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As razões da Moura Dubeux

Luiz Carlos Pinto / 07/04/2016

O estudo do balanço financeiro da Moura Dubeux nos últimos anos explica ao menos em parte, embora não justifique, a agressividade da empresa na campanha por tornar realidade o Projeto Novo Recife, que prevê a construção de 12 torres de até 40 andares em área histórica da cidade. A construtora, principal empresa do consórcio que pretende edificar o empreendimento no cais José Estelita, passa por uma situação preocupante e delicada em suas contas e na sua operação.

Nessas circunstâncias, não é equivocado considerar que a venda das 12 torres projetadas representam um alívio de caixa para a empresa. O contexto econômico, por outro lado, avisa dificuldade que será negociar a venda do empreendimento.

O quadro geral da contabilidade da empresa permite confirmar a crise geral que se abate sobre o setor da construção civil no país. É que nos últimos dois anos o mercado imobiliário brasileiro vem passando por uma virada com toques dramáticos. Essa mudança se refere basicamente a um processo de desaceleração: queda de vendas, aumento de estoques, redução nos lançamentos, juros mais altos, disparada dos distratos, maior desemprego no setor, etc. “Nesse quadro, muitas empresas do setor de construção e incorporação estão muito endividadas e precisam se desfazer urgentemente dos imóveis que construíram para quitarem débitos”, afirmou o proprietário de uma grande construtora local que pediu sigilo.

Em números: nos últimos 12 meses o preço dos imóveis em 20 cidades brasileiras subiu apenas 0,53% quando se leva em conta o índice FipeZap. Essa é a menor variação desde 2008. Por outro lado, a inflação medida pelo IPCA deve ficar na casa dos 9,5% no mesmo período, segundo o Boletim Focus do Banco do Brasil. Assim, considerando o efeito da inflação, é uma queda média real de 8,1% no preço de imóveis.

O setor registrou, no último trimestre encerrado em janeiro de 2016, uma queda de 14,8% nos lançamentos frente ao mesmo período de 2015. Os indicadores de vendas (-16,6%), e, principalmente, de entregas (-39,2%) também recuaram na mesma base de comparação. Segundo a consultoria ITC, as obras residenciais receberam aportes de US$ 39,42 bilhões em 2015 – o que já representou uma diminuição de 19,6% em relação a 2014.

“Nessas circunstâncias acho difícil o consórcio (Novo Recife) conseguir vender todo o projeto. A economia está mais frágil, o comprador está inseguro e as empresas endividadas”, afirma a mesma fonte.

Por outro lado, os balanços financeiros da Moura Dubeux também explicitam o modelo em que esse setor da economia em especial se apóia para continuar a produzir e circular riqueza.

Resolvemos ir a fundo na análise contábil das contas da Moura Dubeux no período que vai de 2010 a 2015, num conhecido caminho de investigação: saber por onde circula o dinheiro. Ou por onde deveria circular. Esse esforço de análise se justifica: a construtora tornou-se nos últimos anos um personagem importante do cenário de mudanças pelo qual a cidade do Recife passa, sendo acusada de interferir diretamente na formulação de políticas públicas e/ou intercedido nas atividades de funcionários públicos.

Seguindo essa tese, o interesse público vem sofrendo intervenções guiadas pelo vetor do interesse privado. Então é razoável afirmar que é importante conhecer melhor esse ator do cenário político e econômico. Como a empresa é de capital aberto e tem ações cotadas na bolsa de valores, suas contas são disponíveis publicamente justamente para a discussão pública, o que fazemos aqui.

O trabalho foi feito em parceria com um professor pesquisador de uma instituição de ensino Federal da área de economia, especializado em certificações financeiras e formação em Finanças e que atua em outro estado da federação. O profissional prefere não se identificar.

Liquidez

A informação que corre a boca miúda na cidade Maurícia é que empresa estaria com sérios problemas financeiros. Até agora não se sabia da veracidade e extensão dessa informação. De fato, a empresa vem passando por dificuldades. Mas cabe detalhar de que tipo e como vem-se tentando resolver essa questão. O estudo do balanço financeiro da empresa também revela que a maior parte do lucro bruto é formado pelo resultado de receitas oriundas de investimentos em empresas coligadas e controladas e que se transformaram em receita – e não da venda de imóveis. Veja a lista das empresas controladas e coligadas nesse link.

Isso aconteceu em todos os anos da série dos balanços analisados (2010 a 2015). De acordo com o profissional que analisou as contas da empresa, “o fluxo de caixa gerado com o negócio Construtora Moura Dubex é negativo, ou seja, sai mais dinheiro do que entra de suas operações de venda. Este caixa gerado está negativo desde 2011”.

Um dos problemas mais evidentes nos indicadores contábeis é a liquidez, que indica a capacidade de uma determinada empresa quitar suas dívidas. A liquidez imediata representada no gráfico abaixo indica a quantidade de dinheiro que a empresa dispõe imediatamente em caixa para quitar suas dívidas de curto prazo. Na prática, indica quantidade de Reais que a empresa dispõe de imediato para saldar cada R$ 1,00 de suas dívidas. A tendência desejável é que o índice seja ascendente.

Seguindo esse conceito, em 2010 a empresa tinha R$ 8,32 em Caixa para saldar cada R$ 1,00 em dívida. No registro do balanço de 2015, dispunha de apenas R$ 0,31 para saldar cada R$ 1,00 em dívida. Na maior parte das vezes, a liquidez imediata é menor que 1 mesmo, porque nenhuma empresa é totalmente líquida e deve possuir estoques e contas a receber para ‘girar seus ativos’ (ou seja, desencalhar os estoques de imóveis. Vender mais, aumentar a participação de produtos por clientes, etc. Quando uma empresa não ‘gira os ativos’ está estagnada). O que chama a atenção é a derrocada desse índice no período mencionado.

Pode-se afirmar que a empresa praticamente ficou sem caixa em 2014, pois tinha apenas R$ 0,05 para quitar cada real de suas dívidas de curto prazo. Em 2015 detinha R$ 0,31 em caixa para fazer o mesmo trabalho. O aperto nos índices de liquidez são provocadas por vendas menores ou ampliação do endividamento, ou as duas coisas atuando conjuntamente.

Outros índices de liquidez (corrente e seca) também apontam o mesmo.

Pense numa demora

Neste momento, a empresa está com dificuldades de realizar as vendas necessárias para girar seus ativos, ou seja, vender mais, aumentar a participação de produtos por clientes, etc. Quando uma empresa não gira os ativos está estagnada. É desejável que a rotação dos ativos (a eficiência nas vendas) seja predominantemente decrescente.

Para entender melhor como ler esse índice: suponha que você abriu uma “bodega”, com um investimento de R$ 100 mil para montar a loja (mobiliário, design, estoque, propaganda, etc.). A rotação dos ativos significa quanto tempo você precisaria vender R$ 100 mil. A quantidade de vendas para “empatar” com aquilo que você investiu no negócio. O negócio estará bem se esse retorno for no menor tempo possível.

É o que não está acontecendo com a Moura Dubeux. O resultado do índice, com expressivo aumento de tempo para retorno dos ativos quando comparado com as vendas, indica que está mais difícil para a empresa (sócios) e os investidores (bancos e investidores independentes) recuperarem seu investimento: o giro do ativo era de 21,05 anos em 2010. Ou seja, a empresa precisaria de 21,05 anos de vendas para cobrir seu patrimônio global. O índice passou para 34 anos em 2013, para 25 anos em 2014 e 84,84 anos em 2015, tendo por base os resultado de três exercícios de 2015 com balanços já divulgados.

O salto desse índice no ano de 2015 se explica porque tanto as dívidas quanto os ativos dobraram como efeito das vendas em declínio. Os ativos e passivos (que contabilmente são iguais) da Moura Dubeux estiveram em crescimento expressivo ao longo do tempo, passando de R$ 1,15 Bilhões em 2010 para R$ 2,982 Bilhões em 2015.
Dinheiro em caixa ou em bancos; bens, direitos e valores a receber no prazo máximo de um ano, ou seja, realizável a curto prazo, (duplicatas, estoques de mercadorias produzidas, etc); aplicações de recursos em despesas do exercício seguinte. Esse conjunto de coisas (no vocabulário contábil, ativos circulantes) diminuiu nos últimos anos, principalmente por causa da redução das aplicações financeiras.

A empresa passou a privilegiar o investimento nas empresas coligadas. As aplicações financeiras foram reduzidas de R$ 524 milhões para 5,5 milhões em 2014, comprometendo todos os indicadores de liquidez. Ao mesmo tempo, a empresa tem tido dificuldades em vender. Houve aumento dos estoques de apartamento para vendas de 41 para 95 milhões de 2015, o que justifica a piora nos indicadores de giro dos ativos.

Dívidas

Já o nível de endividamento total demonstra a relação entra a dívida total da empresa e seu próprio capital. A empresa apresentou endividamento de longo prazo crescente com coligadas (R$ 824,9 milhões) e endividamento por conta de adiantamento de clientes – o pagamento que os clientes fazem dos imóveis na planta. Nesses casos, o cliente está financiando a empresa por sua total conta e risco. Contabilmente esse adiantamento de dinheiro é dinheiro de terceiros, um passivo da empresa.

Por fim, há de se considerar o lucro nas vendas realizadas. Obviamente, o que se espera de uma empresa saudável é que essa relação seja crescente. E, de fato, a margem líquida de vendas foi crescente ao longo do tempo. Mas há um detalhe que precisa ser observado.

Entre 2010 e 2015, a maior parte do lucro bruto foi formado por atividades que nada tem a ver com o negócio da empresa, que é vender imóveis. Essa fonte representava de 2010 a 2014 respectivamente: 77%, 80%, 64%, 60%, 49% do lucro. Esta participação vem caindo, mas foi bastante significativa e chegou a 80%. Ou seja, 80% do caixa para a geração de resultados em 2011 veio dos ganhos de capital contra apenas 20% gerado das vendas realizadas pela empresa.

Como, na prática, uma empresa faz isso? Primeiro, compra ações de uma empresa coligada a R$ 1,00 com investimento de 1 milhão – isso forma um bolo de ações que valem em conjunto R$ 1 milhão. Ao longo do tempo estas ações valorizaram, e hoje valem individualmente R$ 2,00, e aquele investimento inicial agora vale, R$ 2 milhões. Esta diferença entre o que foi investido (R$ 1 milhão) e o que o investimento em coligada vale hoje (R$ 2 milhões) representa um ganho de capital (lucro) do investimento. Esse ganho é computado no balanço da Moura Dubeux como lucro, afetando positivamente o resultado. O que os economistas e contabilistas chamam de lucro não operacional. Ele nada tem a ver com as vendas dos imóveis.

“Em diversos exercícios os lucros serão bem maiores que as vendas, porque a empresa está gerando um caixa negativo de suas operações, vende pouco para o seu tamanho e o resultado está “marombado”, ‘turbinado”, “bombado”, com receitas que não representam atividades operacionais da empresa”, afirma nosso amigo analista.
Estratégias

Para sanar as dificuldades, a empresa aumentou a sua posse e participação nas empresas coligadas e controladas – de R$ 327 milhões para 1,49 Bilhões em 2015. Sinalizando que, no adverso cenário econômico e político atual, a empresa está apostando a suas fichas no investimento em coligadas.

A empresa também desacelerou investimentos próprios e ampliou em empresas controladas por ela. Nesse processo, o ativo circulante reduziu-se de R$ 657 milhões em 2010 para R$ 316,7 milhões em 2015. As contas a receber caíram também e passaram de R$ 174 milhões em 2014 para R$ 94 milhões em 2015. Também emitiu debêntures no valor de R$ 400 milhões. Debênture é um título de dívida, de médio e longo prazo, que confere a seu detentor um direito de crédito contra a companhia emissora. Quem investe em debêntures se torna credor dessas companhias.

Com isso, a maior parte do lucro bruto tem sido formado pelo resultado dos investimentos em coligadas e controladas e que se transforma em receita do exercício. Isso aconteceu em todos os anos da série, uma estratégia legal, prevista na legislação contábil e fiscal do Brasil. Excluindo essa forma de lucro, verifica-se que desde 2010 a empresa opera no vermelho – exceção ao ano de 2013.

Com esse conjunto de providências, o grupo permanece no azul, informa o consultor que realizou o trabalho de análise.

Aqui pra nós

Entramos em contato a com a empresa, através de sua assessoria de imprensa, para que a empresa comentasse seus balanços e também sua expectativa em relação ao Projeto Novo Recife. O empreendimento foi anunciado como efeito de um investimento total de R$ 1,5 bilhão e gerador de 6 mil empregos durante o período de obras e dois mil empregos gerados depois de concluídas as obras.

Procuramos saber se a sua venda tem uma representatividade destacada no esforço que vem sendo feito para manter a Moura Dubeux com saúde. Os dados de seu balanço disponíveis publicamente não permitem avaliar a importância do Projeto Novo Recife na contas presentes e futuras da empresa.

O contato foi realizado no 2 de Abril às 13h35. O e-mail enviado para a assessoria solicitava o seguinte.

– Em que medida a crise econômica impactou a queda de liquidez da empresa?
– Que outros elementos podem ter interferido nessa queda?
– Em que medida a crise econômica impactou a venda de imóveis da empresa?
– Que outros elementos podem ter interferido nessa queda?
– Quais as perspectivas da empresa para o ano de 2016 em relação à recuperação de liquidez e vendas?
– Qual o peso do Projeto Novo Recife nesse processo de recuperação?

A empresa informou que não tem interesse em comentar assuntos relacionado à crise nem a seu balanço financeiro.

AUTOR
Foto Luiz Carlos Pinto
Luiz Carlos Pinto

Luiz Carlos Pinto é jornalista formado em 1999, é também doutor em Sociologia pela UFPE e professor da Universidade Católica de Pernambuco. Pesquisa formas abertas de aprendizado com tecnologias e se interessa por sociologia da técnica. Como tal, procura transpor para o jornalismo tais interesses, em especial para tratar de questões relacionadas a disputas urbanas, desigualdade e exclusão social.