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Credito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
Luciana Santos, 52 anos, começou a militância no movimento estudantil. Já foi prefeita de Olinda, deputada estadual duas vezes e atualmente, é deputada federal. É a primeira mulher a presidir um partido comunista no Brasil, o PCdoB, com quase 100 anos de fundação. Caso Paulo Câmara (PSB) seja reeleito, será a primeira vice-governadora de Pernambuco.
Luciana vê como estratégica a formação de chapa com um partido que apoiou o impeachment da presidenta Dilma, em prol da necessidade de formação de uma “frente amplíssima”. Ainda não traçou os projetoscomo vice, mas, pela sua história política, diz não ter qualquer receio de ser renegada a um papel decorativo.
No PCdoB, ao longo dos anos, temos conseguido formular teoricamente bem sobre a luta da emancipação feminina e o papel público das mulheres e incorporado o debate ao conjunto da militância. Isso se revela objetivamente na força que as mulheres têm no PCdoB. Proporcionalmente, somos o partido com a maior bancada feminina no Congresso, cinco mulheres de 11 no total. Mulheres de tradição de luta e de gerações diferentes: Jô Moraes, Jandira Feghali, Manuela D’ávila.
Além de termos atuação no parlamento, a presença feminina no PCdoB é inconteste. Isso revela que o critério da verdade é a prática. As instituições são feitas de gente, claro que não posso dizer que não tem machismo, até nas mulheres têm. Mas nosso partido se revela ser de um grau acima da média da percepção do papel protagonista e decisivo das mulheres na política.
Não tenho nenhum tipo de receio de ter um papel decorativo, não tem como ter. A própria construção política que me levou à posição de vice é fruto de um histórico de acúmulo. Já fui prefeita de Olinda, deputada estadual, sou deputada federal e presidente nacional do PCdoB. A construção política dessa chapa vem da necessidade dessa composição em Pernambuco. É uma situação atual de mais afirmação de um campo, de um projeto político. Todo esse processo teve uma contribuição muito grande minha, para que a gente pudesse fazer a reconstrução da Frente Popular de Pernambuco.
Sobre as ideias e a perspectiva do meu papel no governo, ainda estou reflexiva, até porque isso é uma construção com o próprio governador e o governo de uma maneira geral. Mas eu posso ensaiar algumas ideias. Fui secretária de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do governador Eduardo, sou da Comissão de Ciência e Tecnologia desde os tempos de deputada estadual. Por ter sido prefeita de Olinda, acumulei experiência na área de política cultural.
Ainda não construí com o governador, mas penso mais ou menos por aí, dar uma contribuição mais na questão do futuro. Se a gente ganha as eleições, teremos vice-governadora, vice-presidente da República e presidente nacional do partido. Teremos interlocução e força política junto ao governo federal para algumas intervenções estruturantes que estão paralisadas por conta de uma postura de perseguição política.
Sem dúvida essa é uma das minhas prioridades, por questões óbvias. O grande desafio de uma política assertiva de gênero é conseguir que ela, de fato, seja uma política transversal. A saúde, o conteúdo das escolas e mesmo as intervenções urbanísticas têm que dialogar com isso. Vou ajudar na composição para que tenhamos uma presença mais feminina no âmbito das decisões estratégicas do governo.
Como deputada federal eu acompanhava as intervenções estruturantes de Pernambuco. Sou autora de várias emendas em parceria com a Secretaria de Mulheres, desde emendas para presídio feminino, para garantir a ressocialização, até financiamento para o Porto Digital, em que tenho emenda para creche e empreendedorismo feminino, apropriadas para a autonomia financeira, um dos vetores mais importantes na emancipação feminina.
Uma característica da conjuntura é a velocidade dos fatos, que acelera o movimento das forças e dos projetos em disputa. Pelos fatos da semana passada, observamos uma expectativa de acúmulo político da nossa candidatura, ou do nosso campo, porque houve muita atrapalhada da candidatura de Bolsonaro e Mourão. O #elenão foi uma grande manifestação de massa com há anos eu não via. Achei que isso ia nos ajudar a acumular mais pontos na pesquisa e desidratar Bolsonaro. Mas a surpresa é que isso não aconteceu.
Pelo que a gente vem acompanhando da subjetividade da população brasileira, o projeto político da esquerda ganhou no campo das ideias e no econômico. A maioria da população é contra privatização, reforma trabalhista… A memória de bonança do tempo de Lula é muito forte por conta de pleno emprego, consumo. É o trunfo que temos. Mas, quando se trata da questão comportamental, perdemos feio.
As pesquisas revelam que há um pensamento mais conservador. Então tem que persistir, porque isso diz respeito a liberdades individuais, direitos humanos, democracia. Mas não é suficiente, precisamos ser mais ousados na afirmação da perspectiva objetiva da população: emprego, educação, projeto da nação.
Acompanhei muito de perto isso. Lembro bem que Paulo chegou a assinar a carta dos governadores contra o impeachment. De primeira mão, contestou o impeachment de Dilma. Mas esse processo não dependia só dele, existia uma tendência maior, até do PSB nacional. Então, num determinado momento, seu partido passou a defender eleições livres, coisa que nós também defendíamos.
Embora o PSB tenha se posicionado majoritariamente, embora não tenha sido blocado, a resultante é que o impeachment foi ruim para o País. Isso é um reposicionamento, e o PSB de Pernambuco não votou em nenhuma agenda do governo Temer. Ao contrário, o governo Temer foi antagônico ao governo Paulo.
Eu sempre tive clareza de situações que são circunstanciais. Circunstancialmente, nós estivemos em campos diferentes, embora tenha sido um momento importante de virada do País. Mas você sempre tem que contar com aquilo que nos une estrategicamente. A história do PSB é de um partido do nosso campo, desde os tempos de Arraes. Então temos aliança estratégica. O mais importante é que, no espectro do campo da esquerda, o que nós temos de mais identidade programática é exatamente esse núcleo: PT, PCdoB, PDT, PSB, historicamente são os partidos do nosso campo.
Não podemos nos dar ao luxo de nos afastar dos partidos que historicamente caminharam com a gente. O PSB ou ia para Ciro ou ia para Lula, esse foi o passo mais recente, significando que está dentro do nosso campo. E isso para mim é o que é importante. O Brasil é um país muito plural, temos que constituir frentes amplíssimas.
Acho que deveríamos agir de maneira mais blocada, até se dirigir ao centro da política. Se olharmos a base social do Brasil, há um percentual de pessoas convictas no projeto de esquerda e um percentual de convictos pela direita. A grande maioria do povo brasileiro não é nem esquerda nem direita e quer saber se essas forças têm projeto de emprego, qualidade de vida, serviço público. Historicamente temos essa disputa na prática, da base social. A esquerda sempre disputou o centro da política. Não falo no âmbito partidário, falo do âmbito do pensamento real de sociedade. Infelizmente a elite econômica do Brasil nunca teve um projeto de nação, sempre teve projeto próprio e sempre foi entreguista.
Tivemos um grande ato político com o MST na Normandia, que tem apoio do governo; a Fetape tem uma forte relação; a Fetraf, da agricultura familiar; as organizações de juventude também têm diálogo; o movimento de mulheres. Isso existe, embora seja necessário aprofundar e acentuar. Até porque os mecanismos de participação popular, o que também está no plano de governo, hoje se dão muito pelas audiências públicas que o governador faz pessoalmente, desde os tempos de Eduardo.
Mas esse é um desafio de todo governo. É um foco fundamental porque diz respeito à participação popular. E, como consequência, à elevação do nível de consciência das pessoas. É preciso buscar vários mecanismos, desde tecnologia até um mapa de diagnóstico do que existe de sociedade civil organizada e garantir processos. E que a gente tenha ferramentas de monitoramento por parte dos próprios movimentos. É um assunto instigante e necessário, para o governo ser mais popular e mais efetivo.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com