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Stédile: “Se a classe trabalhadora não está mais na fábrica, nós temos que achá-la nas ruas”

Marco Zero Conteúdo / 31/05/2019

Por Chico Ludermir, especial para a Marco Zero Conteúdo
Com colaboração de Mia Aragão

Líder nacional de um dos maiores movimentos sociais do mundo, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile é capaz de dimensionar com complexidade as dificuldades que a classe trabalhadora enfrentará nos próximos anos. Combinando análises macro e micropolíticas, seja do Brasil ou dos Estados Unidos, aponta para uma crise profunda do capitalismo mundial que chega nos países periféricos tendo a atualização das formas de exploração como principal característica. “Para continuarem lucrando, os capitalistas jogam todo o peso da crise sobre as costas dos trabalhadores”, afirma, em entrevista concedida à Marco Zero Conteúdo, no último dia 25 de maio. Diante de um governo que desconsidera as demandas da reforma agrária, que se alinha com o agronegócio e que estimula intolerância e violência, Stédile julga que é momento de cautela, mas não de estagnação da luta.

No Recife para conduzir um curso de dois dias de formação de militantes, no Armazém do Campo, sede recém-inaugurada do MST, o líder conversou com exclusividade com o jornalista Chico Ludermir sobre, dentre outros assuntos, as ameaças do governo Bolsonaro, a importância do Nordeste no cenário atual e um ano da prisão do presidente Lula. “O Lula só vai ser solto quando as mobilizações de massa tomarem as ruas do Brasil”, acredita. Confira abaixo a entrevista completa.

Estamos vivendo, lamentavelmente, no Brasil de agora, o fim do primeiro semestre do governo mais conservador desde o período da Ditadura Militar. A gestão de Jair Bolsonaro, além de instável politicamente – repleta de escândalos de corrupção, intrigas dentro do governo, envolvimento com milícias – é marcada também por medidas que interferem radicalmente na estrutura social do país, a exemplo da reforma da previdência. Diante desse cenário profundamente desalentador para a classe trabalhadora, eu queria pedir que você nos ajudasse a entender nosso contexto atual.

A situação no nosso país é muito grave porque nós estamos vivendo um período marcado por uma profunda crise do capitalismo. Uma crise que tem suas bases na economia – portanto, é uma crise do modo capitalista de organizar a produção – e é uma crise mundial, na qual, o Brasil, por ser uma economia da periferia do sistema, sofre as consequências. As grandes empresas, os capitalistas, o capital financeiro de todo o mundo vêm para o nosso país para aumentar a exploração e, assim, se salvarem. Jogam todo o peso da crise sobre as costas da classe trabalhadora.

Está em curso, já desde o golpe contra a Dilma, um plano dos capitalistas para sair da crise que é deles mesmos sem deixar de lucrar. Dentre as principais medidas deste plano está a apropriação privada dos bens da natureza – foi por isso que eles tomaram de assalto o pré-sal, o minério de ferro, a água, a biodiversidade, a energia elétrica – como vocês percebem aqui no Nordeste, onde estão tentando privatizar a Chesf. E, por outro lado, eles precisam retirar os direitos dos trabalhadores, que é uma forma de eles recuperarem a taxa de lucro. Para implementar um plano tão perverso, necessariamente, eles precisam de um governo de extrema direita. Em nenhum país do mundo um governo de extrema direita ganha uma eleição com esse programa claramente espoliador da ampla maioria da população. Então, desde a campanha de Trump, o capital, em todo mundo, vem usando mecanismos de manipulação eleitoral para poder ganhar as eleições. A partir da eleição do Trump, eles repetiram essas táticas nas eleições da Inglaterra, por exemplo, no Brexit, repetiram na Ucrânia, na Hungria, na Espanha, e aqui, no Brasil. Então, o governo do Bolsonaro, como você mesmo disse, é um governo espúrio, porque ele não representa a maioria da população. Ele só foi eleito graças à manipulação pela internet, através das fake news, que usaram computadores potentíssimos instalados em Israel, em Taiwan, em Miami, para manipular a opinião pública dos que usam celular e caíram nessa ratoeira.

O ano de 2008 é tido como um marco da crise do capitalismo enquanto modelo econômico, comparável ao que foi vivido nas décadas de 20 e 30 do século passado, o que nos aponta para um ciclo de recessões econômicas e ascensões de governos totalitários. Quais são as características dessa crise atual do modelo capitalista. Como é sua leitura de como chegamos e como atravessaremos ela?

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Nós temos aqui no Brasil uma situação estapafúrdia, onde os seis capitalistas mais ricos, os banqueiros, o dono da Ambev, ganham mais do que 120 milhões de trabalhadores mais pobres. Não há paralelo em nenhuma sociedade do mundo para essa desigualdade tão gritante.

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As características fundamentais da crise são a produção que decai, a taxa de lucro média cai, muitas empresas vão à falência. Aqui, no Brasil, várias construtoras foram à falência: a indústria naval foi à falência, agora, a Ford acabou de ir à falência. E em consequência da crise econômica, os capitalistas jogam o peso da recuperação econômica sobre os trabalhadores. Daí se gera uma crise social, ou seja, vai aumentando ainda mais a exploração, aumenta o desemprego, aumenta a desigualdade social. Nós temos aqui no Brasil uma situação estapafúrdia, onde os seis capitalistas mais ricos, os banqueiros, o dono da Ambev, ganham mais do que 120 milhões de trabalhadores mais pobres. Não há paralelo em nenhuma sociedade do mundo para essa desigualdade tão gritante. A crise econômica também gera uma crise política porque as pessoas percebem que elas não conseguem mudar mais nada pelo voto, que a democracia é uma mentirinha. A população deixa de acreditar nos políticos. Ela só critica os políticos –e com toda a razão. Há, portanto, também uma crise da representação formal no controle do Estado.

Sua leitura sobre os paradigmas que sustentam a sociedade capitalista parece certeira e assustadora. Diante de um modelo falido e em crise, as pessoas, segundo você, são norteadas pelo individualismo, egoísmo e consumismo. Me fala mais sobre esse tripé de uma desgraça da solidariedade social.

A história da civilização humana foi construída, ao longo desses milhares de anos, baseada em outros paradigmas: baseada na busca pela igualdade, na ideia de que todos os seres humanos são iguais – podemos ter diferenças de cor de pele, de cultura, influenciados também pela região onde se vive, o que deixa o ser humano mais rico em sua diversidade. Nós sempre perseguimos o ideal de igualdade. Da mesma, forma sempre se defendeu, como um critério que sustenta as relações humanas, a justiça. Por isso que as pessoas ficam indignadas diante de qualquer injustiça, mesmo feitas contra alguém que não conhecemos, como aconteceu, por exemplo, aqui no Brasil, com o assassinato da Marielle [Franco]. Todo mundo ficou indignado. Houve uma injustiça, houve um assassinato claramente politico contra uma vereadora, negra, lutadora. E também sempre houve a luta e a prática de solidariedade, porque as pessoas só resolvem os problemas se ajudando. Ninguém resolve os problemas sozinhos, sejam eles de qualquer ordem. Agora o capitalismo justamente inverteu a tradição civilizatória. É por isso que estamos à beira da barbárie. Por que o capitalismo prega todos os dias, através dos meios de comunicação, que o melhor é você ser individualista, que só você é o bom? É o egoísmo, não é? Inclusive, é frequente o discurso da meritocracia, como se fosse só por méritos pessoais que você sobe na vida, que você melhora. O consumismo, por sua vez, transforma o cidadão não em um sujeito inteligente, pensante, que prioriza os conhecimentos, a cultura, o bom viver, o convívio social. Quando você reduz o cidadão a um consumista, você reduz ele a um idiota que só quer usar do dinheiro para comprar algum bem – o que não serve para nada. O consumo pode até lhe satisfazer momentaneamente, mas a sociedade humana não é construída ao redor de bens materiais. Os bens materiais são só para atender necessidades e não devem ser um objetivo de melhoria de vida. É essa a reflexão que nós estamos fazendo. Precisamos levar esse debate para as classes trabalhadoras, para a população em geral, para que se deem conta do perigo que nós estamos enfrentando nesse quadrante da história.

mst reforma agraria (2)

A região Nordeste sempre esteve na periferia do Brasil e, ao que parece, vai sofrer as piores consequências nesse governo. Ao mesmo tempo foi e é também aquela que apresentou maior resistência à eleição de Jair Bolsonaro, assim como a que tem as maiores aprovações do governo Lula. O que o Nordeste do Brasil representa hoje para a política nacional. Como você prospecta a gestão de Bolsonaro no que toca nossa região?

Historicamente, desde que se implantou o processo de industrialização no país, de 1930 até 1990, a burguesia brasileira usou o Nordeste apenas como reserva de mão de obra. Cada vez que precisava de mão de obra no Sudeste, ela vinha até aqui no Nordeste e levava para lá. Depois, no período dos governos Lula e Dilma, houve um fortalecimento da economia nordestina, seja através de obras públicas, seja por políticas públicas que atendiam os camponeses e a agricultura familiar daqui. Isso inverteu um pouco a lógica. Nos últimos 15 anos houve uma diminuição significante da migração nordestina, inclusive com uma reversão desse quadro. Muitos nordestinos que residiam no Sudeste voltaram aos seus estados porque voltou a haver oportunidades de emprego, de trabalho, de renda. A política das cisternas, por exemplo, foi uma bela politica conduzida pela Asa [Articulação no Semiárido], pelas igrejas, pelos movimentos e financiada com o dinheiro público, que permitiu aumentar a resistência do sertanejo em relação à seca. Isso também dá uma retaguarda para, pelo menos, as pessoas não precisarem sair do campo só porque faltou água. Com a cisterna, elas têm a segurança de ter água pelo menos para beber e para os animais domésticos

Infelizmente, com o governo Bolsonaro, está havendo de novo uma nova reversão dessas políticas públicas, que se interromperam. Mas também há uma reversão porque não há mais emprego no Sudeste. A proposta da contra-reforma da previdência, que certamente vai retirar a aposentadoria de muitos camponeses. A proposta do governo é ampliar a idade mínima do camponês, que hoje é 55 anos para as mulheres e 62 anos para os homens, para 65 para as mulheres e 70 para os homens, ou seja, são uns dez anos que vamos ter que trabalhar a mais. Sobretudo (a reforma da previdência) incorpora a necessidade de fazer um pagamento mensal para o INSS, que não há as  mínimas condições de um camponês fazer. Então nós vamos ter uma perda gravíssima para a população rural, que vai ficar à margem da previdência. Hoje, dos 5 mil municípios brasileiros, 3 mil dependem dos benefícios da previdência, porque é uma forma de manter a população lá. E ainda mais, quando um aposentado recebe uma ajudinha da sua aposentadoria, ele corre para o mercado. Vai fazer uma feira, vai comprar alimentos, ou então às vezes até compra uma moto, ou ajuda um neto. Ou seja, todo aposentado gasta a sua aposentadoria: ele gasta no comércio e isso aumenta o ICMS [imposto sobre circulação de mercadorias], que gera uma renda para a prefeitura. Retirando isso, todos os especialistas dizem que nós vamos ter uma crise gravíssima nas finanças das prefeituras e o Nordeste será a região mais afetada. Eu espero que os prefeitos criem vergonha, que os deputados da região criem vergonha e que se insurjam, pelo menos, contra essa proposta de reforma da previdência, na qual serão mais atingidos as mulheres e os homens do campo.

Você é liderança de um dos maiores movimentos sociais do mundo. Não somente isso, você acompanha o Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra há 40 anos. Se o ciclo do PT não foi capaz de fazer a tão esperada reforma agrária estrutural – no campo se mantém a estrutura do latifúndio e da exploração – o atual governo, além de não fazê-la, tem uma política de criminalização e de perseguição que instiga e reproduz uma cultura de ódio (o que inclui um estímulo ao armamento). A partir de uma leitura historicamente localizada do MST, me fala como o movimento tem pensado agir nesse contexto e como tem se articulado na zona rural. Quais são as questões específicas do campo?

Bom, a reforma agrária é a luta contra o latifúndio – que quer dizer a luta contra grandes propriedades improdutivas. Ela é uma luta histórica, porque a existência do latifúndio no Brasil vem desde o período colonial, com as plantations. E nós nunca conseguimos fazer a reforma agrária no Brasil, porque a reforma agrária como política de Estado tem que estar combinada com um projeto de desenvolvimento nacional. Mesmo nos períodos Lula e Dilma, nós não tínhamos um projeto popular para o país. Nós tínhamos um projeto neo-desenvolvimentista, que combinava o interesse da burguesia com o interesse da classe trabalhadora e, no caso da terra, essa conciliação de classes não se produziu porque o governo defendia tanto a agricultura familiar, quanto o agronegócio. E não se consegue fazer reforma agraria sem enfrentar o agronegócio, porque são modelos contraditórios. Então, a luta pela reforma agrária teve como marca principal, nesses anos todos, a luta pontual em que os trabalhadores se organizam, ocupam latifúndios e forçam o governo a fazer desapropriações e projetos de assentamento. Mas isso per si não é a reforma agrária. A reforma agrária é quando você consegue alterar toda a estrutura da propriedade da terra.

O nosso debate atual é que nós vamos entrar em um período de resistência. Nós vamos continuar fazendo ocupações de terra, porém mais cuidadosas, por conta desse clima de violência pregado pelo governo. Mas a gente não tem medo do governo nem desses fazendeiros. Nossa coragem ter que vir da nossa capacidade de organizar os trabalhadores de forma massiva, porque a força dos trabalhadores está na justiça do nosso pleito. Não estamos pedindo por nenhum privilégio, nós estamos apenas lutando por um direito que está lá na Constituição, que está na bíblia… Para esse direito se realizar, depende da nossa capacidade de organizar muita gente, porque a nossa força depende do número de pessoas que você consegue organizar em função desse objetivo.

Há  mais de um ano, o maior líder político do País de todos os tempos está preso, em um processo que é uma evidente perseguição e tentativa de anulação da força política e eleitoral que ele tem. Por mais que o “Lula Livre” tenha sido incorporado como uma pauta da esquerda, a pressão popular não parece ter sido suficiente para enfrentar um alinhamento da classe econômica, política, judiciaria e midiática. Como você, que é um dos articuladores do Comitê Lula Livre, avalia a prisão de Lula mais de um ano depois? O que você, acha que precisa acontecer para que ele seja solto? E, finalmente, o que Lula representa politicamente para o Brasil neste momento?

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Eu acredito que o Lula vai ser solto quando as mobilizações de massa retomarem e tomarem as ruas do Brasil – mesmo que o tema não seja o “Lula Livre”… Nós esperamos uma greve geral expressiva no dia 14 de junho. Todas essas movimentações, sendo do povo, da classe trabalhadora, reforçam a possibilidade de acelerar o processo de libertação do Lula.

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Como você disse, o Lula representa a maior liderança popular construída nos últimos 40 anos. Liderança popular não porque ele quer, mas porque o povo escolheu ele. Ao se transformar em um líder popular, ele adquire essa capacidade de ser um porta-voz do povo, de aglutinar as massas, de se dirigir para as massas. Diante da crise econômica, os capitalistas sabiam que o Lula era inderrotável nas eleições. E para realizarem aquele plano do qual já falamos nessa entrevista, eles precisavam tirar o Lula das eleições. Foi por isso que ele foi preso. Não é porque tem algum problema de apartamento, isso tudo é invenção. Assim como a Dilma foi derrotada e retirada do governo por um álibi de pedaladas fiscais, algo que o próprio Temer tinha feito, que todos os governos fazem – o Fernando Henrique [Cardoso] fez, o [Fernando] Collor fez… é só um mecanismo contábil. Mas o motivo não importa, o que importa é que o capital resolveu tirar a Dilma, o capital resolveu prender o Lula. Depois de preso ele [o capital] ainda corria o risco de que o Lula, ao falar para as massas, poderia dirigi-las, então eles proibiram ele [Lula] de dar entrevista. Ele passou um ano preso, só pôde falar ao público agora no início de mês, e depois que o Supremo Tribunal Federal, aliás, um dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o Lewandovski, aprovou. Porque se fosse pelo Toffoli e pelo Gilmar [Mendes], não deixavam ele falar, como já não deixaram ele falar antes das eleições. Esse é o quadro. Da nossa parte, claro que nós sempre tivemos a esperança de que o Poder Judiciário brasileiro tivesse mais autonomia e respeitasse a lei. Inclusive porque está escrito na Constituição, claramente, que ninguém pode ser preso até que todo processo tenha transitado e seja julgado em todas as instâncias – e o Lula passou por duas instâncias, mas falta ainda o STF, então ele tem ainda uma instância a julgar o seu processo. Nós, de certa forma, nos iludimos com isso. Porém eu acho que agora está cada vez mais claro como o Lula foi sequestrado pelo capital, e o Judiciário se prestou a esse trabalho na função do Moro. O capital deu para ele de presente a função de ministro e, pior ainda, agora o Bolsonaro diz que vai indicá-lo para o STF. É um acinte maior ainda

Eu acredito que o Lula vai ser solto quando as mobilizações de massa retomarem e tomarem as ruas do Brasil – mesmo que o tema não seja o “Lula Livre”. O fato de os professores e estudantes terem feito, por exemplo, aquelas mobilizações reforça a libertação do Lula. Nós esperamos uma greve geral expressiva no dia 14 de junho. Todas essas movimentações, sendo do povo, da classe trabalhadora, reforçam a possibilidade de acelerar o processo de libertação do Lula.

Como resistir nesse contexto atual que envolve, por um lado, um cenário nacional conservador, por outro, uma nova configuração do capitalismo global – com diluição da mobilização da classe trabalhadora e pulverização/uberização do trabalho?

É verdade, nós estamos enfrentando um período em que a classe trabalhadora está muito atomizada, muito pulverizada. Não é mais aquele período de 1930-1980 do capitalismo industrial quando as grandes massas da classe trabalhadora estavam nas fábricas, então era mais fácil mobilizá-las e quando elas paravam afetavam diretamente o capital. Agora nós tivemos essa grande greve dos professores e estudantes, mas isso não afeta o capital diretamente, não causa prejuízo para ele. Eu acho que haverá um grande período daqui para frente que vai exigir mais dedicação da esquerda, das forças populares, para conseguirmos levar essas bandeiras mais políticas, contra a crise do capitalismo, contra o governo Bolsonaro, em defesa de um novo projeto popular para o  país. Isso vai exigir um tempo maior, uma dedicação maior. E é por isso que nós temos dito que há uma tarefa permanente de toda a esquerda e de todas as forças populares. Primeiro, de retomar o trabalho de base. Se a classe trabalhadora não está mais na fábrica, nós temos que achá-la na rua, nas praças, nos bairros onde ela mora. Devemos encontrar formas de dialogar, mesmo em entrevistas como essa, com pichação, etc. Em segundo, vejo que hoje a luta principal, que é a luta de classes, se dá no campo ideológico, mais do que no campo corporativo, de luta pelo salário, de luta por questões econômicas. Então, a esquerda tem que priorizar  a luta de classes no campo ideológico, ou seja, na difusão de ideias, de leituras da realidade. E, para isso, os meios de comunicação jogam um papel fundamental – assim como todas as formas de manifestação cultural, seja uma pichação, uma música, um festival, um teatro. Todas as formas de comunicação de massa são fundamentais. Precisam ser usadas como difusores da mensagem da classe trabalhadora, da libertação. Em terceiro lugar, nós temos que voltar essa energia para a formação de militantes, porque os militantes são os operadores da classe trabalhadora, porque a classe tá aí, difusa. É igual a como se dizia antes na igreja: é preciso que haja os missionários, que têm a missão de levar a mensagem. O militante é o novo missionário. Ele tem que ter a obrigação de fazer esse trabalho organizativo do povo, de levar a mensagem, de discutir a realidade brasileira, de discutir um novo projeto. Nós temos que formar militância, preparar esses jovens que podem fazer alguma mudança. Sobretudo os jovens, porque o pessoal de mais de idade tem experiência, pode contar história, como eu, mas quem faz mudanças em uma sociedade é a juventude. A juventude e o trabalhador. E por último, nós temos que retomar um debate com a sociedade, de todas as formas, sobre a necessidade de um novo projeto para o Brasil. Um projeto popular, que atenda às necessidades do povo e não do capital. E isso leva tempo. Exige um amadurecimento de ideias, mas eu acho que à medida que a juventude e a classe trabalhadora, que o povão, volte às ruas, também se criará um ambiente para aprofundar o debate de qual é a saída para o Brasil. Estamos nesse momento da história do Brasil.

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