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Foto: Facebook Rádio Frei Caneca FM
Mais de R$ 200 mil destinados à compra de equipamentos, pagamento de pessoal e criação de um edital de fomento da Rádio Frei Caneca, emissora pública do Recife, foram utilizados para pagar shows, instalação de palcos e ações de divulgação.
Autor de duas emendas parlamentares que destinavam os recursos à estrutura da rádio, o vereador Ivan Moraes (Psol) subiu à tribuna da Câmara Municipal do Recife para denunciar o desvio do recurso da sua finalidade original. Além de criticar a Fundação de Cultura do Recife (FCCR), o parlamentar questionou o uso dos gastos com o que considera ser uma” inversão de prioridades”.
A reportagem procurou a administração da Rádio Frei Caneca e Fundação de Cultura do Recife mas não obteve resposta até a publicação da matéria.
Para garantir o compromisso da emissora pública com a transparência, foi criado o Grupo de Trabalho (GT) que acompanha a implementação da rádio, com participação paritária da sociedade civil e gestão pública. No entanto, nem os representantes da sociedade civil estavam a par das decisões para utilização do recurso.
“O que me deixa surpreso é que, enquanto representante da sociedade civil no GT da Frei Caneca, estávamos sempre cobrando um posicionamento da gestão da Rádio sobre as emendas parlamentares, mas a reposta da gestão era sempre que uma das emendas estava em processo e que não tinha ciência da existência da segunda emenda”, critica Tarcísio Camelo, da ONG Auçuba Comunicação.
A resposta sobre as emendas chegou para o GT no dia 26 de setembro, sem grandes alardes. Segundo Camelo, a resposta chegou após muita pressão. “Nessa última reunião eu fui mais incisivo, disse que gostaria que constasse em ata um pedido oficial e documentado sobre como estavam o andamento das emendas. Só aí tivemos a resposta oficializada”, conta.
Na resposta ao GT, a administração da Rádio Frei Caneca reconheceu que os recursos das emendas serviram à contratação de artistas para shows no Rec’n’Play e do carnaval, além de terem custeado aluguel de palco e a comissão de avaliação do edital de ocupação da grade da rádio. A nota citou nominalmente os artistas contratados.
A surpresa com o conteúdo da resposta também causou revolta no vereador. “Achei de péssimo gosto a resposta pois inclusive expõe os artistas que são pessoas que defendem a rádio. Certamente eles não estavam avisados de que estavam sendo pagos por um recurso que é para estruturar a própria rádio”, afirma.
O que previa a Emenda 46/2017 (emenda à LOA 2018)
“Acrescentar ao Programa 1.211 – VALORIZAÇÃO DA CULTURA, da Fundação de Cultura da Cidade do Recife – FCCR, o valor de R$ 200.000,00 (Duzentos mil reais) para a estruturação do projeto/atividade DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES CULTURAIS DA RÁDIO FREI CANECA, com as seguintes operações : promoção de edital de fomento a produção de conteúdo, pagamento de pessoal, compra de equipamentos e materiais afins e outras medidas”
Como o recurso foi usado, segundo a FCCR:
“A emenda à LOA 2018 começou a ser executada em 2018, com o investimento de mais de R$ 48 mil, nas seguintes ações:
– evento de abertura de microfones da rádio, com apresentações dos artistas Amaro Freitas, Isaar, Silvério Pessoa e dos poetas Clécio Rimas e Bione;
– divulgação da Frei Caneca FM, através da curadoria do palco do Rec N Play 2018, com a contratação dos artistas, Barro e participação de Mariana Aydar; Romero Ferro, com participação de Alice Caymmi; Slam das Minas PE, Auss & Auss, Virgulados, Grupo Bongar e Madimboo;
– e com as ações que envolveram a seleção de projetos da sociedade civil, incluindo as passagens, hospedagens e cachês da Comissão de Avaliação e Seleção dos dois primeiros editais da Frei Caneca FM.
– A fim de atender ao compromisso de desenvolver atividades culturais da rádio com o valor destinado por meio da LOA, o restante do valor, R$ 152 mil, foi executado no início de 2019, com a ação de divulgação da rádio, através da realização do Palco Frei Caneca FM no Carnaval 2019, incluindo cachês das atrações, infraestrutura de engrenagens e som do palco, gerador e contratação de equipe técnica e da designer que criou as peças de divulgação da rádio durante a festa de momo.”O que previa a Emenda 17/2018 (emenda à LOA 2019)
“Acrescentar ao projeto/atividade 6201.13.392.1.211.2.304 – PROMOÇÕES DE AÇÕES CULTURAIS, da Fundação de Cultura da Cidade do Recife – FCCR, o valor de R$ 50.000,00 (Cinquenta mil reais), para a operação 05252 – DESENVOLVER AS ATIVIDADES CULTURAIS DA RÁDIO FREI CANECA.”
Como o recurso foi usado, segundo a FCCR:
“Uma primeira parte da emenda à LOA 2019 será utilizada para a contratação de artistas para o Palco Frei Caneca FM no Rec N Play 2019, que terá Estesia, Samico, Mombojó, Casas Populares da BR 232, Rayssa Dias, DJ Dolores e Recife19 com participação de Lia de Itamaracá, no valor de R$ 34.400. O saldo dos R$ 50 mil deverá ser utilizado até o final do ano de 2019, com outras ações de atividades culturais da Frei Caneca FM.”
Para Ivan Moraes, a inversão de prioridade no no uso do recurso público não tem justificativa. Também não é falta de informação. “Foi uma emenda aprovada por todos os vereadores, indicando como quer que seja gasto o recurso. Depois que a emenda foi aprovada, eu fui conversar pessoalmente com Diego Rocha e ele disse que ia usar o dinheiro para montar um estúdio. Foi um ato de grande irresponsabilidade, não foi falta de conhecimento”, disparou o vereador. Depois disso, ele garante que o tom do diálogo com o presidente da Fundação de Cultura do Recife, Diego Rocha, vai mudar.
Moraes ressalta que não é contra a realização de shows, mas segundo levantamento feito pelo seu mandato, não falta dinheiro para festa. Em 2018, a Prefeitura do Recife gastou R$ 59,1 milhões com “Promoção de eventos e festividades culturais e folclóricas”. Este ano, o gasto contabilizado até agosto já vai em R$ 55,1 milhões. Essa rubrica dá conta de pagamento de artistas e realização de eventos como os palcos da Frei Caneca. “Eu gosto e entendo a importância cultural e econômica de ter festa, mas não tem necessidade de usar esse recurso específico para fazer festa. Esses 250 mil reais eram para montar a rádio e não é nem o suficiente para tudo que precisa”, argumentou Moraes.
Do lado da sociedade civil também há outras críticas. Segundo Camelo, a organização dos palcos nunca foi debatida com o GT, assim como não foi informado de onde o dinheiro viria. “Em nenhum momento foi colocado na mesa para se discutir o uso dos recursos das emendas. Enquanto isso, a utilização da promoção de edital de fomento para a produção de conteúdo independente para Rádio Frei Caneca FM, o que poderia garantir ainda mais a participação da sociedade, ainda não saiu do papel”, critica.
Espaço de participação em xeque
O GT formado por 12 representações – seis titulares da sociedade civil, e seis indicadas pela gestão municipal – está com processo de eleição aberto para novos integrantes, mas quem já passou pelo grupo tem críticas sobre o espaço de participação.
Para Renato Feitosa, ativista do Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom) e que fez parte do GT, existe um problema com o modelo de gestão que a Fundação de Cultura tem adotado em relação à rádio.
“Uma coisa que fica evidente no primeiro e segundo editais é essa exploração do voluntariado. A rádio não oferece recursos, nem estrutura (estúdio, equipamento). Não oferece meios para que a sociedade participe e quando recebe recursos que poderiam ser investidos para sanar essas carências acaba gastando em coisas que são passageiras”, aponta.
Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.