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Prefeitura de Olinda não repassa informações sobre casas camarote e prejudica fiscalização

Raíssa Ebrahim / 19/02/2020

Falta de informação impede avaliação sobre casas camarote e day use em 2020 (foto: Arquimedes Santos/Prefeitura de Olinda)

Quem acompanha a Marco Zero Conteúdo lembra que, no ano passado, noticiamos e cobrimos de perto os problemas relacionados ao funcionamento irregular de casas camarote e day use no Carnaval do Sítio Histórico de Olinda. Nove casas foram vetadas pelo Conselho de Preservação e três ações foram ajuizadas pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Neste ano, o cenário está bem diferente.

Não porque há segurança da regularidade, mas simplesmente porque não há informação oficial sobre o assunto na véspera da abertura oficial da festa. Sem informação, não há possibilidade de avaliação e, consequentemente, certeza do cumprimento da lei. Isso significa que foliões e a cidade Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, título dado pela Unesco, com seus casarios seculares, correm sérios riscos.

Pelo que diz a legislação (decreto 26/2015), só são permitidos pontos não oficiais da folia em hotéis, pousadas, bares e restaurantes que funcionam regular e permanentemente, apenas com apresentações de orquestras de frevo e outras manifestações típicas do Carnaval olindense e mediante autorização e atestado de regularidade, o que envolve, por exemplo, alvará dos Bombeiros.

Acontece que, até o momento, mesmo as redes sociais e os sites especializados em vendas online de ingressos estando repletos de anúncios, nem o Conselho de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda (CPSHO) nem o MPPE foram oficialmente informados pela Prefeitura de Olinda sobre as iniciativas deste ano.

“Embora seja prevista por lei a necessidade de o conselho analisar, dar parecer aprovando ou reprovando essas iniciativas, nada, até o momento, chegou nas nossas mãos para que se proceda e cumpra a lei”, informa o presidente do CPSHO, Jorge Tinoco.

“Embora eu venha cobrando as exigências”, reforça o arquiteto, professor e diretor geral do Centro de Estudos Avançados de Conservação Integrada (Ceci). Na avaliação de Tinoco, deixar para a última hora pode trazer danos à cidade, aos moradores, aos foliões e também a quem fez o investimento na casas camarote e day use.

A promotora de Justiça de Meio Ambiente e Urbanismo de Olinda, Belize Câmara, diz que também não tem informações até o momento. Consequentemente, não haverá tempo hábil para análise e tomada de providências, caso sejam necessárias. O expediente do MPPE só vai até esta quinta-feira (20).

Segundo Belize, o prazo para recebimento de esclarecimentos solicitados em ofício à Prefeitura de Olinda terminou nesta terça-feira (18). Ela lembra a diferença em relação a 2019: “Um mês antes do Carnaval do ano passado essas informações estavam disponíveis”. Em 2018, o órgão expediu uma recomendação para que o município observasse com mais atenção o que diz o Decreto 26/2015.

No ano passado, houve três ações contra casas camarote e day use. Uma delas foi a Olinda Tropicana, de Alceu Valença, que conseguiu uma liminar no plantão da Justiça e terminou funcionando. A outra foi a Casa de Vô, que não conseguiu alvará de funcionamento, mas, segundo moradores e sociedade civil organizada, o espaço abriu normalmente. O problema é que não houve como executar multa porque não há provas suficientes.

A terceira casa foi a Liars, que não conseguiu autorização, foi multada com solicitação de majoração de pena, porém os valores até hoje não foram recolhidos pela prefeitura. A casa funcionou como se nada tivesse acontecido.

As penalidades previstas no Decreto 26/2015 vão desde a suspensão e interdição do estabelecimento até previsão de multa de R$ 75 mil para quem descumprir as condições impostas e de R$ 100 mil para quem não tiver autorização de funcionamento. Os valores são aplicados em dobro a cada reincidência.

Neste ano, a Olinda Tropicana mudou de nome e de formato. Passou a ser o centro cultural Olinda Estação da Luz, apenas para convidados e sem shows. A Casa de Vô será realizada na Rua Vinte e Sete de Janeiro, com open bar e open food, a R$ 150 o dia, segundo vendas no site Peixe Urbano.

Casa de Vô na Rua 27 de Janeiro, no Carmo, Sítio Histórico de Olinda

Já sobre a Liars, apesar de haver publicidade na página Recife Ingressos, os bilhetes aparecem como indisponíveis, então, por falta de informação oficial, não se sabe se a casa funcionará neste Carnaval. Passamos na Rua de São Bento, local da iniciativa no ano passado, mas não há qualquer sinalização por enquanto.

Em entrevista à reportagem, Natan Nigro, coordenador administrativo da Sociedade Olindense de Defesa da Cidade Alta (Sodeca) também reclama da falta de informação e comenta que neste ano notou, através de observação e de pesquisas nas redes sociais, uma maior quantidade de casas camarote e day use e em mais formatos em Olinda.

O arquiteto e urbanista coloca três questões centrais sobre o assunto. Uma é a descaracterização do Carnaval de rua com suas tradições por causa da mudança do perfil da festa. Outra é a fiscalização ineficiente. E a terceira é a preservação dos casarios num Sítio Histórico tombado.

“Já temos uma deficiência pública grande nessa conservação e aí pequenas reformas sem fiscalização e sem aprovação vão, aos poucos, descaracterizando os imóveis. Além disso, muitos deles não têm capacidade para uma carga tão intensa”, detalha.

Natan chama a atenção para uma problemática urbanística que sofre impacto direto na economia do Carnaval. A cada ano cresce o número de imóveis vazios e ocupados somente durante a folia. “Isso gera um impacto na relação de vizinhança, na segurança pública. O sítio começa a ser usado como uma parque de diversões”, critica.

A Marco Zero Conteúdo procurou a Prefeitura de Olinda na terça (19) e foi informada que a secretária-executiva de Patrimônio, Cultura, Turismo e Desenvolvimento, Ana Cláudia Fonseca, só concederia entrevista na quarta (20) à tarde pois a terça (19) seria o último dia do prazo de solicitação para casas camarote e day use. A gestão também estaria procurando ativamente os produtores que não pediram autorização ainda.

Hoje entramos em contato com Ana Cláudia e fomos informados que quem falaria era o secretário titular da pasta, João Luiz. Ligamos para ele, mas não obtivemos retorno.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com