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(crédito: Raíssa Ebrahim/MZ Conteúdo)
A Marco Zero Conteúdo acompanhou a visita do relator especial da ONU sobre direitos humanos e substâncias e resíduos tóxicos, Baskut Tuncak, a Pernambuco. Da falta de informação à negligência em saúde, as consequências do crime socioambinetal do petróleo na costa brasileira – assim como o que o especialista testemunhou em locais como Brumadinho (MG) e Piquiá de Baixo (MA) – são vistas por ele com profunda preocupação.
Em viagem ao Brasil na semana passada para conhecer violações e abusos de direitos e ouvir o poder público, Tuncak relatou que estão em jogo questões socioambientais, o desmantelamento das instituições, já enfraquecidas, e a impunidade. Tudo isso visto num contexto que envolve um padrão de classe, raça e etnia.
Ele desembarcou em Brasília e visitou, entre os dias 2 e 13 de dezembro, Belo Horizonte, Brumadinho, Imperatriz, Piquiá de Baixo, São Luís, Recife e duas praias do litoral sul do estado. Em Pernambuco, o representante da ONU esteve em Itapuama, na colônia de pescadores de Gaibú e na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde ouviu uma série de relatos alarmantes de especialistas, pesquisadores e sociedade civil.
As diferentes vozes expressaram profunda indignação com o descaso com que os governos vêm lidando com o caso do petróleo há quase quatro meses. As pedras da praia de Itapuama ainda estão sujas e facilmente é possível encontrar fragmentos de petróleo na areia.
Uma das áreas abertas para dar passagem aos tratores na semana do dia 20 de outubro em Itapuama ainda apresenta resquícios de lonas plásticas pretas usadas no processo de limpeza, quando uma vala foi aberta no local, fortemente atingido por uma lama de petróleo cru. Centenas de voluntários, sem coordenação e financiamento do governo, foram os grandes responsáveis pela limpeza no dia mais crítico.
No Brasil, o relator da ONU ouviu representantes da sociedade civil, grupos ativistas e também encontrou-se com representantes de governos, ministérios públicos, órgãos reguladores, conselhos, Polícia Federal e pesquisadores, além de ter participado de uma audiência pública convocada pelo Comitê de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.
O relatório final de Tuncak será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU somente em setembro de 2020. Nesse relatório preliminar, apresentado na sexta-feira (13) em Brasília, ele não se ateve muito à questão do petróleo, mas o assunto apareceu em alguns trechos com pontos essenciais no debate.
Como explicou durante a visita, os governos não têm obrigação de seguir as recomendações da organização, mas o material serve como instrumento de constrangimento mundial e de pressão popular e política.
A tragédia do petróleo não vitimou somente quem teve contato direto nos municípios atingidos. O crime afetou a vida de boa parte da cadeia do turismo e, com ainda mais força, as comunidades tradicionais pesqueiras.
Assim como aconteceu em Mariana (MG), onde tanto a retórica do governo estadual quanto da Vale tentaram minimizar os danos à saúde, o governo federal segue defendendo que os pescados estão próprios para consumo, não apresentando materiais tóxicos. Sendo que análises do Ministério da Agricultura e da Pesca foram realizadas em produtos congelados recolhidos de peixarias registradas. Ou seja, não são suficientes para revelar se há ou não riscos.
Há moradores que seguem se queixando de coceiras, dores de cabeça, inflamações nos olhos e mal-estar. “A minha irmã passou mal e, desde então, não tem mais saúde. Os médicos vêm tratando a questão como se fosse uma virose. Ela sente dores no corpo, náusea, cansaço e falta de ar”, contou Valéria Maria de Alcântara, do Engenho Tiriri, em Suape. “Se for para morrer, então Tiriri será dizimada porque não estamos vendendo nosso pescado, mas estamos comendo”, desabafa.
O reverendo Ivaldo Sales da Silva, da Igreja Anglicana de Gaibu, tem se mostrado bastante preocupado com a saúde mental de pescadores e pescadoras. “O tempo vai passando e o que vai sendo mais afetado são as emoções, as questões psicoafetivas, por causa do estado de desespero porque as pessoas não estão pescando, não estão produzindo, e os recursos estão ficando cada vez mais escassos. Isso está afetando a população diretamente, e os recursos não chegam a contento. As cestas básicas são um paliativo mínimo para quem vive da cultura milenar da pesca”, coloca Ivaldo.
A Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES-PE) diz que vem trabalhando para orientar o atendimento e monitoramento dos casos sintomáticos e também assintomáticos – estes inclusive através de registros na base de informações do SUS – e também melhorar o trabalho de busca ativa.
A sociedade civil no Cabo de Santo Agostinho, junto com alguns parceiros, se juntou para criar o Comitê Popular de Monitoramento Ambiental (Copama), focado no petróleo, e está promovendo rodas de escuta e diálogo com a população. O objetivo é também levar a questão ao Ministério Público. No dia 20 de outubro, haverá um evento para falar do assunto, na Igreja Evangélica Livre de Itapuama.
No entanto, muita gente diz não ter tido qualquer assistência nos municípios. Além disso, ainda é preciso integrar bases para conhecer melhor a realidade do problema, já que cada localidade vem fazendo seus registros de forma diferente.
“É preciso haver notificação obrigatória de todos os expostos, com ou sem sintomas, até porque os efeitos da exposição provavelmente levarão alguns anos para se manifestarem”, explica Lia Giraldo, doutora em Ciências Médicas e pesquisadora titular aposentada da Fiocruz. Pioneira nos estudos sobre contaminação por benzeno (substância encontrada no petróleo). Lia também é professora e integra o Grupo Temático Saúde e Ambiente da Associação Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrasco).
“Durante anos, os pescadores artesanais no Brasil enfrentam muitos desafios, incluindo discriminação com o alegado propósito de expulsá-los de áreas costeiras potencialmente valiosas para o turismo e outras indústrias”, disse Tuncak no texto. “Muitos na comunidade alegam terem tido acesso negado a apoio econômico do governo, ter passado mal e estar sofrendo devido à exposição ao óleo tóxico que voluntariamente limparam sem proteção ou treinamento”, completou.
Tuncak também se colocou atento e preocupado com as questões de gênero, a partir do não reconhecimento oficial de parte das mulheres pescadoras e da vulnerabilidade de mães solteiras cujo sustento está ameaçado pelo desastre.
Assim como colocou para a população profundamente afetada pela lama tóxica das barragens, Tuncak citou, no relatório preliminar, a falta de transparência. “A informação sobre substâncias perigosas é um direito humano. O direito à informação é um facilitador essencial para a realização de muitos outros direitos humanos”.
“O direito internacional reconhece repetidamente que as informações de saúde e segurança nunca devem ser confidenciais”, reforça. Ele levou em consideração os relatos de preocupações que ouviu nos territórios e na academia de que as informações sobre o caso “não estão sendo fornecidas ou não são confiáveis quanto à segurança do peixe e do marisco consumidos pelos pescadores locais devido a preocupações com as economias locais da costa nordestina, em particular o setor imobiliário e turístico”.
Destacando ao longo do texto que são os mais vulneráveis os maiores injustiçados dos impactos de substâncias e resíduos perigosos, Tuncak comentou ainda que pesquisadores e comunidades não conseguem localizar estudos sobre segurança alimentar e alegam que essa capacidade não existe no Brasil para examinar adequadamente se o peixe e o marisco estão aptos para o consumo.
Mostrando-se insatisfeito com alguns pontos da Reforma Trabalhista, como a condição de trabalho de mulheres grávidas e lactantes, Tuncak lembro que o Brasil não ratificou nenhuma das principais convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para saúde ocupacional.
Classificando o modelo de desenvolvimento brasileiro de míope e distorcido em favor dos ricos, o relator lembrou que o país fica atrás dos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da maioria das economias emergentes quando se trata de promulgar proteções abrangentes e necessárias de produtos químicos industriais. Isso apesar de abrigar uma das maiores indústrias químicas do mundo, a Petrobras.
“À luz de uma série de crimes ambientais terríveis, desde o rompimento de barragens de rejeitos à uma epidemia de envenenamentos por pesticidas, seria razoável esperar que o país adotasse os mais rigorosos controles ambientais e ocupacionais para o controle de substâncias e resíduos perigosos. Ao contrário, vemos ocorrer o oposto, o país regride, possibilitado pela sensação perversa de impunidade entre os criminosos que envenenam as pessoas, tomam suas terras e destroem o meio ambiente”, traz o relatório preliminar.
A Caixa Econômica Federal começa a pagar hoje (16) a primeira parcela do auxílio emergencial pecuniário para os pescadores e pescadoras profissionais artesanais de municípios da costa brasileira afetados pelo derramamento de petróleo. O auxílio emergencial é um benefício financeiro possibilitado pela Medida Provisória (MP) nº 908/2019, editada pelo governo federal no dia 29 de novembro. O valor é R$ 1.996, pago em duas parcelas de R$ 998 cada.
Apesar do benefício, apenas uma parte da categoria poderá receber. Isso porque só tem direito quem possui o Registro Geral da Pesca (RGP), que não é atualizado desde 2012, e vive em municípios diretamente atingidos pelo petróleo. Acontece que o mercado da pesca artesanal como um todo está sem conseguir vender, independente do local.
Em Pernambuco, dos cerca de 30 mil pescadores e pescadoras, segundo cálculos do Conselho Pastoral da Pesca, somente pouco mais de quatro mil poderá sacar o benefício.
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Assista ao vídeo completo da última audiência pública na Alepe, no dia 3 de outubro, com o tema “O impacto do derramamento de petróleo no meio ambiente, saúde e na economia dos pescadores e pescadoras artesanais de Pernambuco”:
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com