Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

No duelo entre Geraldo e Daniel, sobrou “Blefe” para os dois lados

Marco Zero Conteúdo / 30/09/2016

Os momentos de maior tensão no debate promovido pela Rede Globo entre os candidatos a prefeito do Recife foram protagonizados por Geraldo Julio (PSB) e Daniel Coelho (PSDB). O Truco Eleições 2016– projeto de fact-checking da Agência Pública em parceira com a Marco Zero Conteúdono Recife –, checou os dois pontos mais polêmicos do embate entre o socialista e o tucano. Veja o que verificamos:

blefePeq“Acho bom a gente ter a oportunidade de esclarecer esse Projeto de Lei [PL 5446/2016]. Quem quiser, tá lá no Portal Transparência. Ele se refere ao transporte escolar, que é extremamente importante. O transporte escolar é uma alternativa para o trânsito da cidade […] Isso não tem nada a ver com o Uber.” – Daniel Coelho (PSDB)

Daniel Coelho “blefou” ao responder à acusação de Geraldo Julio de que estaria sendo contraditório ao defender a liberação do Uber no Recife e, em junho de 2016, ter apresentado um Projeto de Lei na Câmara dos Deputados aumentando as multas para os veículos de transporte remunerado não licenciados, situação em que se encontram os motoristas de Uber, até o momento, na capital pernambucana.

No dia 1º de junho de 2016, como deputado federal, Daniel Coelho apresentou um Projeto de Lei que, diferentemente do que ele afirmou no debate, não se restringe apenas ao transporte escolar. Na própria ementa do projeto isso fica claro que as mudanças também atingiriam o transporte remunerado não licenciado:

“Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), para dispor sobre transporte escolar e transporte remunerado não licenciado”.

Pelo Projeto de Lei, serão alterados os artigos 29, 230 e 231 do CTB. Os artigos 29 e 230, de fato, tratam do transporte escolar e estão de acordo com o que Daniel afirmou no debate. O mesmo, porém, não pode ser dito do artigo 231. Esse, expressamente, versa sobre o transporte remunerado não licenciado. Caso a proposição do candidato tucano seja aprovada (atualmente encontra-se na Comissão de Viação e Transporte), o artigo 230, no seu inciso VIII, que trata das infrações para veículos “efetuando transporte remunerado de pessoas ou bens, quando não for licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com permissão da autoridade competente”, teria as seguintes mudanças:

Infração – de média para “gravíssima”;

Penalidade – de multa para “multa (cinco vezes), suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo”;

Medida administrativa – de retenção do veículo para “remoção do veículo, recolhimento do documento de habilitação”.

Na justificativa do Projeto de Lei, Daniel chegou a afirmar que:

“[…] Por fim, consideramos que as punições hoje vigentes para a realização de transporte de escolares, ou mesmo do transporte remunerado de passageiros, sem a devida autorização do órgão competente, o chamado transporte pirata, não guardam a devida proporção com a gravidade dessas condutas”.

“Dessa forma, estamos propondo, também, a alteração na gravidade da infração, com a consequente ampliação das penalidades e medidas administrativas aplicáveis ao transporte pirata de passageiros e de escolares”.

Portanto, mesmo que a intenção do candidato tucano não tenha sido essa, o Projeto de Lei proposto por ele na Câmara dos Deputados, no artigo 231, afetaria diretamente os motoristas de Uber na situação que se encontram até agora no Recife.

***

blefePeq“Você sabe que o meu gabinete custa a metade do custo anual que ele (Daniel Coelho) custa para você, que tá aí em casa, como deputado federal?” – Geraldo Julio (PSB)

Blefe, Geraldo. O Portal da Transparência da Prefeitura do Recife indica que foram gastos R$ 26.012.930,19 com o gabinete do prefeito em 2015. Somando todos os recursos a que um deputado federal tem direito (salário, auxílio-moradia, verba de gabinete e verba indenizatória), o custo anual para o contribuinte chega a R$ 2.056.476,00 –valor 13 vezes mais baixo do que foi gasto no gabinete do prefeito.

Procurada para confirmar a origem dos dados apresentados por Geraldo Julio, a assessoria do candidato ficou de apurar a informação e repassá-la ao Truco, mas não deu retorno.

O salário de um deputado federal é de R$ 33.763,00. No ano, a conta vai para R$ 405.156,00. O 13o e o 14o salários foram extintos em 2013 e substituídos por uma ajuda de custo no valor de R$ 26.723,13 que o deputado recebe em duas parcelas, no começo e no final do seu mandato. O auxílio-moradia é de R$ 4.253,00 para parlamentares sem imóvel próprio no Distrito Federal. O parlamentar também pode morar num apartamento funcional, sem pagar aluguel. Se optar pelo auxílio-moradia, a conta anual com o benefício chega a R$ 51.036,00.

A verba de gabinete é utilizada para o pagamento de até 25 funcionários no gabinete do parlamentar em Brasília e nos escritórios nos estados, no valor mensal de R$ 92.053,20. Por ano são gastos por cada deputado nesta rubrica R$ 1.104.636,00.

Os parlamentares também têm direito a uma verba indenizatória paga mediante a apresentação das notas fiscais e que pode incluir compra de passagens aéreas, fretamento de aeronaves, alimentação do parlamentar, cota postal e telefônica, combustível, consultoria, divulgação do mandato, aluguel e outras despesas com escritório político, assinatura de publicações e serviços de TV e internet, contratação de serviço de segurança. O teto da verba indenizatória é variável levando em conta o estado de origem do parlamentar. Para Pernambuco, a cota mensal é de R$ 41.304,94 ou R$ 459.648,00 em valor anualizado. Segundo o Portal de Transparência da Câmara dos Deputados, Daniel Coelho gastou R$ 421.389,52 em verba indenizatória em 2015.

Cada deputado federal tem uma cota para a produção de material gráfico. Neste caso as cotas não são em dinheiro, mas em quantidades: até 15 mil A4 por mês, até 2 mil A5 por mês, até 4 mil exemplares de 50 páginas por ano (200 mil páginas por ano), até 1 mil pastas por ano, até 2 mil folhas de ofício por ano, até 50 blocos de 100 folhas por ano, até 5 mil cartões de visita por ano, até 2 mil cartões de cumprimentos por ano, até 5 mil cartões de gabinete por ano, até 1 mil cartões de gabinete duplo por ano.

Os parlamentares também podem ter ressarcidos seus atendimentos na área de saúde, mas só para aqueles que não possam ser realizados no Departamento Médico da própria Câmara dos Deputados.

Segundo cálculo do site Congresso em Foco, o custo de um parlamentar ao erário público é, em média, de R$ 168,6 mil por mês. Juntos, os 513 deputados consomem R$ 86 milhões mensalmente e R$ 1 bilhão por ano.

Confrontados com o teor da declaração do prefeito, alguns especialistas ouvidos pelo Truco disseram que os números sugeridos por Geraldo estão muito longe da realidade, mesmo que ele considerasse todo o orçamento da Câmara dos Deputados em 2015, de R$ 5,4 bilhões, e dividisse pelos 513 gabinetes dos parlamentares, o que daria R$ 10.526.315,78 para cada. Ainda assim, menos da metade do que o prefeito gastou em seu gabinete na Prefeitura. E uma conta considerada sem sentido pelos especialistas por colocar na esfera de gastos com o parlamentar despesas não relacionadas diretamente ao funcionamento do seu gabinete.

(Sérgio Miguel Buarque · Laércio Portela)

AUTOR
Foto Marco Zero Conteúdo
Marco Zero Conteúdo

É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.