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MTST ocupa prédio no centro do Recife

Luiz Carlos Pinto / 20/03/2018

Fotos: Inês Campelo

O centro do Recife amanheceu com uma vizinhança nova. Durante esta madrugada o prédio do antigo Hotel Nassau foi tomado por cerca de 200 famílias que deram início à primeira ocupação vertical da capital pernambucana desde a do edifício Trianon, em 2011. A ocupação, organizada pelo Movimento do Trabalhadores Sem Teto (MTST) se chama Marielle Franco em homenagem à vereadora carioca executada na semana passada. A ação reivindica da prefeitura que o imóvel seja revertido em habitação social. Fechado há mais de 10 anos, o Hotel Nassau acumula um pouco mais de R$ 1,9 milhão em dívidas em Imposto Predial e Territorial Urbano, segundo levantamento feito pelo MTST.
Esse é, aliás, um dos grandes problemas de cidades antigas como o Recife. Seus bairros mais velhos possuem imóveis abandonados ou em processo de inventário. Os donos deixam de pagar os impostos e não são cobrados a dar uma função social ao bem, apesar de essa ser uma obrigação constitucional – diversas são as razões para que isso aconteça. E, apesar dos diversos mecanismos jurídicos disponíveis para tomar tais bens e direcioná-los ao uso social, não o fazem.

“Queremos dar inicio a um diálogo com a prefeitura para que ela viabilize a desapropriação do imóvel e que ele seja convertido em habitação popular”, explicou Cecília Gomes, advogada de deu apoio à ocupação.
É a situação do Hotel Nassau. O edifício tem seis pavimentos e faz uma curva suave ao longo da rua do Rosário, do lado da praça do Diário. Curiosamente, os ocupantes encontraram diversos boletos de IPTU e da taxa de bombeiros não pagos no hall de entrada. Embora o Hotel Nassau tenha sido inaugurado em 1966, a os tributos incidem sobre o imóvel desde 1939. O imóvel também já sediou a Embaixada Americana, embora formalmente continuem sendo propriedade da Empresa Nacional de Hoteis Ltda., que usou a marca de fantasia Hotel Nassau.

Essa é a segunda ocupação vertical na cidade. A primeira aconteceu nos anos 1990, na avenida Guararapes e foi tema de dissertação de mestrado da professora Karina Falcone.

A ocupação

A mobilização para entrada no imóvel aconteceu em um ponto do bairro da Boa Vista, às 22 horas. O plano inicial era que a ação acontecesse às 3 horas da madrugada desta terça, 20 de março. Na longa espera que antecedeu esse momento, crianças de idades variadas (uma delas com 30 dias de nascida), muitos idosos, mulheres adultas e homens esperavam pacientemente. Originários de basicamente três localidades (Ocupação Potocó, Coque e Ocupação Carolina de Jesus), os ocupantes participaram de uma reunião geral à meia-noite, onde a linha de frente da organização deu as principais instruções e regras.

Trabalhadores das comunidades de Pocotó, Carolina de Jesus e Coque aguardando comando de saída. Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Trabalhadores das comunidades de Pocotó, Carolina de Jesus e Coque aguardando comando de saída. Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

É interessante observar que essa ocupação foi comandada por mulheres. Vitória Jenuíno, uma das integrantes do MTST, disse que isso não é por acaso. “Estamos no mês das mulheres e o comando feminino é uma forma de fazer lembrar a luta pela igualdade de gênero em várias instâncias”, disse.
Depois da assembléia, um lanche com de suco e sanduíche frio atiçou o grupo, que dividido em filas de idosos, crianças e mulheres, esperavam as porções para aguardar o momento de entrar nos ônibus e partir para o local desejado.
Depois de comer, muitos, cansados pelo dia de trabalho, ressonavam em cadeiras, papelões convertidos em camas, em muretas, redes improvisadas – as crianças em colos ou em colchões e lençóis coloridos sem festa. Aos poucos o barulho das conversas foi se acalmando, enquanto o tempo avançava pela madrugada.
A espera em uma ocupação é sempre tensa. À medida que a hora de embarcar se aproxima, a tensão vai suprimindo o cansaço, fazendo com que à primeira vista, tudo pareça mais calmo. Somente às 3 horas, como havia sido inicialmente planejado e anunciado pelos organizadores, os três ônibus chegaram. Às 3h10 os ocupantes começaram a embarcar. Alguns minutos antes duas viaturas do GATTI passaram pela rua, causando sobressalto entre as mais de 200 famílias que se preparavam para a ocupação.

Mais que nunca era preciso manter o silêncio e mais ainda a calma – ninguém queria que a ocupação fosse abortada. Uma eternidade parece ter passado nos 16 minutos que foram necessários para encher os três ônibus e fazê-los partir. Alguns carros e dois motociclistas davam apoio.
No ônibus da frente ia um dos personagens mais importantes para qualquer ocupação: o eletricista José que carregava mais de 100 metros de extensão com bocais para iluminar os primeiros passos no prédio abandonado.
Às 3h26 os ônibus saíram fazendo um barulho de guerra. Embora o trajeto para o edifício tenha durado somente seis minutos, foi tempo suficiente para que a tensão nos ônibus emudecesse quem até então ainda sorria nervoso, para os que pediam silêncio. “Tem que ser feito gato”, disse dona Aline, rindo na janela e olhando o Recife que passava amarelado do lado de fora. “Tem que ser feito gato na noite”.

Entrada

Às 3h40 o portão de ferro pesado cedeu sob a força de uns oito homens que forçaram uma pequena abertura, que permitiu que alguns rapazes mais magros pulassem a barricada de madeira deixada pelos proprietários. Removida, a barreira serviu de proteção contras aos vidros que caíram com a força imposta. Foi o momento de maior tensão. Enquanto parte dos sem teto gritavam para colocar força e abrir na marra, outra parte pedia silêncio, com medo de que a polícia aparecesse.
A algazarra com vidros caindo e metal partindo, homens e mulheres gritando, crianças chorando ou brincando, ônibus bufando e adolescentes gritando chamou a atenção de vigias, moradores de rua, taxistas, ambulantes, criando uma celeuma que fez o centro acordar mais cedo, mais dramático que noutros dias.

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Às 3h43 José já tinha feito o saguão do imóvel ficar iluminado. Às 3h56 três dos andares estavam tomados e as famílias começavam a limpar o enorme entulho deixado por anos de abandono. Uma nuvem de poeira, fuligem e mofo subiu deixando tudo meio turvado. Parecia que tudo havia sido revirado de última hora no interior do prédio. Dois minutos depois as duas primeiras viaturas do GATTI estacionavam na frende do imponente portão de três metros do que foi o Hotel Nassau, enquanto os militantes do movimento terminavam de cerrar a sede da Ocupação Marielle Franco no bairro de Santo Antônio da cidade do Recife.

AUTOR
Foto Luiz Carlos Pinto
Luiz Carlos Pinto

Luiz Carlos Pinto é jornalista formado em 1999, é também doutor em Sociologia pela UFPE e professor da Universidade Católica de Pernambuco. Pesquisa formas abertas de aprendizado com tecnologias e se interessa por sociologia da técnica. Como tal, procura transpor para o jornalismo tais interesses, em especial para tratar de questões relacionadas a disputas urbanas, desigualdade e exclusão social.