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Natal sem emprego e sem plano de saúde em Suape

Mariama Correia / 20/12/2018

Michael Douglas Nicácio, 29 anos, e Eliene Leonor Nicácio, 30 anos, estão casados desde 2012. Há quatro anos eles tentavam ter um filho. A gestação de Mikael, que está no oitavo mês e meio, só foi possível depois que Eliene se submeteu a um longo tratamento. Ela tem um tumor benigno na hipófise (glândula cerebral), que causa distúrbios hormonais e, por isso, sua gravidez é considerada de alto risco.

Já prestes a dar à luz, Eliene descobriu que seu plano de saúde do Hapvida foi suspenso junto com o do marido quando ele foi dispensado, na semana passada, da Qualiman Engenharia, empresa que atuava nas obras da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Suape. Na última segunda-feira (9), a empreiteira comunicou por e-mail a demissão de mais de mil operários da Rnest ao Sindicato da Construção Pesada de Pernambuco (Sintepav-PE). A informação chegou para os operários pelo Whatsapp.

Demitidos sem qualquer aviso prévio, às vésperas do Natal, todos os trabalhadores da Qualiman perderam o benefício do plano de saúde imediatamente, assim como Michael e Eliene. Muitos estavam com cirurgias marcadas, em alguns casos para o tratamento de doenças adquiridas por acidentes de trabalho. Eles não receberam sequer o 13º salário e o pagamento das rescisões contratuais.

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Sem o devido acompanhamento médico, os hormônios da gestação podem desencadear o crescimento do tumor na hipófise de Eliene. Entre as consequências mais graves há o risco de perda da visão. O momento do parto é a hora mais delicada para a saúde dela porque, a partir da retirada da placenta há uma liberação massiva de hormônios no corpo da mulher, que estimulam funções como a produção de leite.

Nesta quinta-feira (20), Eliene faria a primeira consulta da chamada reta final do pré-natal. Nessa fase os encontros com a obstetra passariam a ser semanais, em razão da iminência do parto. Mas a consulta foi desmarcada pela Hapvida, que alegou a suspensão do plano por inadimplência da Qualiman. “Já tínhamos escolhido o hospital Vasco Lucena (na Boa Vista) para o parto, que seria conduzido pela médica que me acompanhou toda a gestação. A cesariana foi recomendada pelo alto risco da gestação. Agora não sei mais onde nosso filho vai nascer, nem em que condições”, queixou-se a gestante.

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Documento mostra negativa do plano de saúde

Pagar R$ 6 mil pelo parto no hospital particular não é uma alternativa viável para o casal, que não tem reservas financeiras. Os dois moram  de favor na casa da mãe de Eliene, no bairro de Afogados. Sem o salário de Michael ou qualquer tipo de indenização, sobra apenas o salário de auxiliar administrativa de Eliene, que ainda está trabalhando. “É pouco para todas as nossas despesas. Todo dinheiro que recebi na Qualiman foi investido para comprar o enxoval do bebê. Tinha planos de construir um primeiro andar para morarmos com nosso filho”, contou Michael Douglas.

Restou a opção do SUS, mas o primeiro contato com a rede pública deixou o casal inseguro. “Saímos do hospital preocupados. Passamos cinco horas na espera para sermos atendidos por uma médica que mal prestou atenção na minha mulher. Ela tratou o caso como algo comum”, comentou Michael. “Meu medo é que ela seja forçada a ter um parto natural no SUS e tenha complicações. Tenho medo de perder minha esposa e meu filho”, disse.

A situação também está afetando a saúde do próprio Michael que, de tanto nervosismo, teve uma queda de pressão no começo da semana. Operador de guindastes, Michael, conhecido pelos colegas como Hulk, estava na Qualiman há um ano e sete meses. Antes ele trabalhou no consórcio Alusa, atualmente chamado de Alumini.

A Alusa, uma das empresas investigadas pela Operação Lava Jato, era responsável pela construção da Unidade de Abatimento de Emissões (Snox) da Rnest, mas rompeu o contrato com a Petrobras em 2014, alegando divergências contratuais. A saída da empresa do canteiro da Rnest deixou um rastro de mais de quatro mil demissões em Suape e um passivo trabalhista que até agora não foi totalmente sanado.

Depois de ser dispensado pela Alusa, Michael ficou dois anos desempregado. Fez bicos como garçom até que o contrato da Petrobras com a Qualiman foi anunciado no ano passado, justamente para a conclusão da obra abandonada pela Alusa. Mas, no último dia 9, a Qualiman comunicou a rescisão do acordo por causas semelhantes às da empreiteira anteriormente responsável pela obra. A empresa diz que as divergências contratuais com a petrolífera causaram um prejuízo de R$ 104 milhões este ano.

Somadas as rescisões dos 1.026 demitidos na semana passada com os trabalhadores da empresa desligados entre setembro e novembro, que também não receberam os direitos trabalhistas, a Qualiman tem um passivo trabalhista de aproximadamente R$ 16 milhões em Suape. A empresa tentou parcelar o pagamento em 24 meses, mas a opção foi negada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-PE), em audiência no começo desta semana. Contudo, ainda não há previsão para a liberação do pagamento aos trabalhadores, embora a Justiça do Trabalho de Ipojuca tenha determinado, na última segunda-feira (17), o depósito de R$ 4,3 milhões por parte da Petrobras, para pagamento de parte dos débitos trabalhistas.

Trabalhadores dormiram na frente do sindicato para aguardar homologações

Trabalhadores dormiram na frente do sindicato para aguardar homologações (Foto: Sintepav-PE)

Na última terça-feira (18), o Sintepav-PE fez um mutirão para homologar as rescisões dos trabalhadores da Qualiman. A intenção é agilizar a liberação do FGTS e do seguro desemprego para amenizar o martírio dos profissionais. “O desespero das pessoas é tão grande que muitos dormiram na frente do sindicato, aguardando as homologações no dia seguinte. Tem pais de família passando necessidade, não há respeito ao trabalhador”, comentou o diretor sindical Leodelson Bastos. “Todo mundo lembra do que aconteceu com os trabalhadores da Alusa, que foram demitidos sem nada. Muita gente ficou passando fome em Suape e a história está se repetindo”, acrescentou.

Por ser membro da CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, fato que garante estabilidade ao profissional -, Michael Douglas foi orientado a não fazer a homologação com o sindicato. O presidente do Sintepav-PE, Aldo Amaral, disse que vai se reunir com a Qualiman para discutir a questão da manutenção do plano de saúde coletivo da Hapvida para os funcionários que optarem pela continuidade do benefício. “O problema é que a gente não sabe quando vão liberar isso. Nosso caso é urgente. Como nós, outras pessoas também foram prejudicadas pela suspensão do plano”, desabafou Michael.

Demissão X Plano de Saúde

Quando a Alusa demitiu mais de quatro mil pessoas da Refinaria Abreu e Lima, em 2014, os planos de saúde de todos os funcionários foram cancelados imediatamente. Gestantes, membros da CIPA e pessoas que tinham estabilidade por doenças de trabalho também foram cortados do benefício. Eduardo Falcão foi o advogado trabalhista que acompanhou a maioria dos processos de ex-funcionários da Alusa contra o plano Bradesco Saúde. “Na época, todos os que entraram na Justiça conseguiram liminar de retomada do benefício”, comentou.

Ele explica que os contratos de assistência médica variam, mas há o entendimento geral de que a continuidade do benefício deve ser ofertada ao usuário em caso de desligamento da empresa contratante. “Cabe ao profissional optar por continuar no benefício e arcar com as despesas”, explicou.

Para planos de saúde coletivos feitos por empresas, como é o caso dos funcionários da Qualiman, há regras específicas. Em cartilha sobre o tema, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deixa claro que “o beneficiário de plano de saúde coletivo empresarial demitido ou exonerado sem justa causa ou que decidiu se aposentar tem direito a manter o plano de saúde oferecido pela empresa se contribuiu mensalmente para o pagamento do plano de saúde contratado a partir de 1999”.

O beneficiário tem 30 dias para informar se deseja ou não ficar com o plano. Em casos de inadimplência – como argumentou o Hapvida ao casal Michael e Eliene – o prazo para a suspensão do benefício é de 60 dias. Ou seja, nenhum desses prazos foi observado no caso dos trabalhadores da Qualiman na Refinaria Abreu e Lima.

A Qualiman não se pronunciou sobre a suspensão dos planos, nem sobre o pagamento das rescisões dos seus funcionários. A Petrobras e o plano Hapvida também não se posicionaram atéa publicação desta matéria. O Ministério Público do Trabalho (MPT-PE) informou que a suspensão do plano de saúde será tratada na próxima audiência sobre o caso dos trabalhadores da Qualiman, marcada para 9 de janeiro. O órgão ingressou na ação movida pelo Sintepav-PE contra a Qualiman na Justiça do Trabalho de Ipojuca, para fiscalizar o andamento do processo. O pedido do MPT-PE de que a Petrobras fosse incluída na ação como ré foi negado pela 2º Vara de Trabalho de Ipojuca.

Michael e Eliene pretendem celebrar o Natal com os seus familiares. “Somos cristãos, por isso é um momento especial para nós”, explicou Eliene. “É um pouco frustrante não poder dar um presente a quem você ama, mas estamos conformados com uma comemoração mais modesta. Temos sorte. Muita gente está em situação pior do que a nossa”, considerou Michael. O Réveillon será na igreja. Isso se Mikael não resolver levar os pais para a maternidade antes da chegada do ano novo.

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).