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Sem receber auxílios, famílias que perderam tudo após as chuvas são forçadas a deixar abrigos

Maria Carolina Santos / 01/07/2022
Muro onde se lê, à direita da imagem, em letras quase apagadas a inscrição Casarão do Barbalho e, à esquerda, faixas brancas com as palavras Despejo Zero em letras vermelhas.

A casa de Maria, em Jaboatão dos Guararapes, há pouco mais de um mês foi totalmente tomada pelas águas das chuvas. Ela não sabe nem mensurar o que a família perdeu: “foi tudo”, diz. Desde então, passou por dois abrigos da prefeitura, em escolas municipais. A residência dela permanece inabitável, mas nesta semana ela teve que deixar o abrigo que a prefeitura oferecia em uma escola municipal. Ainda não sabe se vai ou não entrar no auxílio-moradia, que subiu de R$ 150 para R$ 300.

Maria, que não quer divulgar o nome por temer represálias, teve que alugar uma casa às pressas, sem saber como vai pagar os meses seguintes. De última hora, um dia antes de ela ser obrigada a sair do abrigo, o auxílio emergencial de R$ 1,5 mil da prefeitura foi depositado. “Se eu ficasse no abrigo, a prefeitura disse que não iria liberar o auxílio. Com esse dinheiro vou ajeitar um pouco a minha casa”, conta Maria.

A desocupação das escolas que serviram para abrigar os desalojados pelos alagamentos e deslizamentos de terra nas chuvas do fim de maio acontece porque as aulas recomeçam na próxima semana. Mas tanto pessoas abrigadas quanto as entidades da sociedade civil denunciam que muitas famílias estão sendo expulsas sem ter recebido qualquer auxílio nem entrado no cadastro auxílio moradia. E sem ter para onde ir.

Em outro abrigo de Jaboatão, no conjunto Marco Freire, a desocupação ocorreu na semana passada. Não foi uma desocupação amigável. “O processo foi bem agressivo e sem aviso prévio, avisaram em um dia para sair no outro. Foi um desespero porque tinha gente que não tinha para onde ir, nem dinheiro”, conta uma mulher que ajudou como voluntária no abrigo e que também pediu para ter o nome omitido nesta reportagem.

De acordo com ela, a única opção dada pela prefeitura para os desabrigados foi a ida para outro abrigo, distante, no bairro de Muribeca Rua – ou Muribeca Velha, como também é chamado. “Fizeram isso na intenção de desmobilizar o acesso dos voluntários, porque aí não poderiam mais seguir denunciando e ajudando as pessoas que estão passando por essa humilhação”, diz. “Quando a mídia saiu, voltaram novamente a repetir a fala de que os abrigados teriam que sair, deixando subentendido que se não saíssem por vontade própria iriam sair forçados”, denuncia.

O Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH) acompanha a situação nos abrigos de Jaboatão dos Guararapes e registrou que, depois de saírem dos abrigos, algumas famílias passaram até duas semanas sem receber o auxílio. “Houve uma estratégia de fazer ameaças sutis, de que se as famílias não deixassem os abrigos, não iriam receber o auxílio da prefeitura nem iriam entrar no auxílio moradia. Muitas famílias deixaram as escolas sem saber para onde ir e sem receber qualquer valor. Nesta semana, o auxílio de R$ 1,5 mil foi entregue para a maioria das famílias, mas muitas ainda não sabem se vão entrar ou não no auxilio moradia”, diz a advogada Natália Almeida, do CPDH.

O que diz a Prefeitura de Jaboatão?

A Marco Zero questionou a prefeitura de Jaboatão dos Guararapes sobre o pagamento dos auxílios, a expulsão dos abrigos e também sobre um termo que os desabrigados estão tendo que assinar, eximindo a responsabilidade da prefeitura sobre as pessoas que deixam os abrigos.

A prefeitura de Jaboatão confirmou a existência do termo de responsabilidade, mas afirmou que “não há expulsão e nem obrigatoriedade”. “Cada família que volta voluntariamente para casa assina o Termo de Responsabilidade. Na saída, é entregue material de limpeza e cesta básica. Mas quem não se sente seguro em deixar o abrigo pode continuar sendo acolhido pela gestão municipal”, diz trecho da nota.

A Prefeitura do Jaboatão dos Guararapes informou também que as famílias acolhidas nos abrigos estão sendo orientadas a retornar para suas residências, “conforme avaliação dos imóveis feita pela Superintendência da Defesa Civil do município”. “Atualmente, a Prefeitura do Jaboatão mantém 6 abrigos em unidades escolares, acolhendo 148 famílias. No período de maior volume de chuva, foram montados 23 abrigos para cerca de 380 famílias que tiveram seus imóveis afetados. Caso seja necessário, a Prefeitura voltará a aumentar o número de abrigos para abrigar mais famílias”, diz a nota.

De acordo com a prefeitura, o esvaziamento dos abrigos é necessário já que “há orientação do Ministério Público de Pernambuco para que os alunos da rede municipal voltem a frequentar as aulas presencialmente para não terem mais prejuízo no ano letivo”.

Sobre os auxílios, a prefeitura informou que as famílias acolhidas entre os dias 25 de maio e 1º de junho foram cadastradas para receber o Auxílio Emergencial Municipal, no valor de R$ 1.500, conforme Lei Municipal aprovada em caráter de urgência. Até o momento, cerca de 150 já estão aptas a ir ao banco sacar o pagamento. “O benefício é concedido após o cruzamento de dados, verificação de inscrição no CadÚnico e se o beneficiado tem documentos com fotos. O banco só libera o pagamento mediante apresentação de documento comprobatório”, diz a nota.

A demora na liberação, de acordo com a prefeitura, acontece “por se tratar de recursos públicos, o pagamento tem que ser feito com transparência e segurança para atender realmente a quem tem direito e necessita”.

Sobre o auxílio moradia, a prefeitura afirmou que estão sendo cadastradas as famílias que perderam os imóveis ou as famílias cujos imóveis tiveram “dano estrutural”. A nota finaliza afirmando que cada caso é avaliado pela Defesa Civil, que encaminha o resultado da vistoria à Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania recomendando o pagamento mensal. “O número de beneficiados só será conhecido após as vistorias em todos os imóveis que tenham sido atingidos por quedas de barreiras e alagamentos e que não ofereçam condições de moradia”.

Escola municipal de Jaboatão esvaziada após retirada dos desabrigados

No Recife, expulsão do casarão do Barbalho

O que está acontecendo em Jaboatão dos Guararapes não é um caso isolado. Há denúncias semelhantes em abrigos do Recife e de Olinda. Na manhã desta sexta-feira, 11 famílias que ainda estavam no casarão de Barbalho, onde funciona uma escola municipal, no bairro da Iputinga, fizeram um pequeno protesto que terminou com a chegada da Polícia Militar. Os desabrigados cobravam o pagamento dos auxílios no valor de R$ 2,5 mil prometidos pelo Governo do Estado (R$ 1,5 mil) e pela Prefeitura do Recife (R$ 1 mil).

Ao final do protesto, restavam apenas quatro famílias no local. Moradores de barracos precários na beira do rio Capibaribe, elas não tinham para onde ir. Há também uma forte pressão da comunidade – onde o poder do Estado rivaliza com o de facções criminosas – para que as famílias deixem o local, já que as aulas da rede municipal retornam na próxima semana.

“Esse abrigo foi feito de forma emergencial para pessoas que perderam as casas, mas depois de mais de um mês muita gente não tem para onde voltar”, conta o advogado Bernardo Weinstein, membro da Comissão de Direitos Humanos da ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE), que foi enviado pela comissão para participar das negociações com a prefeitura. “Os abrigados estão resignados a sair. São pessoas que não tinham nada e perderam o pouco que tinham, vítimas permanentes do Estado, estão no espectro social dos excluídos de tudo da sociedade”, diz.

As famílias desabrigadas contaram para o representante da OAB-PE que foram cadastradas pela Prefeitura do Recife dando apenas o nome e o número do CPF, e que tiraram fotos deles. Não foi dado às famílias nenhum número de protocolo para que possam acompanhar a solicitação ou consultar prazos. “Quando perguntamos quando vai sair o valor, os representantes da prefeitura falaram que ainda precisa ser feita uma vistoria. São pessoas que não perderam parentes nos deslizamentos, então não têm expectativa de receber a pensão vitalícia, mas que têm direito aos auxílios anunciados”, diz o advogado.

A opção oferecida pela Prefeitura do Recife para quem não tem para onde ir foi vaga em um dos abrigos voltados para moradores de rua. Uma mulher, mãe de três filhos, chegou a ir para um desses abrigos, no centro do Recife, mas voltou para o casarão após ter sido assaltada. Ela foi um caso isolado: junto com lideranças da comunidade, conseguiu uma local para ficar.

O casarão do Barbalho virou abrigo após a escola de referência Diná de Oliveira, também na Iputinga, ficar lotado com centenas de famílias desalojadas pelas chuvas. No casarão secular, cerca de 30 famílias foram abrigadas no final de maio. A intenção da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PE é enviar um ofício para a prefeitura do Recife, cobrando auxílio para essas famílias. “Se fôssemos um país sério, não era para essas pessoas voltarem para a beira do rio, e sim serem colocadas em residências dignas”, diz Weinstein.

A Marco Zero solicitou informações à Prefeitura do Recife sobre o destino das famílias do casarão e sobre quando elas devem receber o auxílio. Essa matéria será atualizada com a resposta, quando chegar.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org