos do Sarc-CoV-2 feitos na América Latina. Além da rede da Fiocruz, há a Rede Nacional de Sequenciamento Genético, do Ministério da Saúde, que envolve o Instituto Evandro Chagas, no Pará, o Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, e os LACENs da Bahia e Minas Gerais. Em outubro passado, o Ministério da Ciência e Tecnologia criou a rede Coronaômica para também fazer esse acompanhamento das mutações do novo coronavírus.
Mas o sequenciamento genético é um processo demorado e caro, já que todos os insumos são importados. Para o estudo que avaliou a predominância de variantes em oito estados, foi utilizada uma técnica diferente. O virologista Felipe Naveca, da Fiocruz-AM, criou um teste de RT-PCR que detecta quando a infecção é pelo versão anterior do vírus e quando é por uma das novas variantes de preocupação, que têm mutações no mesmo local, a proteína Spike.
“Não dá para saber por esse exame qual é a variante que está predominante nos estados, se a P1, a do Reino Unido ou a da África do Sul. Acreditamos que é a P1, porque se iniciou aqui. As amostras de Pernambuco foram analisadas no Ceará e serão enviadas para cá, onde iremos fazer o sequenciamento para ter a confirmação”, explica Wallau.
Além da identificação das mutações, a vigilância ajuda a identificar quando será necessária a atualização de vacinas e dos kits de exames. “Com as sucessivas mutações, pode ser que eventualmente os exames de RT-PCR atuais não consigam mais identificar os vírus. A mesma coisa com as vacinas. Algumas fabricantes inclusive já estão atualizando as vacinas, que é um processo mais simples e rápido do que a produção de uma nova”, diz o pesquisador.
As medidas de prevenção contra as novas variantes de prevenção continuam as mesmas: distanciamento social, uso de máscaras, ventilação dos ambientes e higienização, principalmente das mãos. Mas está mais do que na hora de usar máscaras mais eficientes. Isso porque, como o vírus é mais eficiente para entrar na célula, quantidades menores já são suficientes para a infecção.
Na Ásia, as máscaras cirúrgicas foram usadas durante toda a pandemia. Desde o início da segunda onda, vários países da Europa têm recomendado o uso de máscaras PFF2/N95 em ambientes fechados e transporte público.
Para Wallau, a atualização das máscaras já deveria ter sido feita há algum tempo. “Aqui no Brasil, quando começou a pandemia, se falou de se usar máscaras de tecido porque havia falta de máscaras profissionais e elas deveriam ser priorizadas para os trabalhadores da saúde”, lembra. “Mas quando a pandemia deu uma arrefecida – que no Brasil nem foi tão significativa – ninguém falou que as pessoas deveriam estar usando máscaras PFF2/N95. À medida que essas máscaras voltaram ao mercado, a população em geral deveria ter começado a usá-las”, acredita Wallau.
Ele lembra que as máscaras de tecido não foram feitas para filtrar partículas virais e de que o coronavírus se espalha por aerossóis – partículas muito menores que as gotículas e que podem se espalhar por distâncias maiores que dois metros, principalmente em ambientes pouco ventilados. “Uma coisa que a população também pode fazer, se não tiver PFF2/N95, é usar duas máscaras: uma máscara cirúrgica combinada com uma de tecido”, afirma.
O uso da máscara, sozinho, também não adianta para a prevenção. “É uma soma de fatores. No Brasil há uma completa desconsideração pelo distanciamento social. Usar máscara, seja de qual tipo for, não significa que se possa aglomerar com outras 200 pessoas”, diz Wallau, acrescentando que os olhos também devem ser protegidos.
O médico Tiago Feitosa traz a questão para a realidade brasileira. “Não tenho dúvidas que uma PFF2 protege muito mais, por isso ela é preconizada para quem está em UTIs, tendo contato direto com pacientes doentes, expelindo vírus. Agora, o uso dessas máscaras em uma escala populacional é impensável para o Brasil. São mais caras e a maioria da população não tem acesso a elas”, comenta.
“Há diferentes máscaras de tecido. As de tripla camada, com filtro de TNT, são sim uma barreira contra o vírus. Temos que estimular a população a usar máscaras, mesmo que seja de pano. O que o Brasil precisa é de um poder público mais ativo nessa questão, distribuindo máscaras para as populações das periferias, de baixa renda. Um programa de distribuição de máscaras em massa e conscientização sobre o uso correto. É importante apostar muito mais nisso, pois muitas pessoas desacreditam das máscaras”, afirma Feitosa.
Para quem procura máscaras PFF2/N95 (ambas têm o mesmo grau de filtragem) o site PFF2 Para Todos faz um monitoramento diário do valor e disponibilidade delas, postando links de onde está mais barato.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org