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Usina de hidrogênio verde no Piauí deve consumir cinco vezes mais água que toda a cidade de Parnaíba

Inácio França / 23/04/2025
Esta é uma imagem da entrada de uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) localizada em Parnaíba, no Piauí, Brasil. No centro, há um grande pórtico com um design moderno, onde está escrito ZPE Parnaíba - PI. Também estão visíveis os logotipos da Receita Federal e do Governo do Estado do Piauí. À direita, vemos um edifício de fachada colorida e moderna, com alguns carros estacionados na frente. O céu é claro e com poucas nuvens, sugerindo um dia ensolarado. A estrutura reflete uma área voltada para atividades industriais e de exportação.

Crédito: Divulgação

por Tânia Martins, do site Ocorre Diário (PI)

Anunciada como a maior usina de Hidrogênio Verde do mundo, o projeto da multinacional espanhola Solatio está a todo vapor na Zona de Processamento de Exportações (ZPE) de Parnaíba. Em março, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin,assinou a resolução que autoriza a instalação do projeto, após aprovação do Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE).

Agora, a Secretaria de Meio Ambiente do Piauí convocou uma Audiência Pública para apresentação e discussão do Relatório de Impacto Ambiental (Rima) do empreendimento, que deve acontecer nesta quinta-feira (24), na Associação Comercial de Parnaíba.

Avanços que colocam o Piauí no cenário mundial da produção de Hidrogênio Verde, ao mesmo tempo que insere o estado no mapa perigoso das violações de direitos socioambientais. E o risco maior é com a água potável dos rios e mananciais. O Grupo de Trabalho sobre os Impactos das Energias Renováveis no Piauí (GT), formado por pesquisadores, professores e sociedade civil organizada, recebeu com preocupação os estudos apresentados pela Solatio.

De acordo com o professor e pesquisador da Universidade Estadual do Piaui (Uespi), Valdinar Bezerra, integrante do GT, a má gestão da água sempre foi um problema grave na cidade de Parnaíba. Segundo ele, por lá, o consumo médio de água por habitante é de 117,3 litros por dia. A relação entre a necessidade de água que a Solatio vai precisar por dia (91,2 milhões de litros/dia) com a população de Parnaíba (162.159 habitantes) é de 562,41 litros. “Considerando o consumo médio do Município de Parnaíba de 117,30, significa que o gasto com água diário de Solatio daria para consumo de 4,8 vezes a população de Parnaíba”, afirma.

Segundo o GT, o documento é um alerta para um possível colapso ambiental dos ambientes costeiro marinho e demais biomas existentes na pequena planície litorânea do Piauí, caso a Solatio consiga as licenças ambientais previstas para implantação da usina de hidrogênio verde no município de Parnaíba. O empreendimento deve consumir 3GW de energia, enquanto o Piauí inteiro produz 6,8 GW (ANEEL, 2015). Para dar conta da demanda, o governo está viabilizando a ocupação dos municípios da planície litorânea por projetos de energia eólica e solar. “O desmatamento será monstruoso, de milhares de hectares, em Bom Princípio, até agora, estão confirmados 10 mil hectares dedicados à instalação de painéis solares. O município tem 52 mil hectares”, diz o professor, pesquisador integrante do GT, João Paulo Centelhas.

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O hidrogênio verde, também conhecido como hidrogênio renovável e pela sigla H2V, é um subproduto do hidrogênio produzido por meio de fontes de energia renováveis, como a eólica e a solar. O subproduto recebeu a classificação verde porque sua produção não impacta na emissão de gases poluentes.

Risco para o delta

Os pesquisadores do Grupo de Trabalho alertam ainda para outro risco grave. Segundo eles, o delta do rio Parnaíba e os rios Parnaíba e Igaraçu estarão condenados a contaminação pelo despejo de rejeitos e efluentes oriundos da indústria, “seja por eventuais vazamentos da solução de hidróxido de potássio utilizada na eletrólise alcalina, seja da limpeza dos equipamentos, seja de resíduos de amônia e da purga de resfriamento dos reatores”, assegura o pesquisador e professor Centelhas. Ele acrescenta que, quando forem jogados ao rio em alta concentração, os rejeitos e as impurezas resultantes da filtragem da água do Parnaíba produzirão um efeito brutal à vida aquática.

De acordo com Centelhas, outro aspecto preocupante é a retirada expressiva de água doce do rio antes dele se ramificar no delta e a liberação de efluentes gerados pela filtragem da água e da purga de resfriamento dos reatores que vai comprometer o grau de salinidade das águas do delta. Quando isso acontecer, diversos seres vivos aquáticos serão impactados, além de 1.510 famílias que dali tiram o sustento e reproduzem seu modo de vida.

Já a usina, de acordo com os pesquisadores, vai produzir um gás tóxico (amônia NH3) que será disperso por chaminés e, mesmo em baixas concentrações, pode prejudicar a saúde das pessoas que moram nos bairros próximos ao local escolhido para instalar a indústria, em uma área 165 hectares.

Outro grande impacto será na área da Zona de Processamento de Exportações (ZPE) e bairros circunvizinhos (Igaraçu, Dom Rufino e Sabiazal). A área cedida à Solatio na ZPE será toda desmatada, promovendo o aumento da temperatura local. Já na fase de construção do empreendimento haverá intensa fuligem e poeira em suspensão, o que pode obrigar que as janelas das casas fiquem fechadas durante todo o dia, produzindo condições de temperatura insalubres às famílias.

Além disso, haverá forte aumento dos ruídos e barulhos ao longo do dia na área de construção e, também, pela circulação de tratores e caminhões. Além disso, a circulação de muitas pessoas deve mudar o ambiente social dos bairros, e o desmatamento da ZPE resultará na fuga e circulação de animais peçonhentos por toda área.

A imagem mostra uma área extensa coberta por vegetação densa, onde se destaca uma estrada de terra que corta o cenário ao meio. Essa estrada segue em linha reta, dividindo a paisagem em duas partes simétricas. Ao fundo, percebe-se uma área urbana com várias construções e casas, contrastando com o verde predominante. A perspectiva da foto é aérea, provavelmente capturada por um drone ou avião, o que permite uma visão panorâmica da interação entre a natureza e a cidade ao fundo.

Área que será ocupada e desmatada pela Solatio

Crédito: Geo Soluções Ambientais Ltda
AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.