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Pernambuco tem apenas cinco candidatos indígenas

Mariama Correia / 05/10/2018

Fulni-ô, Pankararu, Xucuru, Truká, Kapinawá, Pankararu, Atikun são algumas etnias indígenas presentes em Pernambuco. Embora possua a quarta maior população de índios do Brasil – 53.284 pessoas de acordo com Censo do IBGE (2010) –  o estado tem apenas cinco candidatos que se declaram indígenas entre os 1.094 postulantes na disputa eleitoral deste ano. No Brasil, são 133 de 29 mil no total.

O número é baixo, mas o feito é histórico, de acordo com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-PE). Este é o primeiro ano que Pernambuco tem índios candidatos aos cargos de deputado estadual e federal. Nas eleições anteriores, a participação indígena ficou restrita aos cargos de vereador. Em 2014, as três candidatas que se autodeclaravam indígenas disputavam apenas mandatos de deputada estadual. A lista das candidaturas indígenas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2018, inclui dois homens e duas mulheres: Lourdes Florentino (PSTU), que disputa vaga no Senado como segunda suplente; Juliana dos Santos (Rede), apresentada como Juliana Pankararu, na disputa pelo mandato de deputada estadual;  Marcelo Santana (PRB), postulante à vaga de deputado estadual e Pedro Marques (Patriotas), que concorre a deputado federal. A reportagem só conseguiu localizar as candidatas mulheres.

O recorte racial do TSE, contudo, deixou escapar algumas nuances. É o caso da candidatura de Lafaete Pankararu a deputado federal pela Rede. Embora se identifique como indígena e tenha um histórico de militância pelas causas do povo Pankararu, Lafaete foi registrado como negro pelo partido ao qual está ligado. “Foi um erro gravíssimo, um preconceito”, reclama. Morador do município de Jatobá, Sertão pernambucano, ele também se sente prejudicado pela falta de recursos para desenvolver sua campanha. “Estamos na última semana e até agora não recebi nada do fundo partidário (ele teria direito a um montante próximo a R$ 1 mil). Estou visitando outros grupos indígenas no estado e produzindo material de campanha com ajuda de amigos”, revela.

A candidatura de Juliana Pankararu (REDE), moradora do mesmo município de Lafaete, também teria sido prejudicada pelas mesmas questões. Diferentemente dele, que já foi candidato a vereador, Juliana é estreante na política. Entrar em contato com a candidata foi particularmente difícil, mesmo recorrendo ao próprio partido. Só conseguimos o telefone de Juliana Pankararu depois de localizar Lafaete. Pelo Whatsapp – única plataforma na qual foi possível estabelecer contato com ela – a candidata disse que não conseguiu trabalhar na sua campanha por falta de recursos. “Proposta eu tinha muitas”, argumentou sem detalhar quais seriam suas proposições, “mas infelizmente minha candidatura foi prejudicada, pois o partido só veio se posicionar em relação à liberação de recursos, agora, faltando só uma semana para a reta final. Meu registro está feito, mas não vou ter como disputar uma vaga”, contou.

Juliana, que tem segundo grau completo e atualmente trabalha como agricultora, disse ainda que decidiu se candidatar por morar em uma região muito carente. “Falta tudo, principalmente a saúde e a educação, que é um dos fatores essenciais na vida do ser humano”, argumentou.

PankararuCausas indígenas

O território dos Pankararus, onde vivem Juliana e Lafaete, está em processo de desintrusão, ou seja, de retirada dos não indígenas da região demarcada (leia mais aqui). O processo ainda não foi concluído. “A gente teve ganho de causa em todas as esferas judiciais, mas o estado brasileiro não tem cumprido as ordens. Ainda vivemos em uma situação de conflito”, explica Lafaete Pankararu, destacando que as questões fundiárias são pautas prioritárias não somente dele e dos Pankararus, mas de vários grupos indígenas do estado. “A gente precisa estar na política para garantir que nossos direitos sejam respeitados. Existem centenas de índios passando sede em Pernambuco porque projetos como a Transposição do São Francisco retiraram as reservas de água dos territórios demarcados”, explica.

Lourdes Florentino, candidata ao Senado como segunda suplente, milita no PSTU desde 1999. Três anos atrás ela se reconheceu como indígena e ficou mais sensível às causas das tribos. “Descobri que meu eu avô era Xucuru de Alagoas. Sou alagoana da cidade de Quebrangulo. Moro no Recife desde os três anos”, conta. Mas Lourdes não tem tanta aproximação com questões como a disputa de terras. Professora e integrante do sindicato da classe, o foco maior do seu trabalho tem sido a educação pública. “Visitei as terras Xucurus em Pesqueira após a morte do cacique Xicão, mas faz tempo que não vou lá”, comenta. Para ela, entretanto, a educação indígena está entre as pautas prioritárias que pretende encampar caso sua chapa seja eleita. “As línguas indígenas estão se perdendo aos poucos”, lamenta.

À margem da disputa

No ano em que, pela primeira vez, uma indígena compõe uma chapa na disputa pela presidência do país (Sônia Guajajara – PSol) é de se estranhar a pouca proeminência das candidaturas de indígenas em Pernambuco. Desconhecidos do público em geral, os candidatos passaram à margem do centro das disputas e é pouco provável que eles consigam conquistar alguma vaga no poder este ano. Essa baixa representatividade se traduz na retirada de direitos de povos tradicionais. Publicação recente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostrou mais de 100 projetos de leis e apensados que tramitam no Congresso Nacional e trazem prejuízos aos indígenas. No ano passado foram 848 tramitações de projetos de leis anti-indígenas (leia o material aqui).

Tanto aqui como em nível nacional, o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, diz que a falta de um controle melhor dos registros de candidatura, como no caso de Lafaete Pankararu, prejudica o monitoramento adequado da participação dos indígenas na política, o que também reforça a pouca visibilidade dada às candidaturas. Mesmo assim, ele acredita que o cenário é positivo porque, de 2014 para cá, a quantidade de candidatos indígenas cresceu de 85 para 133 no país. “Houve um aumento do interesse dos povos por participar das disputas de espaços na política institucional. Isso decorre de um processo de conscientização dos povos e é uma resposta aos ataques aos seus direitos no Congresso. Há uma mobilização forte para impedir que a bancada ruralista aprove leis contrárias aos interesses indígenas”, argumenta.

 

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).