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Como o jornalismo independente pode enfrentar os tuítes presidenciais

Débora Britto / 19/07/2019

Arte: Débora Britto

O fenômeno de candidatos à Presidência da República que se projetam na internet, principalmente nas redes sociais, negando o que se entende como a imprensa tradicional, também chegou a El Salvador, país na América Central com sete milhões de habitantes e menor que Sergipe. Em fevereiro deste ano, o país elegeu Nayib Bukele, de 37 anos, autodefinido como um jovem empresário e político não por vocação, mas com vontade de dinamizar o governo. Adepto às redes sociais não só como entretenimento, uma das suas primeiras ações após a posse foi dar ordens de demissão via Twitter, inclusive economizando os caracteres disponíveis. “Estou enviando” e uma imagem de documento oficial da demissão.

Para quem o apoia, os tuítes foram um sucesso. Diferente de Bolsonaro, a figura de Bukele se constrói a partir da ideia do herói jovem, de família (sua esposa está grávida e sempre aparece com ele em diversos momentos), desinteressado na velha política .

Ele não é raivoso, ele é descolado. Responde a críticas nas redes sociais com desdém e piadas. Com esse jeito, ganhou a juventude e vem ditando o que seria um novo modo de fazer política em El Salvador. Ao mesmo tempo, a conta no Twitter de Bukele parece noticiário sensacionalista local: compartilha posts de prisões de criminosos e apreensões de armas no estilo já conhecido no Brasil dos programas policialescos. Um personagem múltiplo, com leituras por vezes contraditórias mas que, bem ou mal, tem ganhado popularidade.

Se por acaso, até aqui, você não viu semelhanças com o Brasil e os discursos de negação da política, continue atenta.

Na campanha presidencial, o candidato quase não viajou pelo país, mas investiu pesado em lives no Facebook, Twitter e Instagram. De boné, com roupas informais ou de terno, ele ganhou a atenção e voto de esperança de muitas pessoas que, há décadas, não viam mudanças no cenário de violência, pobreza e corrupção em El Salvador. Nas ruas, conversando com taxistas e comerciantes, no entanto, entendi que as pessoas se mostraram abertas a pelo menos tentar algo novo.

Jornalismo independente na mira

Durante abertura do Fórum Centro americano de Jornalismo (Foro Centroamericano de Periodismo – ForoCap), realizado em maio, na capital San Salvador, o alerta foi dado: Bolsonaro foi citado ao lado de Trump e Nayib Bukele, então presidente eleito de El Salvador. E não foi à toa. O evento trouxe painéis e debates que discutiram, em grande parte, os desafios de sobrevivência do jornalismo, mas, em especial, a importância do jornalismo independente no contexto de deslegitimação dos meios tradicionais, de um lado, e perseguição aos veículos independentes e investigativos, por outro.

O encontro teve um mote recorrente: governos “antidemocráticos, populistas e mentirosos” apostam na estratégia de tentar deslegitimar o jornalismo. E não apenas os meios tradicionais que ainda buscam realizar um jornalismo ético, mas principalmente os veículos independentes. Estes precisam estar cientes do quanto é necessário investir em segurança e transparência, ao mesmo tempo em que trazem à tona o debate sobre a importância do jornalismo independente e investigativo.

Colagem presidentes__

Presidentes Trump (Estados Unidos), Bolsonaro e Nayib Bukele (El Salvador) se projetaram nas redes sociais. Colagem com fotos de: Joyce N. Boghosian/Casa Branca, Fernando Frazão/Agência Brasil e Twitter oficial de Bukele

Com o olhar de quem saiu do Brasil, com Bolsonaro presidente há alguns meses, foi assustador perceber o mesmomodus operandi em que se alternam hostilidade com a imprensa e naturalização do uso das redes sociais como elemento de mediação. Lá e cá, um tuíte presidencial ocupa o centro do debate, mas não o torna democrático.

Apesar da modernidade que deseja transmitir, Bukele nega o jornalismo e reage às críticas, ora com desdém, ora com ataques. “O presidente eleito dedicou dez minutos de um live para atacar a Revista Factum. Ele tem uma narrativa elaborada contra os meios de comunicação, então algo fizemos para ganhar essa atenção”, conta César Fagoaga, chefe de redação desse veículo independente online que se propõe a fazer um jornalismo de profundidade em El Salvador, Guatemala e Honduras.

À época da nossa conversa, um mês antes da posse de Bukele, Fagoaga analisava a relação do então presidente eleito com cautela. Depois de empossado, não houve nenhuma mudança significativa. Para o jornalista, além da problemática ascensão do presidente ter sido marcada por circulação de fake news, a negativa de falar com a imprensa salvadorenha reforça a necessidade de uma resposta para a sociedade.

Desde 2014, quando a Factum nasce, a redação vem crescendo e hoje tem 12 jornalistas na equipe. O foco são investigações de fôlego que duram, em média, três ou seis meses. Mas há casos de investigações que duram mais de um ano. Um dos objetivos do veículo nesse contexto, segundo o editor, é chegar nas pessoas que leem fake news.

Ele passou pela mídia tradicional, sendo editor do jornal La Prensa Gráfica. Depois, ocupou a chefia de redação no também jornal independente online El Faro, que organiza o ForoCAP. Segundo ele, a Factum nasce com o objetivo de fazer um novo meio de comunicação independente “que contasse os grandes problemas do país”.

César Fagoaga, chefe de redação da Revista Factum. Foto: Daiene Mendes

César Fagoaga, chefe de redação da Revista Factum. Foto: Daiene Mendes

Como fazer jornalismo independente em El Salvador e em uma região como a América Central?

Não é muito diferente de outros lugares onde estamos imersos em sociedades muito corruptas. Fazer jornalismo independente em El Salvador é complicado porque é caro fazer jornalismo. Então os poucos recursos que você tem, tem que destinar para fazer isso e custa muito. Também custa muito quando as autoridades são muito zelosas com a informação, custa muito quando você tem um Estado que criminaliza diversos coletivos, como jovens e mulheres. E é difícil quando se usa o aparato estatal para pressionar ou coagir meios de comunicação.

É complicado, mas não é impossível. De fato, a nossa história mostra que com poucos recursos, mesmo que às vezes seja complicado, é possível fazer jornalismo de investigação e jornalismo que sirva às pessoas para ter melhores informações para tomarem suas decisões.

Como você vê a relação entre veículos independentes na região latino americana? Como podem se fortalecer frente aos desafios e perseguições?

O mais importante são as redes que se constroem. Quando conhecem jornalistas de outros lugares é importante para ter possíveis colaboradores em outros países, gente que nos ajudem, que vivem em uma realidade fora, a entender os fenômenos.

Eu, por exemplo, pensando em um grupo de jornalistas brasileiros que está conhecendo nossa realidade, gostaria de fazer uma rede que ajude a entender coisas que, mesmo que por muitas vezes sejam muito próximas, se não temos os contextos suficientes, acabamos “curtos” em nossa compreensão. Hoje, quando estou fora do país, o que me interessa é isso: gerar redes de informação, de conhecimento e de apoio. Essa e outras coisas, como somos meios pequenotes e nos acontece algum problema de segurança, você tem que ativar sua rede e alertar todo mundo. Acredito que a melhor defesa para meios pequenos é ter uma rede internacional que te respalde.

Como você enxerga o contexto político do Brasil e o momento que hoje El Salvador vive? Existe um padrão na relação do jornalismo independente com os governos que tem chegado ao poder? É uma tendência observada na região como um todo?

O Brasil está distante, mas de alguma forma as realidades são semelhantes. A estratégia de Jair Bolsonaro não é diferente do presidente Trump. A estratégia que está tomando o senhor Bukele não é diferente da que faz Bolsonaro, Trump ou Nicolás Maduro. Ou seja, não é uma fórmula que só eles estão investindo, mas, desgraçadamente, cada vez mais políticos na região estão utilizando.

Agora, isso nos leva a várias discussões no jornalismo. Uma delas é a qualidade do nosso trabalho. Por que chegamos a essa situação? Chegamos a essa situação em parte porque muitos meios tradicionais, ou inclusive independentes, se dedicaram a conseguir audiência, se dedicaram a conseguir clicks, a difundir aquilo que se chamou de jornalismo viral ou conteúdo viral, que era um conteúdo totalmente sem importância, conteúdo banal.

E também se esqueceram de fazer jornalismo bom. Então a reflexão que tem que fazer é que a narrativa oficial vai querer deslegitimar vocês como jornalistas, como meio, e dizer que o que você publica não presta. Nós temos que responder com cada vez mais jornalismo de qualidade. Isso nos leva à discussão do tipo de jornalismo que fazemos, da relevância dos conteúdos que fazemos. Acredito que essa discussão está acontecendo em todo o continente. Está acontecendo aqui, no Brasil, na Nicarágua. Mas precisamos estar conscientes de que nosso trabalho tem que ser cada vez melhor justamente para lutar contra essa avalanche de desinformação.

Como vocês tem enfrentado essa desinformação alimentada também por figuras públicas poderosas?

Como se combate desinformação? Um: nomeando. Identifcando-a. E dizendo: verificamos a informação. Por outro lado sendo transparentes com as pessoas, dizendo “nós verificamos, mas você pode verificar o que nós publicamos”. Eu creio que essa é a discussão mais importante para, inclusive, encontros como esse.

Além disso, a estratégia é se posicionar. Primeiro, dizer que a Factum faz jornalismo investigativo e vai falar de corrupção, de política, etc. Segundo, queremos investir em conteúdos audiovisuais. Continuamos a fazer texto, mas queremos adaptar e criar materiais audiovisuais de qualidade para chegar à juventude. Querem desacreditar o jornalismo e, por isso, temos que preservar nossa credibilidade.

* Esse texto foi produzido após participação noprojeto Intercâmbios Latinos – Jornalismo e Direitos Humanos, iniciativa construída pelo Coletivo Papo Reto, e pelo projeto Aurora Notícias sobre Direitos Humanos na América Latina, que levou um grupo de jornalistas brasileiros, do qual participei como integrante da Marco Zero Conteúdo, para conhecer a realidade de El Salvador e participar do ForoCap.

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AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.