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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
A Conferência Brasileira da Mudança do Clima teve início no Recife, nesta quarta-feira (6), sem representantes do Governo Federal. Como governador do estado anfitrião, Paulo Câmara (PSB) convidou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para o evento, mas o titular da pasta não se deu sequer ao trabalho de responder.
Salles, que mostrou desleixo no tratamento da tragédia ambiental do derramamento de petróleo no litoral nordestino – questão que está indiretamente ligada à dependência energética de combustíveis fósseis -, mostra o mesmo descompromisso nas discussões sobre a emergência climática global e seus enfrentamentos. Foi o secretário do Meio Ambiente de Pernambuco, José Bertotti, quem contou que o ministro ignorou as 10 entidades correalizadoras da Conferência do Clima, quando elas procuraram a pasta do Meio Ambiente para discutir o evento. Pernambuco terminou acolhendo o debate.
“Desde que Bolsonaro assumiu não se tem uma continuidade política de enfrentamento às mudanças climáticas”, analisou o secretário Bertotti. Isso acontece mesmo sendo o Brasil o sexto maior emissor de gases do efeito estufa do mundo, como bem lembrou o coordenador geral do MapBiomas e do SEEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), Tasso Azevedo. No ano passado, inclusive, as emissões brasileiras tiveram aumento de 0,3% por causa do avanço do desmatamento na Amazônia.
Bertotti explicou que a Conferência do Clima é importante porque aponta soluções para o cumprimento do Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário. Funciona como uma preparação brasileira para a COP 25 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), que acontecerá em Madri, na Espanha, no próximo mês. O Brasil, inclusive, deveria sediar a COP 25, mas presidente Jair Bolsonaro (PSL) declinou da candidatura.
“Primeiro não quis realizar a COP, até é direito do governo. Agora não participou dessa conferência, que é um balanço tradicional das ações de enfrentamento ao aquecimento global”, analisou o secretário estadual de Meio Ambiente.
A negativa do Governo Federal de sediar a COP 25 terminou unindo entidades defensoras do meio ambiente, governos estaduais e prefeituras para a realização Conferência do Clima. Esses atores produziram juntos um documento com compromissos para a descarbonização da economia, chamado de Declaração do Recife. Essa espécie de carta conjunta foi lida e assinada na abertura da Conferência do Clima, nesta quarta (6).
A Declaração do Recife estabelece 17 compromissos direcionados às empresas, aos governos, à academia e à sociedade civil organizada. Todos os 26 estados mais o Distrito Federal se comprometeram a adotar essas medidas. Carlos Magri, diretor-presidente do Instituto Ethos, uma das correalizadoras da Conferência do Clima, destacou que o documento reconhece o combate à pobreza e a desigualdade como os principais desafios para o enfrentamento à crise climática no Brasil. “Os 300 dias do governo Bolsonaro, completados ontem (5), na minha visão são 300 dias de um desgoverno incapaz de reconhecer seus enormes erros. Estamos vendo o desmantelamento de políticas sociais, ambientais e fundiárias que construímos há anos”, considerou.
Independente da posição do ministro Ricardo Salles ou do presidente Jair Bolsonaro, os compromissos da Declaração do Recife serão levados à COP 25, ainda que não como propostas oficiais do Estado brasileiro. “Existem compromissos que a sociedade brasileira assumiu de redução de emissões de carbono, com as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) e enfrentamento das mudanças climáticas”, considerou.
Na mesma linha, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB) ratificou que os “estados e os municípios não vão deixar de discutir essas questões, que são muito importantes”, mesmo que o Governo Federal não se envolva com as temáticas. Câmara participou da última Conferência do Clima em Nova Iorque, este ano, representando o Consórcio Nordeste, que reúne os governadores dos estados nordestinos em oposição ao governo Bolsonaro. Ele fez questão de destacar a presença dos governos nordestinos na abertura da Conferência do Clima, como uma demonstração de união da região e também um ato político. Os governadores, inclusive, exibiram uma faixa com a frase “governadores pelo clima”, ao término do evento.
O governador do Piauí, Wellington Dias (PT), um dos gestores nordestinos presentes, lamentou a ausência do Governo Federal nos debates ambientais e climáticos, que se mostram urgentes diante dos impactos que o aquecimento global produzem nas cidades e no campo. Ele lembrou que o “Brasil precisa se preparar para a cobrança dos compromissos assumidos no Acordo de Paris”.
Durante a abertura da Conferência do Clima, que segue até o próximo dia 8, o Recife se tornou a primeira cidade brasileira a reconhecer emergência climática global. O decreto foi assinado pelo prefeito do Recife, Geraldo Júlio (PSB), que assumiu o compromisso de zerar emissões de carbono até 2050.
“Recife é a 16º cidade mais vulnerável à mudanças climáticas”, destacou o gestor, explicando que isso se deve à geografia da cidade, que tem áreas abaixo do nível do mar e muitos morros. O prefeito disse que a prefeitura já está tomando medidas para a redução de carbono e que as emissões estagnaram. O governador Paulo Câmara falou de investimentos de Pernambuco em energias renováveis, como a eólica e a solar.
Além do que os governos podem fazer para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, a importância da vigilância da sociedade civil organizada e da preparação de jovens e profissionais por parte da academia são destacadas na Declaração do Recife, que pode ser consultado neste link. Entidades e empresas que queiram se comprometer com as medidas podem assinar o documento, direcionado à sociedade como um todo e que também serve de inspiração para mudanças de hábitos de cidadãos comuns.
Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).