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No começo desta semana, o Seminário Parque da Memória Ferroviária – Construção Participativa do Plano de Uso e Gestão discutiu o futuro do parque, que fica por trás dos prédios do Novo Recife, da construtora Moura Dubeux, no Cais José Estelita. Será um parque diferente: é uma área imensa, com mais de 55 mil metros quadrados, indo de Afogados até o pátio do Forte das Cinco Pontas, mas muito estreito, com a parte mais larga com apenas 60 metros. Além do tamanho singular, o espaço do parque conta com uma série de restrições por conta da proteção ao parque ferroviário.
Na segunda-feira (11), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS), órgão da Prefeitura do Recife, e o escritório de arquitetura Luiz Vieira apresentaram o anteprojeto do desenho do parque para uma plateia de arquitetos, urbanistas, estudantes e sociedade civil organizada, para receber contribuições que possam se integrar ao futuro parque. Na terça-feira (12), houve uma visita técnica ao terreno e oficinas sobre o projeto.
Na apresentação, o Iphan fez uma distinção entre o que é patrimônio ferroviário e o que é memória ferroviária, conceitos importantes para se trabalhar na preservação do local. A base legal e doutrinária para a preservação do patrimônio ferroviário, apresentada pelo Iphan, inclui a Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 11.483 de 2007, que foca na revitalização do setor ferroviário e na preservação da memória ferroviária. Outros marcos legais, como o Decreto Lei 25 de 1937 (tombamento) e a Lei 3.1924 de 1961 (motivos arqueológicos), também foram citados, além de cartas doutrinárias específicas para o patrimônio industrial.
O parque ferroviário foi o fundador da estrada de ferro do Recife-São Francisco em 1858, a segunda linha férrea construída no Brasil e o primeiro pátio no Brasil a estabelecer a ligação porto-ferrovia. Na época da construção o objetivo era escoar a produção açucareira e também fazer o transporte de passageiros. A empresa britânica Great Western of Brazil Railway assumiu a gestão em 1901 e, posteriormente, a Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) em 1957 até 2007, quando foi extinta pelo Governo Federal.
A arquiteta e urbanista Maria Emília Freire, do Iphan, mostrou fotografias dos prédios da estação ferroviária das Cinco Pontas, construída em 1858 e demolida 110 anos depois para abertura da avenida Sul e do viaduto das Cinco Pontas – que está em discussão para ser demolido. Mostrou também uma rotatória do século XIX, que pode ser redescoberta através de um trabalho de arqueologia que será desenvolvido na área e pode ser incorporada ao parque.
O primeiro bem valorado pelo Iphan foi o armazém com características de casario em 2010, seguido pela valoração de toda a área operacional do pátio em 2015. Em 2020, o pátio foi homologado como sítio arqueológico do Iphan.
O bem com “maior valor” do local, contudo, é um vazio: as linhas ferroviárias, com bastante espaço para a passagem e a manobra dos vagões dos trens. É o maior valor e também o maior desafio do parque. “Esse ‘vazio’ não é um espaço a ser preenchido, mas sim uma área repleta de construções de linhas, de materiais de manobra e estruturas. É um vazio cheio de memórias, cheio de significados. Acréscimos que possam alterar e mutilar o bem ou que preencham excessivamente o vazio devem ser desencorajados, pois a obstrução do vazio pode gerar graves prejuízos aos bens culturais associados”, disse Maria Emília Freire, na apresentação.
Por conta dessa grande área de preservação, não pode ser um parque com árvores, com quadras ou muitos lugares de uso intenso. Representante do ICPS, Mariana Asfora falou sobre com o projeto do parque tem como objetivo reintegrar esta área, hoje esquecida, à cidade, para que ela tenha caminhabilidade e conectividade entre diferentes áreas históricas, além de fomentar novos usos que equilibrem a preservação do vazio e a memória ferroviária com as necessidades contemporâneas da população, como espaços de lazer e cultura.
Segundo ela, em outros espaços que estão dentro do futuro parque, mas não estão no pátio ferroviário, podem ter outros usos. Em Afogados e no Coque, o Setor C teria como objetivo a “inserção alimentar e a segurança alimentar das comunidades carentes” com programas de agricultura urbana, como hortas comunitárias. A parte do meio, seria de suporte ao “adensamento previsto com inclusão social e integração com a comunidade local, mediante equipamentos de educação, esporte e lazer”. E, finalmente, a parte final seria voltada para a integração com o centro do Recife e a borda d’água, onde fica o Parque da Resistência Leonardo Cisneiros, em homenagem ao professor universitário e militante do Ocupe Estelita falecido em 2021.
Luiz Vieira, o arquiteto responsável pelo anteprojeto, enfatizou na apresentação a importância de preservar o vazio construído do parque. A intenção é manter a leitura longitudinal do pátio ferroviário e a aridez que lhe é característica, garantindo a permanência da lógica articulada pelas linhas férreas. “O projeto busca harmonizar essa aridez com a necessidade de conforto e sombra para os usuários, concentrando o paisagismo nas extremidades do pátio e utilizando grama e brita no solo para manter a permeabilidade e a técnica construtiva original dos trilhos”, explicou.
Com isso, a arborização ficaria apenas nas extremidades do parque. Algumas partes do parque teria coberturas, criando corredores para pedestres e desviando o olhar do paredão de prédios do Novo Recife, no Cais José Estelita. Os trilhos poderiam ser utilizados para pequenos carrinhos, para passeios no parque. E vagões estacionados no parque poderiam ter sorveterias, sedes de ongs, banheiros públicos, cafeterias. O uso e a gestão do parque foram debatidos na terça-feira e também receberam contribuições dos participantes do seminário.
Vagões que estão no pátio poderão ser usados para diversas atividades. Foto: Maria Emília Freire/Iphan
Na parte dos debates, uma das dúvidas da plateia foi em relação a área cimentada e a permeabilidade do solo. De acordo com Luiz Vieira, apenas 10% da área será cimentada e que o anteprojeto prioriza a preservação da técnica construtiva original das linhas férreas, que utilizavam dormentes e lastro de brita. Embora haja trilhos com base de concreto e passeios pavimentados, foi assegurado que as áreas verdes serão amplas, com grande uso de grama e brita, que são permeáveis. No mínimo 70% da área será de solo natural.
Outro ponto foi que a intenção de conectividade com o Parque da Resistência Leonardo Cisneiros fica prejudicada pelo paredão de prédios da Moura Dubeux. Luiz Vieira afirmou que as quadras do Novo Recife não têm mais que 200 metros e que a conectividade entre as duas áreas públicas não será prejudicada. A previsão de fachada ativa, como lojas nos térreos dos prédios, também foi mencionada.
As contribuições do seminário serão analisadas e algumas serão incorporadas ao projeto do parque. A previsão é de que as intervenções, após o projeto pronto e aprovado, demorem menos de um ano para serem concluídas. A construção do parque e a reforma dos imóveis preservados são uma parceria da prefeitura do Recife com a Moura Dubeux, em uma contrapartida pelo condomínio Novo Recife.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org