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Zika vírus não dá trégua em Pernambuco: 127 crianças nasceram com microcefalia em 2020 e 2021

Kleber Nunes / 15/10/2021

Crédito: Sumaia Villela/Ag Brasil/Arquivo

Enquanto a covid-19 ocupa o noticiário e atrai todas as atenções do público, pelo menos 127 crianças nasceram em Pernambuco com microcefalia entre o início de 2020 e os nove primeiros meses de 2021, período em que as preocupações de autoridades de saúde, cientistas e médicos estavam focadas na pandemia. O último informe técnico da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) revela que, de janeiro de 2020 até setembro deste ano, 169 crianças foram notificadas para o Síndrome Congênita do Zika. Desse total, 42 ainda estão com o diagnóstico em investigação ou estão com os exames classificados como “inconclusivos”.

O boletim da SES, mostra que, em 60 municípios pernambucanos, foram registrados 62 (53% das notificações ao longo de 2020) casos de microcefalia e 27 (23,1%) de microcefalia severa. Em 2021, classificaram-se 25 (48,1%) dos registros como microcefalia e 13 (25%) com microcefalia severa, conforme a padronização da Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, o estado também registrou a confirmação de uma criança que nasceu no Recife em 2015 – ano em que o estado foi o epicentro da epidemia -, mas somente agora teve o diagnóstico concluído.

A médica sanitarista e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Bernadete Perez, chama a atenção para a subnotificação que, segundo ela, se repete desde o período do pico epidêmico. Ao longo do tempo, pesquisadores encontraram crianças sem notificação nenhuma, e esses especialistas desconfiam que a situação esteja bem pior com a crise da covid-19.

“A pandemia agudizou a situação crônica e a gente acha que existe uma subnotificação importante. [Ainda assim] os números revelam que essa situação permanece porque nenhuma condição no território foi alterada, continuamos com locais altamente vulneráveis e marcados pela pobreza, infestação do mosquito, além de uma rede que permanece fragmentada, sem respostas coordenadas”, avalia.

No mesmo dia em que a gestão Paulo Câmara (PSB) publicou os dados mais recentes, além de Bernadete, outros pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e diversas instituições públicas realizaram um fórum virtual. O encontro contou com a participação de mães e familiares das crianças que relataram o cenário atual. Durante o encontro, pesquisadores que há seis anos acompanham as causas e os efeitos da enfermidade, a conclusão em 2021 de um caso de 2015 é mais uma prova da negligência do estado com esses pacientes e suas famílias.

“A situação é de dificuldade de acesso e fragmentação da rede. Ninguém sabe definir qual a equipe de referência que, de fato, cuida das crianças e famílias de forma a articular o conjunto de serviços que elas precisam com um plano terapêutico singularizado para cada paciente. Isso nunca existiu na verdade, mas com a pandemia foi piorando porque os poucos serviços foram restringidos”, afirma Bernadete.

“Se a gente tiver a capacidade de uma política pública com respostas coordenadas e projetos de mudanças mais amplas nas áreas sociais, sanitárias e de saúde que pudessem olhar essas crianças a partir de uma equipe de referência capaz de coordenar seus cuidados, porque daqui a pouco teremos adolescentes. Constituir uma forte rede de seguridade social, saúde e de solidariedade”, avalia Bernadete.

Para a médica, a solução do problema da Síndrome Congênita do Zika passa também pela ampliação da rede de atenção básica. Pelos cálculos da especialista, somente quando os governos federal, estadual e municipais garantirem a cobertura de no mínimo 80% das pessoas que vivem no território, aumentando capacidade de resolução das equipes, diversificar as ofertas e práticas terapêuticas indo além de remédios e exames.

“A gente tem que pensar qual o papel das equipes de saúde, de pesquisa e, principalmente, dos gestores em saúde, e qual a ética de cuidado a gestão estadual tem produzido para essas crianças? Acredito que a gente precisa articular quais são as contribuições teóricas e práticas das pesquisas porque essa situação dessas crianças é de exclusão e violência que tem sido invisibilizada pelo estado ano a ano. Temos que dar o direito a essas pessoas de pensarem um futuro, isso é um ato de resistência”, finaliza a dirigente da Abrasco.

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AUTOR
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Kleber Nunes

Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com