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Crédito: MCS/MZ
Muito menor em número. Muito mais radicalizados. O segundo protesto de apoio ao governo Bolsonaro levou uma turma raivosa para a Avenida Boa Viagem na tarde deste domingo. Oficialmente, foi uma manifestação chamada pelo movimento Vem pra rua para defender a Lava Jato, a reforma da previdência e o pacote anticrime do ministro da Justiça Sérgio Moro. Mas, na prática, a caminhada à beira-mar foi para aqueles mais convertidos no Bolsonarismo defenderem Moro, pedirem o fim do Congresso e a prisão de ministros do Superior Tribunal Federal. Houve também bastante espaço para exaltar Trump (com direito a máscaras, fardas de “US Army” e bandeiras norte-americanas), defender a prisão perpétua para Lula e pedir intervenção militar no Brasil.
Mesmo com Bolsonaro no poder, mesmo com Lula ainda preso, a raiva é o sentimento mais presente entre todos os entrevistados na tarde deste domingo pela Marco Zero. O presidente continua sendo eximido de toda e qualquer culpa por qualquer um dos muitos problemas que o país enfrenta. Lula estava mais presente do que nunca – inimigos ajudam a unir. No ato, três carros, digamos, alegóricos, traziam pessoas ou bonecos vestidos de presidiários e com máscaras do ex-presidente petista.
“Excelente!”, exclama o aposentado Sebastião Marques, 65 anos, quando pergunto a avaliação que ele faz dos seis meses de Governo Bolsonaro. “Com seis meses ele fez coisas que o PT não fez nunca”, diz, colocando o acordo de livre comércio com a União Europeia – cujos termos ainda não foram divulgados pelo governo – como exemplo. “Penso no amanhã, na juventude. O Brasil está quebrado, vim pra passeata pensando nos meus filhos e netos. Precisamos fazer uma limpeza nos políticos deste País. Há muitos corruptos”, diz, soando bem 2018 – vale ressaltar que a Câmara dos Deputados teve uma renovação recorde nas últimas eleições com 47% de pessoas que nunca haviam sido deputadas.
Militar aposentado, Caetano de Farias empunhava um cartaz em que pedia cadeia para o Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandovski e Marco Aurélio Mello. Pergunto, então, quais crimes os ministros do STF cometeram. Ele detalha: “Gilmar Mendes está claramente no STF para soltar os amigos, os conhecidos e os clientes. Marco Aurélio Mello é alguém do mal. E o Toffoli é funcionário do PT, não deveria estar no STF, assim como Lewandovski”.
Apesar das críticas a uma suposta parcialidade do STF (mesmo tribunal que manteve Lula preso na semana passada), as conversas entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador do Ministério Público Federal Deltan Dallagnol, expostas pelo site The Intercept Brasil, são vistas como absolutamente normais. “Não há nada que incrimine Moro. E O Antagonista já mostrou que houve troca de nomes e edição nas mensagens”, diz a porta-voz do movimento Vem Pra Rua, Maria Dulce Sampaio, citando o site favorito do ministro Moro.
Para a médica Ana Clara, que não quis dizer o sobrenome, os seis meses de Bolsonaro no poder foram “maravilhosos. Deveria ter dois, três, dez deles!”. A transparência é a marca que ela mais gosta nele – apesar da constante recusa do presidente em responder à imprensa. “Ele é correto, profissional, uma pessoa que ama o Brasil”.
A desconfiança na imprensa – uma bandeira da extrema-direita em todo o mundo – também se converteu em ódio. O jornalista Glenn Greenwald, do Intercept Brasil, foi chamado de tudo, menos de bonito. “É intriga da oposição. Não vão conseguir derrubar Moro. E Lula vai ficar preso pelo resto da vida, aquele miserável. Ele enganou o país, ele é um covarde. É um ladrão”, vociferou a médica Ana Clara. Como se vê, a cartilha bolsonarista prevê que “Lula” serve para responder a qualquer tipo de pergunta.
Entre a manifestação do dia 26 de maio e a deste domingo, muita água rolou. Além dos escândalos da #VazaJato que colocaram o herói Moro na berlinda, um militar foi preso pela polícia espanhola com 39kg de cocaína no avião presidencial, a popularidade de Bolsonaro caiu, o Senado revogou o decreto das armas. No contexto estadual, o deputado Marco Aurélio (PRTB), que financiou um dos oito trios elétricos do primeiro ato, não colocou seus banners em nenhum dos quatro trios de hoje. Na segunda-feira (24), a esposa dele o denunciou por agressão. Ele nega.
O apoio a Bolsonaro e seus asseclas (acepipes? jamais) parece passar longe da razão. Para muitos, o Bolsonarismo virou uma religião, com missas em Boa Viagem aos domingos. As pesquisas, no entanto, revelam que o culto está se restringindo aos mais radicalizados: o número dos que o consideram o atual governo ruim ou péssimo subiu de 27% para 32%, segundo o Ibope.
A trilha sonora do ato deste domingo teve um componente surpreendente: Pavão Mysteriozo, do cearense Ednardo. Como o protesto reuniu muita gente que já passou dos 60, a canção foi cantada por boa parte do público, que talvez não tenha pegado a referência.
Logo após a primeira reportagem da #VazaJato, surgiu um perfil chamado “Pavão Misterioso” no Twitter, espalhando um boato de que o ex-deputado federal Jean Willys havia recebido dinheiro para abrir mão do mandato em favor de David Miranda (Psol-RJ), esposo do jornalista Glenn Greenwald, do Intercept Brasil. O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) foi um dos responsáveis por fazer o boato circular. No mesmo dia que surgiu, a conta Pavão Misterioso foi deletada.
O que não surpreendeu foram as músicas de ódio contra Lula e o PT. Em uma delas, um vocal quase de death metal grita a plenos pulmões: “O vermelho acabouuuu” e “Perdeuuuuu”. A agressividade da trilha não chocou as senhoras e senhores da manifestação, que continuaram a sorrir e posar para fotos. Outra música, bastante repetida, diz que o presidente Bolsonaro é um homem de bem, com moral e íntegro. E que “não podemos deixar o nosso sonho acabar”.
Mas o grande momento musical das manifestações verde e amarelo é o hino nacional. O homem que carregava o boneco gigante de Sérgio Moro retirou a fantasia, o intérprete de Lula atrás das grades se despiu da máscara. Foi já no finalzinho da caminhada. No trio principal, a porta-voz do Vem Pra Rua inchou em 30 mil o número dos participantes no ato. Não parecia passar muito de um décimo deste número. Por enquanto, nenhuma outra manifestação pró-Bolsonaro está agendada.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org