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Foto: Débora Britto/MZ Conteúdo
Passados 15 dias da abordagem violenta da Guarda Municipal do Recife, durante a Terça Negra, a um jovem negro, o caso se desdobra em dois caminhos. De um lado, há um jovem prestes a responder a um inquérito policial. Enquanto isso, há a investigação do agente que disparou uma arma de fogo em meio à multidão.
No entanto, até hoje, Márcio da Silva, o jovem que sofreu a abordagem racista, ainda não foi ouvido pela Corregedoria. E sequer foi intimado a comparecer à delegacia para o inquérito.
O caso aconteceu na terça-feira (04), e Márcio foi conduzido à Central de Plantões, onde foi acusado de portar seis big big de maconha e um recipiente de adoçante com loló, além de desacato à autoridade. É o que lhe fui imputado no Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) Segundo, Márcio, os advogados que o acompanharam e os represenantes dos movimentos que estavam presentes durante a abordagem e também compareceram à delegacia, ele não portava nenhuma droga ilícita, reforçando a hipótese das supostas provas podem ter sido “plantadas”.
Desde então, o TCO já foi encaminhado para a Delegacia da Rio Branco, será responsável por abrir a investigação e processo de escuta para, depois, abrir ou não um inquérito criminal. É possível que não se chegue a esse ponto, caso seja provado que Márcio não estava com nenhum dos itens citados. A documetação só chegou à delegacia na segunda-feira (10) e aguarda despacho do delegado responsável. Depois disso, Márcio deverá ser intimado e poderá ser ouvido.
Entenda o caso:
Terça Negra: em ação racista, Guarda Municipal do Recife atira em meio à multidão
Em entrevista à Marco Zero, o corregedor da Guarda Municipal, Lívio Bernardo, confirmou que as apurações já se iniciaram e os agentes envolvidos na ocorrência foram todos ouvidos. O processo investigatório foi aberto no dia seguinte ao caso. Formalmente, trata-se de um procedimento administrativo disciplinar.
A princípio, não há um prazo fixo para cumprimento das etapas, pois os agentes e servidores ouvidos podem, ocasionalmente, reagendar as escutas, tendo a garantia do direito de defesa. Ele estima que o relatório conclusivo deverá ser finalizado até o final de fevereiro.
Além
dos agentes, a chefia também deve ser ouvida no processo, a fim de
entender como um agente estava com arma em serviço. A Guarda
Municipal do Recife é proibida de porte de arma de fogo. As punições
administrativas possíveis vão de 8 dias de suspensão ou, no caso
máximo, a demissão do servidor municipal. O teor racista ou não da
ação não é objeto dessa investigação. Para isso, seria preciso
entrar na esfera criminal.
Apesar dos diversos vídeos que mostram a abordagem violenta, a agressão ao público e os disparos, a Corregedoria está em busca de mais imagens que confirmem quem foi o autor do disparo. “A gente precisa identificar quem disparou. Tem algumas imagens que estão embaçadas, mas estamos chegando com informações de outros componentes [da Guarda], ou de responsáveis pelos componentes, a individualizar”, explica.
No entanto, o passo a passo burocrático para responsabilização do agente que atirou pode demorar bastante. Após a conclusão da investigação da Corregedoria, o procedimento segue para a Central de Inquérito, que abre outro processo de investigação.
Com uma semana, a Articulação Negra de Pernambuco (Anepe) realizou um ato denunciando o caso e exigindo um posicionamento durante o evento Também neste dia, o Movimento Negro Unificado (MNU), que organiza a Terça Negra há duas décadas, falou ao público presente que prestará atualizações sobre o caso durante as festividades e celebrações no Pátio de São Pedro.
O Movimento Negro Evangélico (MNE) de Pernambuco foi outra organização que se posicionou publicamente e vem acompanhando a situação Márcio, que é evangélico. Segundo Eliel David, que faz parte do MNE, um dos principais cuidados é com o bem estar e saúde mental de Márcio, descrito por ele como um jovem calmo. “Ele sempre esteve muito próximo a gente. Ele é muito calmo, sempre está nos rolês ocupando a cidade e infelizmente aconteceu isso com ele”, conta.
O trauma de passar por uma situação de racismo – e com tamanha violência – não é algo que passa rapidamente. O movimento evangélico, assim como pessoas da igreja que Márcio frequenta, tem apoiado também nesse aspecto. “O pessoal da igreja tem articulado para pagar terapia, mas ele não foi. Ele é uma pessoa muito calada, sabe que existe o processo do racismo, que é estrutural, que os órgãos de segurança pública fazem filtragem racial, mas ele é muito reservado”, conta.
Segundo
Eliel, que também integra a Comissão de Igualdade Racial da OAB
Pernambuco e a Articulação Negra de Pernambuco (Anepe), a
preocupação do MNE, articulado a outros movimentos, é não deixar
o caso cair no esquecimento. “Outra coisa que não podemos deixar
de falar é que um daqueles guardas estava armado, não só armado,
como atirou no meio da multidão”, lembra.
A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco também foi acionada para acompanhar o caso, por iniciativa das Juntas Codeputadas, atualmente na presidência da comissão. O mandato está acompanhando, inclusive com equipe de advogados, o inquérito na Polícia com intuito de auxiliar na defesa do jovem. Em nota, as codeputadas defenderam que não é possível “tolerar que a violência policial contra jovens negras e negros seja naturalizada nas corporações e faça do ato racista uma recomendação de atuação nas ruas”.
Uma cartilha destinada aos Agentes de Segurança Municipais sobre procedimentos, abordagens e informações foi distribuída, no início desta semana pré-carnaval para os 150 agentes que estarão nas ruas. Segundo o Secretário Executivo de Segurança Urbana, Paulo Moraes, o material também foi enviado para outros órgãos públicos, com objetivo de informar aos outros servidores sobre o papel da Guarda.
Além da cartilha, uma formação sobre racismo e como proceder no Carnaval para os agentes foi realizada na quarta-feira (12) para os agentes. Segundo Moraes, as duas ações já estavam planejadas antes do caso da Terça Negra. “A ideia foi dos Grupos de trabalho de Gênero e de Racismo da Guarda. A gente mobilizou o conjunto dos inspetores e líderes de grupo para participar da formação, porque eles vão conduzir trabalho das equipes sob aquela orientação”, explica.
Para Anna Karla Pereira, integrante da Articulação Negra de Pernambuco e da Frente Favela Brasil, a ação da cartilha e da formação são positivas para uma primeira resposta, mas suficientes. Para a Anepe, a cobrança por um posicionamento público e por ações efetivas, não apenas da Guarda, para combate ao racismo institucional devem continuar. “A gente quer conversar com essas lideranças e entender que tipo de conteúdo é dado nas formações da Guarda”, disse, e completou que a articulação têm interesse em construir com o aspecto educativo.
Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.