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Recife, 13 de fevereiro de 2020. Petroleiros em greve fazem ato na frente do Previdência Social, na Dantas Barreto. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
Há 15 dias, os petroleiros Tadeu, Cibelle, Dayvid, Genivaldo Silva e Ademir estão morando na sala de reunião do quarto andar do edifício sede da Petrobras, no Rio de Janeiro. Eles ocuparam o espaço, de aproximadamente 20 metros quadrados, depois de um tentativa frustrada de negociação com a petrolífera, em 31 de janeiro. Desde então, a diretoria da empresa cortou a luz e a ventilação da sala, impediu a entrega de comida e até de água para forçar a saída dos manifestantes.
No dia seguinte à ocupação da Petrobras, 1º de fevereiro, os petroleiros deflagraram uma greve nacional. O movimento já mobiliza 113 unidades da petrolífera espalhadas por 13 estados brasileiros. De acordo com a Federação Única dos Petroleiros (FUP), mais de 20 mil trabalhadores aderiram. Os profissionais reclamam que suas vozes têm sido pouco ouvidas pela mídia, enquanto outras narrativas ganham força.
“Querem culpar a greve dos trabalhadores por um possível desabastecimento de combustíveis, que pode acontecer na próxima semana. Acreditamos que a Petrobras pode segurar os produtos deliberadamente para culpabilizar o movimento”, comentou Tadeu Porto, diretor da FUP. Ele está na ocupação do prédio da Petrobras. “Nos negaram até a água mineral que é distribuída aos funcionários (porque a água das torneiras continua contaminada no Rio). Um dos sindicalistas teve um pico de pressão, pelo estresse da situação, e precisou deixar a ocupação ontem (13)”, disse.
Em nota, a Petrobras informou que “não há impacto na produção até o momento. “
Em Pernambuco, aproximadamente 300 petroleiros, que atuam na Refinaria Abreu e Lima (Rnest) e nas operações locais da Transpetro (subsidiária da Petrobras), em Suape, aderiram à greve nacional. Isso representa quase a totalidade dos trabalhadores de funções operacionais e um contingente menor (de aproximadamente 40%) das funções administrativas, segundo o Sindicato dos Petroleiros de Pernambuco e da Paraíba (Sindipetro PE/PB).
Os trabalhadores montaram acampamento em frente à portaria principal da refinaria. Eles se revezam em turnos, articulando os horários no Whatsapp, para que o espaço, formado por uma tenda e poucas cadeiras, sempre esteja ocupado. “Almoçamos, jantamos juntos. Passamos a noite por lá”, contou Rogério Almeida, coordenador do Sindpetro PE/PB, que conversou conosco durante o ato em defesa do INSS organizado pelas centrais sindicais nesta sexta-feira (14), no Centro do Recife. Um grupo de aproximadamente 20 petroleiros estava na manifestação.
Rogério explicou que a mobilização da categoria é contra a demissão em massa de mil trabalhadores na Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR). “Além disso, denunciamos o descumprimento de cláusulas do acordo coletivo”. Uma decisão judicial determinou que 90% dos trabalhadores nas unidades de produção da Petrobras voltem a trabalhar.
“Tentamos cumprir a determinação, mas fui impedido de entrar na refinaria junto com os trabalhadores, que era nossa condição”, contou o líder sindical. “Não adianta colocar 90% para trabalhar. Não é como motorista de ônibus. Ou entram 100% ou pode ter um acidente”, argumentou.
Enquanto estavam distribuindo panfletos sobre as propostas da categoria para quem passava pela avenida Dantas Barreto, durante o protesto em defesa do INSS, os petroleiros deixaram seus recados para a sociedade. “Tenho orgulho de trabalhar na Petrobras, mas estão deteriorando a empresa”, disse Jean Brasil, técnico de operação da Rnest.
Murilo Velloso trabalha na Rnest, como técnico de operação, desde 2012. “O que a gente produz é gasolina e diesel, que abastece o carro do pobre, mas do rico também. Os ricos não querem que a gente pare. Por isso vão nos minando”. A pressão no ambiente de trabalho tem aumentado por conta da redução dos quadros funcionais e da falta de manutenção do maquinário. “Estão expondo os trabalhadores e a sociedade a acidentes que podem ter consequências ambientais”, alertou. Somente no ano passado a refinaria Abreu e Lima teve um incêndio e um derramamento de óleo.
“A Petrobras não está à venda”, protestou a técnica do laboratório da Rnest, Cintia Ludwing. “Ela é útil para os brasileiros. Somos autossuficientes em petróleo, nossa soberania nacional está em jogo”, acrescentou.
Os petroleiros querem a ampliação da produção de derivados nas refinarias brasileiras para reduzir o preço dos combustíveis no mercado interno. A defesa do preço justo dos combustíveis tem sido uma ferramenta de sensibilização da sociedade para a luta da categoria. Esta semana, os trabalhadores venderam botijões de gás pela metade do preço durante um protesto.
Rogério explica que o custo de extração por barril de petróleo no pré-sal (campos de petróleo no litoral brasileiro) é de cinco dólares. O governo brasileiro segurava o preço nas refinarias até a gestão de Dilma Rousseff (PT), como forma de controle da inflação. Essa medida foi duramente criticada na época porque era vista como uma interferência política na Petrobras, que se via obrigada a vender produtos abaixo do preço de mercado e acumulava prejuízos.
No início do governo de Michel Temer (MDB), a Petrobras adotou uma nova política de preços, atrelada às variações do produto no mercado internacional. “Quando Temer atrelou ao mercado internacional, abriu as portas para as importadoras trazerem gasolina e diesel. Entreguismo puro”, comentou o sindicalista Rogério Almeida.
“O mercado de combustível está entregue aos produtores norte-americanos. Atualmente, 40% do que os Estados Unidos exportam pra gente é combustível”, criticou. “Multinacionais compraram campos de petróleo aqui, levam o petróleo para refinarias fora do país, geram empregos lá e trazem os combustíveis (que têm maior valor agregado) para vender aqui a preço internacional”, acrescentou.
Rogério diz que o governo Dilma controlou os preços dos combustíveis por mais tempo do que o necessário. Ele propõe um novo modelo. “A gente quer que o governo controle os preços nas refinarias e que seja feita um análise de três em três meses, baseada no mercado nacional, para ajustes.”
Esse cenário, que se conecta à política de desinvestimentos da Petrobras, com a privatização de ativos, ameaça os empregos dos petroleiros. No início da operação da refinaria Abreu e Lima, cerca de três mil petroleiros atuavam na planta. Atualmente, a perspectiva de privatização da unidade é uma ameaça aos 1,5 mil petroleiros que ainda trabalham lá. “Sabemos que nossa demissão já tem data. É junho, quando a Petrobras deve fechar a venda da refinaria”.
Fizemos perguntas à Petrobras sobre a greve dos petroleiros. A empresa respondeu em nota que ” está realizando o desconto dos dias não trabalhados dos empregados que aderiram ao movimento grevista. O desconto será realizado porque não houve a contraprestação do serviço, ou seja, os empregados não realizaram o trabalho para o qual são contratados.”
A companhia ainda informou que “está contratando empresas com experiência na operação e manutenção de unidades de produção de petróleo e gás offshore, para suprimento de mão de obra especializada e certificada para atuar em suas plataformas próprias enquanto durar o movimento grevista.”
Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).