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Serviços de entrega e a promessa de “empreendedorismo”

Marco Zero Conteúdo / 02/03/2021

Crédito: CUT

Por Adriana Amâncio

Delivery é uma atividade típica da economia digital, que segundo o teórico Phillip Kotler, considerado o pai do marketing moderno, é marcada pela forte presença da tecnologia, especialmente a conexão com a internet. No entanto, segundo a secretária Nacional de Mulheres da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Junéia Batista, o campo para a intensificação desta atividade, marcado pela precarização das relações de trabalho, foi preparado anteriormente, no fim de 2016, tendo como ponto alto a reforma trabalhista de 2017. 

A precarização do mundo do trabalho no Brasil se intensificou muito fortemente já no governo golpista de Michel Temer. Em 2017, foi sancionada a lei da reforma trabalhista e, já no comecinho de 2018, conseguimos ver vários trabalhadores e trabalhadoras sem emprego formal, sem direito à proteção social. Durante debates sobre desemprego promovidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e por organizações interamericanas, o Brasil já registrava 26 milhões de pessoas na informalidade e 10 milhões com empregos formais precários. Esses dados são de junho de 2020, agora, os números devem ter aumentado significativamente”, explica Junéia Batista.

O grande atrativo do serviço de entrega de aplicativos é o seu perfil empreendedor ao se oferecer a ideia de que “você é o seu patrão”. “O lucro depende muito de como cada entregador trabalha. Se você trabalha mais, recebe mais. Se você não quiser vir trabalhar uma semana, pode ficar em casa, mas não vai receber por esses dias”, explica Jaqueline de Albuquerque, entregadora.

Sem opção no mercado de trabalho formal, quem encontra um caminho nos serviços de entrega já começa gastando. De acordo com as entregadoras, apps como Rappi vendem a bolsa térmica por R$ 30, desde que o entregador faça a adesão em até dez dias úteis após a realização do cadastro. Passado este prazo, a bolsa é repassada por R$ 40, descontados em duas parcelas.

Em aplicativos como o Ifood, o entregador recebe apenas a capa da bolsa, mais o valor de R$ 30 para compra de álcool em gel. Neste caso, a caixa térmica deve ser comprada. O custo médio do equipamento no Recife é de R$ 100.

A Reforma Trabalhista é regida pela Lei 13.467 de 2017 e foi aprovada em 11 de julho de 2017. Dentre outras mudanças, esta reforma deu validade jurídica aos Acordos Coletivos, desde que não interferisse em direitos como 13º salário e férias, extinguiu a obrigatoriedade da contribuição sindical equivalente a um dia de trabalho e permitiu a pactuação de mudanças na jornada de trabalho, antes fixada em 8 horas por dia e 44 horas semanais, para 12h por dia, com descanso de 36h, respeitando o limite de 220 horas mensais. 

Um produto da uberização 

O serviço de delivery desponta como atividade da economia digital, marcada por empresas gerenciadas por aplicativos, sem sede física, e que funcionam a partir da conexão da internet. Nesse meio, ganha força uma nova forma de trabalho, a uberização. 

De acordo com Simone Freitas, doutora em Comunicação Estratégica e Organizacional e professora da Faculdade de Olinda, Focca, e do Centro Universitário Unifavip, a uberização é a informalização do trabalho, ou seja, um trabalho para o mercado informal. “Este termo surgiu do aplicativo Uber que criou a tendência levando as suas características para um novo tipo de trabalho. As características são trabalho informal, a adoção de uma economia compartilhada, que une oferta de serviços e demanda por meio de uma plantaforma conectada à internet, explica Simone Freitas. 

A promessa de ser empreendedor, de ser dono do seu próprio tempo é o grande atrativo do serviço, segundo Simone. “Essas são as grandes características da uberização, exercer um trabalho informal, ter acesso à tecnologia, fazer o seu próprio horário e oferecer os seus serviços para outras pessoas, através dessa tecnologia”, explica

A pesquisadora acredita que este caminho é sem volta. Ainda segundo ela, os lucros das empresas uberizadas são altos. A própria Uber, que possui menos de dez anos de vida,  já  fatura mais de US$ 60 milhões. Há profissionais dispostos a aderirem ao serviço e também há demandas por esses serviços. Por essa razão, completa a pesquisadora, usa-se com ainda mais frequência o termo precariado como marca desta nova geração profissional.

“Este termo surgiu nos 1980, foi criado pelo economista da Universidade Londres, autor do livro O Precariado – anova classe perigosa (em tradução livre). Este termo é uma junção do adjetivo precário com o substantivo proletariado e identifica uma nova classe emergente no mundo, formada por trabalhadores informais, cientes das suas responsabilidades, mas ao mesmo tempo, que se torna ainda difícil viver uma vida de total insegurança que o mercado informal oferece,” define Simone Freitas.

O que mudou após as mobilizações de julho de 2020

Paulo Lima, conhecido como Galo, liderança dos entregadores antifacistas. Crédito: Instagram/ Galodelutaoficial

O dia 1º de julho de 2020 ficou marcado pela paralisação inédita dos profissionais de delivery em diversas capitais brasileiras. Conhecida como Breque dos Apps, a mobilização teve o seu ponto de partida em São Paulo sob a liderança de grupos organizados de entregadores.

Os profissionais foram às ruas por melhores condições de trabalho, pelo fim dos bloqueios arbitrários e dos desligamentos sem justificativa, em defesa dos auxílios alimentação, transporte e manutenção do veículo e pelo pagamento de uma taxa de R $2 por quilômetro percorrido. Passados oito meses, o entregador e membro do grupo paulista Entregadores Antifascistas, um dos líderes do Breque dos Apps, Paulo Lima, mais conhecido como Galo, diz que a situação ficou ainda pior.

“Não houve mudança alguma! Nosso trabalho continua sendo feito na precariedade. Hoje, está ainda pior, pois o nosso lucro diminuiu com o aumento do número de entregadores por causa da demanda gerada pela pandemia. Quanto maior o número de entregadores, menos viagens individuais e menor é o lucro. A única mudança é que as mobilizações fizeram com que a sociedade conhecesse mais a nossa realidade”, avalia Galo.

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