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Ao ignorar que a água é um bem social e optar por uma gestão mercantilista, abrindo seu capital para acionistas na Bolsa de Valores, a Sabesp foi engolida pela crise hídrica que atinge várias regiões de São Paulo. As chuvas amenizaram a situação, mas as obras anunciadas pela empresa para solucionar o problema só irão agravá-los. Quem afirma é o géologo Delmar Mattes, um dos mais respeitados especialistas em recursos hídricos do País.
Na iminência de uma calamidade no abastecimento para toda a região a partir do próximo inverno, o Governo do Estado e a Sabesp anunciaram novas medidas e obras emergenciais. Essas ações, ao contrário do que se espera, poderão provocar graves impactos e novos problemas no sistema de abastecimento de água.
“Essas obras, feitas a toque de caixa, provocarão a perda de qualidade da água. Com isso, corremos o risco de voltar novamente a ter epidemias, como tifo, diarreia e outras doenças que já tinham sido afastadas de nosso convívio”, afirma Mattes, que foi secretario de Vias e Obras da Prefeitura de São Paulo na administração de Luiza Erundina (1989-1992).
Insistir na política de gestão mercantilista, com as obras que estão dentro dessa proposta, não só não resolverá o problema, como aumentará o risco de, a partir de julho, faltar água em São Paulo.
De acordo com o geólogo, essa política mercantilista da Sabesp pode ser identificada novamente no pacote de obras anunciado pelo governo paulista no final do ano passado. É que tal pacote prevê elevados investimentos em novas captações (rio Juquiá, pertencente a Bacia do Ribeira, e Iguape, já iniciada); novos reservatórios, interligações de reservatórios; duas estações de tratamento de esgotos para uso potável (Estação Produtora de Água de Reuso – EPAR na região Sul de São Paulo); perfuração de poços no Aquífero Guarani, para atender a região de Campinas. No total foram estimados investimentos de R$ 9 bilhões, sendo R$ 6 bilhões de parcerias público privadas (PPP) e outra parte do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS).
“Essas obras são coerentes com a busca de lucratividade da SABESP uma vez que a sua receita vem do volume de água fornecida (mesmo os serviços de esgotamento sanitário são cobrados em função da quantidade de água consumida)”.
O geólogo questiona a lógica do mercado imposta a um bem social: “Para alcançar lucros maiores para seus acionistas na Bolsa de Valores é mais fácil executá-las e, ao mesmo tempo, atender aos interesses envolvidos na sua execução, em vez de preservar e recuperar mananciais, o que exige serviços e atividades muito mais complexas, como a fiscalização de ocupações irregulares, remoção de famílias, questões de fundiárias, expansão da vegetação natural, coleta e tratamento de esgotos”.
No entanto, segundo o geólogo, nunca é feito uma avaliação de todos os benefícios sociais e ambientais que esses projetos de recuperação de mananciais propiciam para sociedade. “Eles não se limitam a assegurar a quantidade e qualidade de água (que por si só já justificaria a sua importância), mas muitos outros, proporcionados pelos seus serviços ambientais”.
Desse ponto de vista, a crise é explicada, evidentemente, pelas políticas implantadas pelos dirigentes do Governo do Estado e pela Sabesp nas duas últimas décadas.
De acordo com Mattes, desse conjunto, a primeira (mercantilização e privatização progressiva da gestão do saneamento básico) é a mais importante e influi de forma determinante sobre os outros aspectos da lista.
A opção do governo paulista de enfrentar a crise com a busca de água de melhor qualidade em mananciais cada vez mais afastados, não enfrentando a crescente degradação dos reservatórios e das suas bacias hidrográficas já utilizadas, pode aprofundar o problema a médio prazo. É o que explica Delmar Mattes, que afirma não poder ignorar a quantidade de esgotos que serão produzidos em decorrência de maiores quantidades de água que serão trazidas para posterior tratamento.
“Ao manter essa política desastrosa, continuamos com os mananciais Billings, Guarapiranga, Cantareira e Alto Tietê submetidos a uma contínua degradação, inclusive por causa de obras de infraestrutura como o Rodoanel. É preciso destacar também que essas novas obras provocam impactos sociais e ambientais nas comunidades onde estão localizadas e criam conflitos entre os municípios pelo uso de sua água, além de aumento de custos da sua construção, dos serviços de suas operações (maiores quando executados mediante PPP´s), assim como da quantidade de esgotos que serão produzidos para a serem posteriormente submetidos a tratamento”.
Ele afirma ainda que o maior problema dessas obras está nas consequências que elas trarão para a qualidade da água do sistema de abastecimento. Elas deverão homogeneizar a qualidade das águas dos principais reservatórios para uma pior qualidade. Da Billings (intensamente poluída) serão transferidas águas para o Guarapiranga e para o Taiçupeba do sistema Alto Tietê, cuja qualidade é relativamente melhor, assim como do Paraíba do Sul para o Cantareira, também da pior para a melhor qualidade.
Mesmo com o quadro caótico, o geólogo afirma que a Sabesp ainda mantém contratos de tarifas vantajosas para grandes empresas e consumidores, os chamados clientes fidelizados, num total de mais de 500, como shoppings, condomínios, empresas comerciais e indústrias que continuam consumindo grande volume de água, enquanto a população periférica se empenha na redução de seu consumo. “É uma política de saneamento básico cujos ônus incidem cada vez mais sobre as populações de baixa renda”, resume.
Jornalista especializado em economia solidária, agricultura familiar, política e políticas públicas. Trabalhou na "Folha de Londrina" e "O Globo", onde esteve por mais de 20 anos exercendo diversas funções, entre elas a de chefe de redação da sucursal de São Paulo. Em 2003, fundou a Agência Meios e a Agência de Notícias Brasil-Árabe (ANBA), com Paula Quental. Foi coordenador do projeto por dez anos. Sob sua gestão, a agência conquistou 11 prêmios de jornalismo web e alcançou 1,2 milhão de acessos mensais.