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Um esquecido zoológico sobrevive no centro do Recife

Maria Carolina Santos / 17/05/2023
Close de macaco-prego, de pelos castanhos e grandes olhos marrons, agarrando com uma mão suja de areia as grades de uma jaula.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Até 2017, a retirada dos animais do minizoológico do Parque 13 de Maio era um assunto que ia e vinha. Ao longo das quase cinco décadas que o espaço existe, já foi alvo de defensores dos animais e do Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Mas a prefeitura do Recife, e os vários prefeitos que passaram por ela desde 1976, quando o zoo foi inaugurado, fizeram questão de manter as jaulas onde os animais ficam aprisionados. Já foi bem mais cheio. Agora, há jaulas vazias e jaulas apenas com um único e solitário animal.

E absolutamente nenhuma informação para os visitantes sobre que animais estão ali ou seus hábitos, como ocorre em um zoológico comum.

Há muitas aves e apenas uma espécie de mamífero, que são 11 macacos-prego. Em uma das jaulas há um pavão sozinho – perdeu a companheira há alguns anos. Em outra, pequenos patinhos, sem nenhuma mãe à vista.

Já perto do lago, há um animal, no mínimo, inusitado para um zoológico: várias galinhas – sim, galinhas – amontoadas e trancadas com cadeado dentro de uma jaula. O defensor de animais Marcelo Tabosa, da Associação de Defesa de Meio Ambiente de Pernambuco (Adema-PE), chegou a cogitar que elas servissem para a alimentação de algum outro animal do minizoo.

Mas as galinhas não estão ali para virarem comida: segundo a Prefeitura do Recife é, também, um atrativo do parque. “Em relação às galinhas – que não são fonte de alimento para qualquer outra espécie – elas ficam em área restrita para não serem furtadas. Os galináceos, da variedade Garnizé, também se tornaram atrativos do Parque”, diz a nota da prefeitura à Marco Zero.

Além das galinhas que estão presas na jaula, há dezenas de outras soltas pelo espaço, assim como patos e gansos.

Animais do Parque Treze de Maio:

  • 11 macacos prego;
  • 12 araras Canindé;
  • 1 Maritaca;
  • 1 Papagaio;
  • 2 Seriemas;
  • 1 Pavão;
  • Aviário com asas brancas, papa capim, canário da terra.
  • Soltos no parque há galinhas, gansos, patos, saguis, camaleão.

Araras e macacos são as espécies mais numerosas no minizoo do parque. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Quando a Marco Zero visitou o minizoo, as jaulas estavam limpas e havia comida e água nos comedouros. Há uma veterinária que trabalha diária e exclusivamente no minizoo, que é administrado pela Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb). É uma manutenção que custa caro.

De acordo com a prefeitura, atualmente “não há qualquer diretriz no sentido de retirar os animais do Parque, até mesmo porque o espaço é fiscalizado pela CPRH e Promotoria do Meio Ambiente do MPPE”. Também não houve, segundo a prefeitura, criatórios que se disponibilizassem a receber os animais, assumindo as despesas da manutenção.

Para Tabosa, não há sentido algum em manter animais confinados. “Não tem nenhuma necessidade de manter aqueles animais no 13 de Maio. É uma crueldade. Infelizmente, como ong, não conseguimos alcançar o objetivo porque o poder público insiste em manter aqueles animais lá. Dá trabalho, dá despesa, é denunciado o tempo todo e seguem insistindo. Não conseguimos entender os motivos”, afirma.

Os visitantes também nem sempre se sentem confortáveis ao ver os animais enjaulados. “Acho que cuidam direto da limpeza e é organizado, mas ninguém gosta de estar preso. Esses bichos deveriam estar na natureza, soltos. Fica melhor pras crianças ver só os animais que ficam soltos, e para os animais também, claro”, diz a dona de casa Meire Maria da Silva, moradora de Campo Grande que levou os dois filhos para um passeio no parque.

MPPE considerou minizoo adequado

O Parque 13 de maio foi inaugurado em 1939, mas o minizoo foi incluído nas reformas feitas entre 1973 e 1976, de acordo com pesquisa da professora Ana Rita de Sá, do Laboratório da Paisagem do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Nesses quase 50 anos, a defesa pelos direitos dos animais foi ampliada e ganhou espaço. Um caso emblemático foi o da peixe-boi Xica, que foi levada na década de 1970, a mesma em que o minizoo do 13 de maio foi inaugurado, para um tanque pequeno e raso em plena praça do Derby. Com deformações e cicatrizes pela espaço inapropriado, ela foi transferida no início dos anos 1990 para o Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA), em Itamaracá, após uma década de luta da Associação Pernambucana de Defesa da Natureza (Aspan), que chegou a levar a questão até a Justiça. Por conta dos muitos anos em cativeiro, Xica nunca voltou à natureza e morreu em 2015, em um tanque – de tamanho apropriado – no CMA, na ilha de Itamaracá.

Na década passada, a Adema-PE foi atrás do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) para retirar os animais do minizoo. A denúncia se baseava no fato do parque ficar no centro da cidade, com animais expostos ao barulho, às luzes artificiais à noite, ao contato muito próximo com visitantes – que não raro oferecem comida aos animais – e ao tamanho diminuto das jaulas.

“São animais silvestres obrigados a viver em uma área urbana, com grande movimentação de ônibus, carros e pessoas. À noite, animais diurnos não conseguem dormir por conta da claridade da luz dos postes, do barulho dos carros. Há poluição sonora e ambiental. Estamos no século XXI, não há motivo algum para manter animais silvestres presos”, denuncia o ambientalista.

O MPPE acolheu a denúncia da Adema-PE e chegou a definir prazos, em 2014, para a retirada dos animais. Mas tudo parou quando o MPPE considerou que os animais estavam bem no minizoo e arquivou a denúncia.

Na época, a vereadora Michelle Collins (PP) fez campanha para manter os animais no 13 de Maio. O então promotor de meio-ambiente da capital, Ricardo Coelho, decidiu arquivar a denúncia depois de ouvir a Emlurb, que administra o minizoo, o Ibama e a veterinária do espaço. “Todos foram favoráveis à permanência, por que o MPPE seria contra? Só me curvei à vontade desses órgãos, que fizeram vistorias minuciosas no local”, disse em entrevista ao Jornal do Commercio, em 2014.

A Adema-PE ainda tentou novamente em 2017, quando uma lei municipal proibiu a instalação de zoológicos em parques e praças. “E mais uma vez conseguiram tirar o parque 13 de maio, deixando ele de fora dessa lei”, reclama Tabosa.

Segundo a prefeitura, as galinhas estão entre as atrações do 13 de Maio. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Há pouco tempo na promotoria de Meio Ambiente da capital, o promotor Sérgio Souto ainda não chegou a vistoriar o minizoo, o que pretende fazer nos próximos dias. “Houve um entendimento, na época (do arquivamento das denúncias), de que os animais tinham um tratamento adequado, com alimentação correta. Hoje não se cabe mais criar espaços como esses, mas se chegou à conclusão de que a retirada desses animais poderia trazer problemas para os próprios animais, que já estavam acostumados com aquela situação. A Emlurb me passou que são animais que até já chegaram a procriar lá, o que é um indicativo, a princípio, de que não estão em situação de muita vulnerabilidade”, afirmou o promotor, em entrevista à MZ.

A falta de informação sobre os animais para os visitantes também é um dos focos da vistoria que o promotor pretende fazer. “É importante que tenha as placas de informação porque o zoológico está ali para que a população que visita o parque de alguma maneira faça uma visita adequada, no sentido visual”, afirma.

Na nota à MZ, a prefeitura do Recife diz, sem citar datas para execução, que existe um projeto de requalificação do parque, com uma nova proposta de sinalização no recinto do minizoo.

Ao que tudo indica, não há animais novos chegando ao minizoo. Em 2020 uma matéria do Diario de Pernambuco informava que havia 13 macacos-prego no local. Agora, são 11. “Estão deixando os animais morrerem à míngua”, lamenta o defensor.

Tabosa diz que os animais do minizoo passaram tempo demais – ou a vida toda – em cativeiro e as chances de sobrevivência na natureza são escassas. “Ir para o zoológico de Dois Irmãos é só trocar de ambiente, a situação de confinamento vai permanecer a mesma. Hoje seria interessante levar para o Centro de Triagem de Animais Silvestres de Pernambuco (Cetas Tangará, gerido pela CPRH, do governo estadual). Reabilitar e quem sabe até tentar devolver alguns desses animais para a natureza. Isso não acontece porque a prefeitura do Recife insiste em manter os animais ali”, afirma.

Já faz algum tempo que a Adema-PE também não visita o minizoo. “Ficamos sem acreditar muito na Justiça. Comemoramos muito em 2014 quando o promotor deu seis meses de prazo para que os animais saíssem do local. Estava tudo muito bem encaminhado quando ficamos sabemos pela imprensa que o MPPE tinha voltado atrás. Foi uma decepção só”, lembra Tabosa, que também pretende visitar o minizooo nos próximos dias. “Vamos ver se o prefeito João Campos se sensibiliza. Talvez sendo provocado pela sociedade civil organizada, saia alguma coisa. Sempre temos uma esperança”.

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AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org